Uma visão geral da recente agitação no Irão: Como são tratados os direitos das mulheres no país?
A natureza da recente agitação no Irão após a morte de Mahsa Amini
A trágica morte de Mahsa Amini a 16 de Setembro, na sequência da sua transferência para uma esquadra da polícia da moralidade em Teerão, causou um trauma a nível nacional no Irão com efeitos duradouros. O incidente deixou milhões de pessoas chocadas e ultrajadas tanto no Irão como no estrangeiro. As únicas imagens disponíveis sobre o tempo e as circunstâncias da sua morte mostram claramente o seu inesperado colapso. Mahsa foi imediatamente atendida e cuidada por médicos de emergência e transferida para um hospital. Infelizmente, todo e qualquer esforço feito por uma equipa de médicos para salvar a sua vida revelou-se infrutífero.
As autoridades iranianas investigaram devidamente a morte de Mahsa. O relatório forense excluiu qualquer sugestão de lesão traumática e indicou que a Mahsa tinha uma vulnerabilidade subjacente devido a uma cirurgia ao cérebro aos oito anos de idade. Como resultado, provas irrefutáveis provaram que a sua morte inesperada não foi causada por violência. Mas, a pressa de condenação e o juízo errado tomadas por certas figuras políticas nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, criou um clima de confrontação que ensombrou o curso dos acontecimentos no país.
Por outro lado, descrever a morte de Mahsa Amini como um assassinato ou morte brutal resultante de tortura, tal como foi propositadamente narrada pelos meios de comunicação ocidentais e por alguns canais de televisão de língua persa sedeadas em Londres, é uma distorção deliberada desta tragédia que tem sido usada para provocar revolta e incitar a tensão no Irão durante os últimos três meses. Existem agora provas convincentes de que os protestos cívicos na sequência da morte de Mahsa Amini logo se transformaram em violentos tumultos e foram tomados por opositores políticos da República Islâmica do Irão, tanto de fora como de dentro do país.
A situação foi exacerbada quando estes opositores exploraram os meios de comunicação social para manipular as circunstâncias, apelando ao derrube do Governo e erguendo bandeiras alternativas. De forma alarmante, houve uma nova escalada de tensão quando terroristas armados e grupos separatistas nas províncias fronteiriças do Irão começaram a incorporar a agitação vivida nas ruas aos seus próprios objectivos, e com isso, colocando em perigo a segurança à integridade territorial do país. O ataque terrorista que teve lugar num importante santuário religioso em Shiraz que resultou em 15 pessoas mortas e dezenas de feridos, foi um claro exemplo desta situação.
Lamentavelmente, a caracterização dos protestos vividos no Irão como sendo totalmente pacíficos e a resposta do Governo aos mesmos como sendo absolutamente brutal, foi a principal falsa narrativa que dominou a cobertura mediática durante o inicial desenrolar dos acontecimentos. De facto, durante a recente convulsão no Irão, um tsunami de publicações nos meios de comunicação social foi também provocado no Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube, TikTok, Telegram e outras plataformas de comunicação social, a fim de fornecer munições às agências de radiodifusão hostis. Várias agências estrangeiras patrocinadas pelo Estado, que têm estado a trabalhar há muitos anos transmitindo conteúdos tóxicos contra o Irão em língua persa, visaram os iranianos, alimentando-os em massa com falsas narrativas produzidas.
Com uma cobertura tão extensa do recente desenvolvimento no Irão, estes agentes têm tentado constantemente convencer a opinião pública no Ocidente de que os protestos em curso são pacíficos, embora haja provas de que não é esse o caso. Pelo menos 45 agentes da Polícia e elementos das forças de segurança foram mortos em várias cidades, na sua maioria através de espancamentos brutais e, até mesmo, linchamentos. Os relatórios iniciais indicam que 180 agências bancárias, 290 caixas automáticos (ATMs), 12 ambulâncias, 385 veículos, 1100 caixotes do lixo, e 128 propriedades públicas e privadas foram destruídas ou incendiadas. Um certo número de pessoas comuns, consideradas pelos amotinados como leais ao Governo, incluindo mulheres que observam o Hijab e o clero vestindo trajes tradicionais, foram também alvo de violência.
