Unbabel vai criar forma de comunicarmos sem termos de falar
Depois da Defined.ai, foi na quinta-feira anunciado na Web Summit mais um megaprojeto português de Inteligência Artificial (IA). Um consórcio de 11 empresas, liderado pela Unbabel, vai investir 78 milhões de euros (51 milhões oriundos do PRR) em 21 inovações alojadas numa plataforma de language operations (LangOps), em IA, nos próximos três anos. Um dos projetos envolve a criação de um interface que permitirá comunicarmos sem termos de falar. O consórcio promete criar mais de 200 empregos e gerar 250 milhões de euros na economia nacional.
Em entrevista ao Dinheiro Vivo, durante a Web Summit, Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel, explica que este é o "maior consórcio mundial de IA responsável". Uma das áreas de maior foco será a saúde. Além de estar à frente da gestão do consórcio e do desenvolvimento de tecnologia comum a todas as entidades envolvidas, "há produtos concretos" que a Unbabel vai desenvolver por sua conta. O gestor explica que o consórcio é "complementar" ao trabalho que a startup com ADN luso tem vindo a desenvolver e, por isso, não retira o foco da operação diária (focada em soluções que aliam a IA e pós-edição humana à tradução automática, pensadas para todo o tipo de organismos).
Um dos projetos que a Unbabel vai liderar passa pela "criação de um interface cérebro-computador, que permita ao ser humano comunicar sem ter que falar". "Há uma grande probabilidade que o futuro da humanidade passe por uma integração muito mais próxima de IA com o ser humano", referiu o CEO da Unbabel, notando que com IA ir-se-á além de pernas e braços biónicos ou implantes coclear (usados por pessoas que sofrem de perda auditiva).
"A próxima fase", acredita, passa pelo "aumento das capacidades cognitivas do cérebro humano através de uma integração mais próxima com sistemas de IA". "Por exemplo, no caso de doentes com esclerose lateral amiotrófica (ALS), a capacidade de novos canais de comunicação é um caso óbvio de aumento da capacidade de comunicação com o mundo exterior", argumentou.
Considerando que "há um potencial positivo enorme e um potencial negativo grande", Vasco Pedro defendeu que a importância de projetos baseados em IA responsável parte da premissa de que é "importante que haja um pensamento muito consciente e uma série de regras" na influência que a IA já tem - e continuará a ter cada vez mais - na vida quotidiana.
A questão das plataformas LangOps vai muito além da área da saúde. No caso do consórcio, o gestor reiterou que todos os participantes "estão muito alinhados", uma vez que as inovações a desenvolver "vão beneficiar o trabalho já feito" por cada uma das onze empresas, e vão também "trazer recursos às empresas para apostarem mais em certas áreas que se calhar não teriam apostado de outra maneira". No caso da Unbabel, este consórcio permitirá também fortalecer o trabalho nuclear da startup: as traduções de idiomas.
"Há uma evolução no mercado das competências que inclui a capacidade de lidar com IA por parte de pessoas que trabalham na gestão de tradução, uma evolução no sentido de serem LangOps. Ou seja, uma evolução no paradigma que as empresas utilizam quando pensam resolver barreiras de linguagem", especificou. O novo paradigma prevê que a capacidade de comunicar independentemente do idioma será transversal em todas as áreas, quando antes essa capacidade estava segmentada.
"O mundo evoluiu", segundo Vasco Pedro, que considera que hoje há uma necessidade de "criação contínua de conteúdos". As empresas têm de "adaptar e escalar processos para conseguirem que esses conteúdos estejam disponíveis em diversos idiomas diferentes".
O também cofundador da Unbabel não revelou a atual dimensão do negócio da startup. Mas adiantou que a Unbabel está "a caminho de fazer 3,5 mil milhões de palavras traduzidas este ano", considerando que tem, pelo menos, 130 mil tradutores a colaborar.
As soluções da Unbabel dominam 45 idiomas diferentes, sendo os serviços da startup mais procurados nos mercados alemão, japonês e escandinavos. "São mercados onde as empresas valorizam e funcionam a partir da língua materna, por um lado, e, por outro, são idiomas caros [difíceis de aprender], não havendo muitos tradutores" noutros países. Por isso, estes países "são tipicamente mercados onde a Unbabel tem imenso sucesso", sublinha.
O CEO da Unbabel revelou, ainda, que a empresa tem hoje uma estratégia de crescimento "orgânica einorgânica". Em 2021, realizou a primeira aquisição e Vasco Pedro garante, agora, que não vão ficar por aí. Estão atentos ao mercado e interessados em crescer através de mais aquisições.
Além disso, tornar-se numa startup com estatuto de unicórnio [avaliada em mais de mil milhões de dólares] e entrar no mercado de capitais não são objetivos, mas "marcos" encarados como "passos naturais" a longo prazo que fazem parte do processo de crescimento.
A Unbabel tem hoje 350 trabalhadores distribuídos por nove escritórios, nomeadamente, em Lisboa, Berlim (Alemanha), Londres (Inglaterra), Edimburgo (Escócia), Timisoara (Roménia), Cebu (Filipinas), Nova Iorque, São Francisco e Pittsburgh (EUA).