União ibérica
Camões em 1580: "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela."
No século XV, com os Descobrimentos, assistiu-se a uma grande rivalidade política, entre Portugal e Espanha; com o Tratado de Tordesilhas, esta rivalidade foi atenuada e permitiu, a um e outro país, uma grande expansão e domínio territorial. Portugal na primeira metade do século XVI dominou o Índico e chegou à China e ao Japão, construindo o maior império comercial do tempo. Foram 50 anos de glória que fizeram de Portugal na época um grande império. Com a expulsão dos judeus, primeiro, e depois com desastre de Alcácer Quibir, em 1578, foram criadas as condições de redução da capacidade operacional, levando à perda da influência portuguesa no Oriente, onde os portugueses foram substituídos primeiro pelos holandeses e depois pelos ingleses.
Portugal e Espanha, tendo dominado o mundo no séc. XVI, viram-se confrontados, nos últimos quatro séculos, com problemas de finanças públicas sérios, agravados com as guerras e a ocupação estrangeira, chegando ao último quartel do século XX, como duas das nações mais pobres da Europa, a par da Irlanda e da Grécia. A adesão à Comunidade Europeia permitiu um grande desenvolvimento, proporcionando um salto qualitativo no nível de vida das populações, mas constata-se que Portugal e Espanha não foram capazes de dar os passos suficientes para consolidarem o seu processo de crescimento. Portugal e Espanha padecem dos mesmos males; nomeadamente, um alto nível de desemprego e uma crise financeira profunda, susceptíveis de impedir por longos anos o crescimento económico.
As duas nações operaram nos últimos 25 anos uma alteração profunda no seu relacionamento económico, mas é forçoso reconhecer que há ainda um grande caminho a percorrer. Só o estabelecimento de uma União Ibérica permitiria tirar partido das sinergias importantes que resultariam de uma economia e de um planeamento estratégico integrado.
Se os governantes tivessem presente que governar é prever e preservar equilíbrios (Guebuza 2010) teriam conduzido políticas mais prudentes e cautelosas. Não pondo em causa o uso da golden share, é de referir que o Governo português, no caso da PT Telefónica, mais uma vez andou mal; teria sido mais eficaz perante a decisão de, em último caso, usar a golden share, negociar com o Governo espanhol, propondo-lhe para a Telefónica uma estratégia de cooperação em vez de confrontação. "Ora, a Espanha é, como nós, uma nação moribunda... Esta semelhança de situação e a previsão dos futuros destinos dos dois povos peninsulares devem fazer pensar os seus estadistas no erro e nas consequências de fantasia guerreira, ou de destino conquistador. Se a desgraça e os perigos aproximam os homens também podem aproximar e reunir as nações" (Augusto Fuschini, engenheiro civil, estadista, 1843-1911).
Como os números recentes já mostram, não é possível para Portugal, e por certo, para a Espanha, cumprir os objectivos orçamentais estabelecidos, uma vez que o aumento da despesa com os encargos financeiros (da ordem de 3% do PIB) compromete a eficácia de qualquer plano de austeridade.
A saída da crise não se fará sem um grande choque económico e social; Portugal e Espanha não têm energia própria para resolver a crise económica de per si, tal é a sua dimensão e natureza estrutural. As condições necessárias para debelar a crise a longo prazo são, entre outras, as seguintes:
- condução de uma política de integração económica ibérica completa;
- um programa de infra-estruturas concebido num quadro ibérico, optimizando os factores críticos de sucesso de um espaço mais alargado e com um posicionamento estratégico único, incontornável, no quadro do relacionamento Europa/África e Europa/ /América;
- uma visão comum para o papel dos dois países integrados, no seio da União Europeia.
No curto prazo, sem prejuízo de um quadro político que urge renovar, os dois países deviam apresentar-se em conjunto, de imediato, ao Fundo de Ajuda Europeia, solicitando um robusto apoio financeiro a uma taxa adequada (3,2%), complementado com um novo pacote de fundos estruturais (no mínimo à taxa zero) para apoio de projectos essenciais, no quadro da integração ibérica.
Fuschini dizia ainda que "a constituição da unidade nacional ibéria, seja qual for a fórmula política, não resultará da conquista, nem será imposta pelas armas, pelo contrário, as relações amigáveis dos povos peninsulares, as comuns desgraças e as exigências da própria defesa poderão facilitar e apressar, direi até tomar necessária, esta importante transformação na carta política da Europa".