Análise de Contexto
Poder-se-á perguntar: 'Porque está o Irão a ser alvo de campanhas tão extraordinariamente negativas e de uma onda de contestação nos meios de comunicação social? Para responder a esta pergunta, é preciso analisar o contexto em que estes confrontos estão a ter lugar.
Seria ingénuo acreditar que a enorme quantidade de ataques através dos meios de comunicação social ao Irão destinam exclusivamente a proteger os direitos das mulheres. Para que a liderança e o público em geral portugueses compreendam a complexa situação, devem primeiro compreender que o Irão é confrontado por uma guerra híbrida de desgaste orquestrada por uma coligação dos Estados Unidos e dos seus aliados.
Esta guerra envolve uma combinação de esforços agressivos que recorrem ao poder duro e o poder suave nas frentes económica, política, militar, cibernética, psicológica, cultural e mediática. De uma perspectiva iraniana, esta guerra injusta tem origem nas rivalidades históricas de grandes potências destinadas a explorar os recursos petrolíferos do Irão e a tirar partido da sua localização geopolítica para fins estratégicos. Destina-se também a forçar o Irão a ultrapassar as suas linhas vermelhas, a afastar-se dos seus legítimos direitos nas negociações nucleares e a respeitar as condições injustas impostas pelos Estados Unidos.
Os direitos das mulheres no Irão - O Hijab é uma violação dos seus direitos?
Neste contexto, a República Islâmica do Irão é acusada de violar os direitos humanos, ao reprimir as suas próprias mulheres. Mas, será que as mulheres estão realmente sujeitas à repressão no Irão?
A resposta é que a Revolução de 1979 pôs fim a tais intrusões extensivas nos assuntos do Irão. Os países ocidentais, contudo, não cessaram as suas intromissões e imposições. O Irão encara a sua resistência a sanções tão cruéis como uma guerra prolongada de independência e luta pela autodeterminação. Para além das questões geopolíticas e geoeconómicas, a própria identidade e dignidade do povo iraniano é também vista como estando em jogo nesta luta.
Parece que os inimigos estrangeiros não concluíram a sua guerra travada contra o Irão desde a Revolução Islâmica de 1979. Durante todo este tempo, o Irão tem estado sujeito à máxima pressão através de sanções económicas, demonização política, isolamento diplomático, operações militares, incluindo o assassinato explícito de generais e cientistas nucleares, ataques do regime israelita e uma guerra de agressão por parte de Saddam Hussein, todos os quais com efeitos duradouros.
Num contexto altamente hostil, a projecção de uma imagem sombria das mulheres que vivem no Irão está longe de ser verdade. Tantas mulheres de sucesso no Irão, com realizações notáveis na ciência, tecnologia, desporto, artes, jornalismo, medicina, etc., não podem ser o resultado de uma sociedade sob um sistema político repressivo. Alguns meios de comunicação e círculos feministas ocidentais centraram a sua atenção na Lei do Hijab (um código de vestimenta islâmica em que as mulheres devem, do ponto de vista religioso, cobrir no mínimo o cabelo com um véu) como símbolo de repressão contra as mulheres. Mas, apesar de ser uma ordem social, o Hijab não tem sido uma questão significante para uma esmagadora maioria de mulheres iranianas, pela seguinte razão.
