Uma outra movida em Madrid. A da fotografia
É outra espécie de movida. Desde 1998, instituições e galerias de Madrid vestem-se de festa para celebrar o melhor que se faz na fotografia no festival internacional PhotoEspaña 2017 (PHE17): contem- porânea ou histórica; em Espanha e no mundo. Da seleção oficial, sete propostas começando nos momentos captados pela lente do cineasta Carlos Saura, durante as viagens pelo país nos anos 1950.
1. Carlos Saura: Espanha, Anos 50
De câmara a tiracolo, Carlos Saura conta que na sua casa existem "milhares de fotos". "Existem poucos dias em que não tire um fotografia", diz. "É quase uma obsessão", acrescentaria mais tarde. As suas fotografias conhecidas raramente são expostas. E estas, que podem ser vistas no Museu Cerralbo, de uma Espanha já longínqua, rural, com mulheres e homens de negro, de um país que se ergue após a guerra civil, nos anos 1950, só há um ano foram publicadas em livro pela editora alemã Steidl e a espanhola La Fábrica, organizadora da PHE17. "Este livro era um sonho meu", admite o autor do documentário Fados (2007). E se havia livro, tinha de haver exposição.
Quando começou a percorrer a Espanha, queria "deixar um testemunho do povo oprimido, pobre e a viver condições infra-humanas". Uma das povoações que imortalizou foi Ribadelago, enquanto trabalhava como assistente de um amigo, também cineasta, Eduardo Ducay, num documentário sobre a construção de uma barragem. Essa barragem haveria de rebentar e vitimar 144 pessoas da aldeia, muitas delas fotografadas por Carlos Saura.
Foi pela fotografia que Saura, "85 anos e sete filhos", começou. Em 1951, com 19 anos, fez a primeira exposição em Madrid, publicou no ABC e foi convidado a integrar a redação da revista francesa Paris Match, refere Oliva Maria Rubio, curadora da exposição instalada na antiga Casa Cerralbo, um palacete da família que lhe dá nome. Este "álbum fotográfico", como lhe chama a curadora, detém-se nas pessoas retratadas e constata que "eram gente pobre, mas gente aberta e até elegante".
Carlos Saura, ladeado pela diretora da casa, a curadora e a diretora de PHE17, Maria García Yelo, é o último a falar, privilégio concedido ao mais importante. "A fotografia é das invenções mais maquiavélicas porque cada vez que premimos o botão já estamos no passado." Continua a sentir-se como um "amador", porque, adverte, "para se ser profissional é preciso especializar-se". "Eu disperso-me." Antes de terminar a conferência de imprensa, decide falar sobre a arte atual, digital e ao alcance de quem tem um telefone: "Estão a frivolizar a fotografia." "É como se a era dos grandes fotógrafos estivesse a acabar", diz, comparando com o movimento a que se assistiu na pintura no final do século XIX, com o aparecimento da fotografia. Já não fazia sentido ser realista.
2. Lalibela cerca del cielo
Cristina García Rodero, primeira mulher espanhola a pertencer à agência Magnum e prémio nacional de fotografia em 1996, expõe no Centro Cultural de la Villa, mostra o resultado das visitas à cidade de Lalibela, na Etiópia, a cerca de três mil metros de altitude (daí o nome da exposição: Lalibela, perto do céu), criada para emular Jerusalém, com 11 igrejas e local de peregrinação. "Dizem que é ali que está o túmulo de Adão, e a verdade é que foi aqui que encontraram o esqueleto mais antigo do mundo, Lucy", afirma à imprensa, revelando que o trabalho, apesar de vasto, estava "incompleto". "Sou dessas perfeccionistas." Faz parte de uma série maior, em que a fotógrafa procura captar crentes de religiões de muitos pontos do mundo. Esteve três vezes na cidade, entre 2000 e 2009, "três, quatro dias de cada vez". "São aquelas pessoas que chegam, descalças, que comem o que encontram, dormem sob as estrelas, movidas pela fé", diz, acrescentando: "É um cristianismo muito puro, sofreu muito poucas evoluções." Oliva Maria Rubio, que também comissaria esta exposição, nota que "há fotografias que parecem encenadas". Não são. "A Cristina tem o talento de as encontrar."
