Uma revisão oportuna e necessária

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Mandaria a decência política que aqueles que são responsáveis pelo maior défice orçamental e pela maior taxa de desemprego da história da nossa democracia, pelo encerramento indiscriminado de maternidades e de centros de saúde ou por cortes cegos nos apoios destinados aos mais desfavorecidos, se abstivessem de passar a vida a falar na defesa do Estado social. Mas porque decência política é, como se sabe, algo que não abunda para os lados do Largo do Rato, os socialistas decidiram que a melhor forma de desviar atenções da sua incompetência governativa seria atacar o projecto de revisão constitucional do PSD, precisamente porque poria em causa, de modo irreversível, o Estado social.

A táctica dos socialistas tem-se desenvolvido em obediência ao princípio, de triste origem, segundo o qual uma mentira mil vezes repetida se transforma em verdade. Não se pode aliás dizer que seja caso virgem, pois são useiros e vezeiros em fazê-lo. Mas já surpreende, pela falta absoluta de escrúpulos que revela, a dimensão das inverdades que afirmam e das distorções que fazem.

Dois são os argumentos essenciais a que o líder socialista tem recorrido: que o PSD quer acabar com o Estado social e que pretende fazer constar do texto constitucional o seu próprio programa de Governo. Ora, como José Sócrates bem sabe, aquilo que apregoa aos sete ventos é precisamente o inverso do que se contém no projecto do PSD.

Assim, no que aos aspectos sociais respeita, as propostas apresentadas são norteadas, precisamente, por uma essencial preocupação de justiça social. Com efeito, é cada vez mais patente a insustentabilidade de o Estado prometer tudo, gratuitamente, a todos, pois que os recursos necessários para o fazer só poderão provir de um intolerável e inaceitável aumento da carga fiscal. Não há que temer dizê-lo, porque essa é a realidade nua e crua que não pode ser mais escondida aos portugueses.

Porém, mais do que isso, há que encontrar caminhos alternativos e soluções efectivas para este problema central. Ora, é precisamente isso que se avança no projecto do PSD, quando se aponta para uma solução equitativa assente em duas ideias simples - a de que a ninguém pode ser recusado o acesso a serviços públicos essenciais por motivos ligados à insuficiência dos seus meios económicos e a de que aqueles cujos rendimentos lho permitam devem participar directamente na assunção da despesa que lhes respeita. Uma orientação clara e simples, que protege os mais desfavorecidos e que co-responsabiliza aqueles que têm mais posses. E, insista-se, acima de tudo socialmente justa.

Por outro lado, o PSD não pretende, de todo em todo, que a Constituição reproduza o seu programa de Governo. Só não quer - e tem todo o direito a isso - que ela seja o programa de Governo dos outros, que é precisamente o que hoje sucede. Porque considera que um Governo livremente escolhido pelos portugueses deve ter a possibilidade de levar a cabo, em toda a sua plenitude, o programa que viu sufragado eleitoralmente, e de se posicionar politicamente mais à esquerda, mais ao centro ou mais à direita, em obediência ao que prometeu e ao mandato que lhe foi conferido. E isso não é actualmente possível, por causa do enviesamento ideológico de que a nossa lei fundamental continua a padecer, com especial incidência no plano económico. E com as consequências que, infelizmente, são bem visíveis.

A revisão constitucional que o PSD propõe é, assim, oportuna e necessária. É certo que, ao avançar com esta iniciativa, Pedro Passos Coelho correu - e corre - um risco político sério. Mas revelou, ao mesmo tempo, duas facetas importantes de coragem e de coerência políticas. Porque quis dizer a verdade aos portugueses antes de se submeter ao seu julgamento eleitoral, em vez de, como cada vez mais ocorre entre nós, dizer uma coisa antes desse momento e outra depois de chegar ao poder. E porque assumiu, como ensinava Sá Carneiro, que primeiro está sempre o País.

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