O Hijab faz parte de um modesto traje estipulado no Islão às seguidoras da fé. É também um acto de responsabilidade social decretado na lei iraniana. Tanto os homens como as mulheres devem observar o princípio da modéstia no seu comportamento social e no seu traje. A esmagadora maioria das pessoas no Irão, bem como as pessoas em muitos países muçulmanos, observam estes requisitos como parte dos costumes religiosos e culturais. Contudo, devido à natureza pessoal da Lei do Hijab, esta não pode ser, nem é rigorosamente aplicada no Irão, e a violência nunca foi prescrita contra as mulheres. O caso da morte de Mahsa Amini foi um simples e infeliz acidente. De facto, nos últimos anos, as normas sociais da sociedade iraniana têm sido esticadas para permitir uma variedade de estilos de moda, baixando o limiar da interpretação do Hijab exigido a um mínimo.
No entanto, esta evolução tem consternado muitas pessoas religiosas. Não obstante, como resultado da recente agitação social no Irão, está em curso um debate social controverso, a nível nacional, sobre a medida em que a lei do Hijab deveria ser mais flexível, enquanto as relevantes leis e códigos morais também poderiam ser observados sem o envolvimento da polícia da moralidade.
Quem deverá ser responsabilizado pela repressão das mulheres no Irão?
Contudo, os Governos hostis no Ocidente não podem esconder-se atrás de prismas tão estreitos de apoio aos direitos humanos no Irão e, simultaneamente, ignorar o seu próprio papel na repressão do povo iraniano, incluindo as mulheres. Em flagrante violação dos direitos humanos, os Estados Unidos e os seus aliados impuseram sanções prejudiciais à população iraniana no seu conjunto, e às mulheres e raparigas em particular, para os seus próprios ganhos políticos.
Como muitos outros países do mundo, o Irão necessita de muitas melhorias em termos de condições sociais, económicas, e políticas. A geração jovem no Irão exige, de forma legítima, uma vida melhor com perspectivas promissoras de um futuro digno. Embora estas preocupações não sejam particulares a nenhum país, por si só, no caso do Irão, são agravadas por desafios formidáveis através de sanções cruéis impostas à economia, que afectam os meios de subsistência e os direitos humanos de toda a população.
O impacto negativo das sanções é o ponto central do relatório apresentado à ONU pela Relatora Especial, Alena Douhan, na 51ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos (HRC51), que concluiu claramente que "o uso de sanções unilaterais, sanções secundárias e cumprimento excessivo tem um efeito globalmente adverso no amplo espectro dos direitos humanos, civis, políticos, económicos, sociais e culturais, incluindo o direito à vida e o direito ao desenvolvimento." (Ver documento da ACNUDH: A/HRC/51/33/Add.1)
O relatório conclui ainda que o Irão tem sido impedido de vender o seu próprio petróleo e de conduzir um comércio internacional normal ao longo das últimas décadas, o que tem causado um aumento espantoso do custo de vida e afectado negativamente a subsistência da população geral para além de qualquer descrição. Contudo, os fervorosos defensores dos direitos humanos nos países ocidentais fecham os olhos a estas violações em larga escala.
O papel da mulher na sociedade iraniana contemporânea?
