Uma precursora do ensino da dança e pioneira da formação profissional

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Alguns chamam-lhe a Ninette Valois portuguesa. Mais do que professora, Margarida de Abreu foi a grande precursora do ensino da dança em Portugal. Morreu, ontem em Lisboa, depois de 60 anos de actividade consagrada a esta arte também como coreógrafa. Contava 90 anos.

Filha de António de Barros de Abreu - advogado e cunhado de Afonso Costa, figura cimeira da primeira República - e de Helena Hoffmann, de nacionalidade suíça, professora de Francês, Alemão e Piano, Margarida de Abreu não só abre a sua própria escola, em 1938, na Casa dos Açores à Rua Castilho como cria, em 1944, o Círculo de Iniciação Coreográfica que vem a traçar um caminho paralelo ao grupo de bailado Verde Gaio, dirigido por António Ferro e Francis Graça, a cujo destino também presidirá.

Embarcará para Genève, aos 17 anos, onde frequentará o Instituto Dalcroze que inventara a rítmica. O seu método, do cruzamento entre o tempo, o espaço e a energia, será marcante na visão da dança de uma professora que desejava que esta arte fosse "música feita poesia", harmonia do movimento.

Viria a prosseguir os estudos na Alemanha, na Deutsche Tanz Schule, em Berlim, e depois na Hellerau Laxemburg Schule, em Viena de Áustria. Estagiou no domínio do ensino, nos anos 40, na Sadler's Wells, em Londres, hoje Royal Ballet.

Manifesto

Autora de um manifesto em defesa da dança como forma de arte, onde explicita também as suas ideias quanto ao ensino, Margarida de Abreu deu aulas no Conservatório Nacional, onde o seu nome, de acordo com Ana Caldas, directora da Companhia Nacional de Bailado (CNB) e ex-presidente da Escola de Dança do Conservatório Nacional (EDCN) ,"jamais será esquecido". O estúdio onde Margarida de Abreu leccionou durante quase 50 anos tem uma lápide em sua homenagem.

"Considero Margarida de Abreu uma figura incontornável do bailado português que directa ou indirectamente lançou as bases para que a dança em Portugal se tornasse numa realidade, tanto no que se refere às companhias que viriam a nascer como à dignificação do ensino que permitiu que estas se desenvolvessem,"fez questão de sublinhar.

Wanda Ribeiro da Silva, professora, durante largo tempo, dos cursos de formação de bailarinos da Fundação Gulbenkian e ex-presidente da Escola Superior de Dança, salienta que Margarida de Abreu sempre foi "um exemplo de amor e de perseverança"; ou seja, serviu a dança, nunca se serviu dela.

Não tendo sido sua aluna, Wanda Ribeiro da Silva releva a cultura e os conhecimentos musicais de Margarida de Abreu, bem como a sua "grande abrangência de gosto" que aliava a "um saber profundo de emoção": "Cedo percebeu que tinha de abrir-se à pedagogia da dança, mas igualmente à formação profissional", refere. Ao CIC pertenceu Águeda de Sena, também sua aluna, que a considerava "muito avançada para a época": "Devo-lhe muito."

No cinema, foi a coreógrafa de Amor de Perdição, Francisca e Os Canibais, de Manoel de Oliveira. Entre outras distinções, mereceu a medalha Almeida Garrett (1980), também pela sua ligação ao teatro.

O corpo de Margarida de Abreu está a partir das 14 .00 de hoje em câmara ardente na Basílica da Estrela, seguindo o funeral amanhã para o Cemitério dos Olivais.

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