3. Ao pé-coxinho
Sem etiquetas nem pistas que falem sobre as cerca de cem imagens expostas no Museu Lázaro Galdiano, tudo fica para a imaginação do visitante. Um pormenor une-as: em todas alguém tem um pé no ar. As imagens, oferecidas ou resgatadas em mercados de antiguidades, pertencem à coleção do artista pop espanhol Eduardo Arroyo, que é também um colecionador. Na sua biblioteca (onde guarda as fotografias, etiquetadas como narrativas), tem mais de mil exemplares.
4. Cem anos de fotografia Leica
Captadas com câmaras digitais em 2014, as imagens do norte-americano Bruce Gilden encerram a exposição dedicada à centenária marca de câmaras fotográficas, que tem circulado pelo mundo (já esteve no Porto), sempre com adaptações ao sabor do local onde se encontra. Em Madrid, podem ver-se os retratos de Alberto García-Alix, mas também imagens que ficaram na história como o retrato de Che Guevara por Alberto Korda.
5. Os novos talentos
O canal Isabel II, uma sala gerida pelo Ayuntamiento de Madrid, reúne 54 fotógrafos jovens ou a iniciar a sua carreira. De uma maioria espanhola, sobressai o nome de um português: Fábio Cunha, 32 anos, fotógrafo e arquiteto.
6. Watkins e a paisagem dos EUA
É a primeira vez que estas imagens do Parque Nacional Yosemite, nos EUA, da autoria do norte-americano Carleton Watkins, são mostradas em Espanha, apesar de fazerem parte da coleção de um espanhol, o pintor Joaquín Sorolla. "Conheciam-se, mas nunca tinham sido vistas", diz o diretor da Casa América, onde estão expostas, contando que foi depois de ver imagens desta série que Lincoln decidiu transformar Yosemite em parque natural.
7. O rebelde Karlheinz Weinberger
Sexta e última exposição proposta pelo fotógrafo espanhol Alberto García-Alix a partir da carta-branca que lhe foi entregue pela direção de PHE17 (e para a qual também elegeu o português Paulo Nozolino), Cìrculo de Rebeldes, de Karlheinz Weinberger (1921-2006), no Museu Nacional do Romantismo, dá a conhecer este artista suíço, que o próprio curador só descobriu há cerca de três anos, através de um livro do seu trabalho que foi editado e que "esgotou". Era fiel de armazém e só usava a câmara de sexta a domingo. Um dia pediu a um homem na rua para fotografar os seus jeans. Ele respondeu-lhe: "Já era altura de alguém me fotografar."
Quando e onde ver
1. Carlos Saura. Espanha, Anos 50
Museu de Cerralbo
De terça a sábado, das 09.30 às 15.00; à quinta, das 17.00 às 20.00; domingo, das 10.00 às 15.00
Até 3 de setembro
2. Cristina GarcíaRodero. Lalibelacerca del cielo
Fernan Gomez, Centro Cultural de La Villa
De terça a domingo, das 10.00 às 21.00
Até 30 de julho
3. Ao pé-coxinho. Coleção Eduardo Arroyo
Museu Lázara Galdiano
De terça a sábado, das 10.00 às 16.30: domingo, das 10.00 às 15.00.
Entrada gratuita na exposição temporária
Até 27 de agosto
4. Com os olhos bem abertos. Cem anos de fotografia Leica
Espaço Fundación Telefónica
De terça a domingo, das 10.00 às 20.00.
Até 10 de setembro
5. Um certo panorama recente da fotografia de autor em Espanha
Sala Canal Isabel II
De terça a sábado, das 11.00 às 20.30; domingo, das 11.00 às 14.00.
Até 23 de julho
6. Watkins, a paisagem dos EUA na coleção fotográfica de Sorolla
Casa América
De segunda a sexta, das 11.00 às 19.30; sábado, das 11.00 às 15.00
Até 20 de junho
7. Karlheinz Weinberger. Num círculo de rebeldes
Museu Nacional do Romantismo
De terça a sábado, das 09.30 às 20.30; domingo das 10.00 às 15.00
Até 17 de setembro