Obviamente, tal violação dos direitos à vida, ao impor sanções unilaterais e guerra económica ao Irão, afectou em grande medida o estatuto das mulheres também no Irão. No entanto, apesar de todas estas pressões, o papel das mulheres na sociedade iraniana contemporânea tem evoluído de forma constante e progressivo. Apenas para mencionar alguns exemplos, segue-se uma lista de acções e realizações notórias sobre o progresso das mulheres e o estatuto da família no Irão em diferentes áreas:
Saúde
• Implementação da Rede de Cobertura Universal de Saúde para todos os habitantes urbanos e 99% das populações rurais e nómadas
• Aumento da esperança de vida das mulheres para 78 anos
• Redução da taxa de mortalidade neonatal em 8,2% por 100 mil nascimentos
• Redução da taxa de mortalidade de crianças até aos 5 anos em 14,2 por 100 mil nascimentos
• Mulheres constituem 40% de todos os médicos especialistas e 30% de todos os médicos de subespecialidade
• Mulheres iranianas em 10º lugar no mundo com a mais baixa taxa de mortalidade por cancro do colo do útero
Educação
• Aumento de mais de 33,3% nos membros femininos do corpo docente universitário
• Mulheres constituem 34% dos membros do corpo docente nas faculdades de Medicina
• Mulheres constituem 56% dos estudantes inscritos em universidades estatais do país
• Praticamente fechado o fosso entre os géneros no ensino primário e secundário no país
• Superado o analfabetismo das mulheres e das raparigas com uma proporção de 99,3%
• Aumento das matrículas de alunas do ensino secundário em 84%
• Aumento da proporção de estudantes do sexo feminino para o masculino em 48%
Empreendedorismo
• Provisão de mais de 4200 fundos de microcrédito com 1,2 mil milhões de riais em crédito governamental para mulheres rurais
• Mais de 2390 mulheres ao serviço dos conselhos de administração de empresas baseadas no conhecimento
• Queda da taxa de desemprego feminino para 13,7%
• Cobertura da Segurança Social para donas de casa, agregados familiares chefiados por mulheres e, ainda, a todas as mulheres e raparigas rurais e nómadas
• Mais de 735 mulheres em cargos directivos de empresas baseadas no conhecimento
Meios de comunicação social
• A presença de realizadoras e actrizes como presidentes de júri em 45 festivais internacionais de cinema, tendo recebido 114 prémios nacionais e 128 prémios internacionais em prestigiados festivais de cinema
• Aumento da participação das mulheres no sector das tecnologias da informação e da comunicação em 31,5%
• Participação activa de cerca de 3 mil cineastas e especialistas dos media, apenas na indústria cinematográfica
Desporto
• As mulheres venceram 3302 medalhas em recentes eventos desportivos internacionais
• Atletas femininas possuem quotas olímpicas e paraolímpicas
• Várias mulheres estão a servir como chefes de delegações desportivas em todas as províncias
• Iranianas actualmente possuem 97 cargos internacionais em federações desportivas em todo o mundo
• 88.366 mulheres serviram como árbitras e assistentes em eventos desportivos nacionais e internacionais
• 51 mulheres ocupam os cargos de presidente ou vice-presidente em diferentes federações desportivas
Cargos de liderança
• Mulheres ocupam 25,2% de todos os cargos governamentais a todos os níveis, incluindo os cargos executivos mais altos, médios e básicos
• Um número considerável de mulheres já serviram e servem como vice-presidentes para as Mulheres e Assuntos da Família, ministras e vice-ministras, embaixadoras, governadoras e presidentes de Câmaras Municipais
• Mais de mil mulheres servem como juízas no país
• Aumento do número de mulheres como membros do Parlamento em 16,5 vezes desde o primeiro mandato em 1981 e em 20% nas autarquias locais
Para concluir, devo salientar o facto de que nenhuma nação, mesmo as chamadas democracias liberais ocidentais, pode reivindicar um registo perfeito na observância total dos direitos humanos e, mais concretamente, dos direitos das mulheres. Há progressos e deficiências em todas as sociedades a este respeito. Todos precisamos de continuar a dedicar os nossos esforços e empenho constantes para melhorar a vida social das nossas sociedades. Por outro lado, não existe uma prescrição universal para os valores sociais e as sociedades ocidentais não devem tentar impor a outras nações o seu próprio conceito de direitos humanos, tendo em conta o facto de que esta deve antes ser tomada em consideração as características nacionais e regionais e os vários registos históricos, culturais e religiosos no contexto de um processo dinâmico e em mudança do conjunto de regras internacionais, e tendo em conta que o principal pretexto da universalidade é prestar atenção aos valores aceites de todas as culturas e religiões. Por outras palavras, é necessário considerar o princípio da universalidade, equidade e imparcialidade no exame das questões de direitos humanos, para que as decisões colectivas não sejam sujeitas a extremos e sejam antes abrangentes e orientadas para a verdade.
* Embaixador do Irão