Uma ópera cheia de teatro dentro
Na produção de Peter Grimes (assistimos à segunda récita) avulta a encenação muito teatral de David Alden, onde cada pormenor, gesto e movimento têm um sentido ou mensagem subliminar; cenografia e desenho de luz são duas faces da mesma moeda, indo do despojamento em cores cruas (ou cambiantes de um mesmo tom) até composições pictóricas de belo efeito. Os figurinos são livremente naturalistas, só os fatos domingueiros da comunidade sendo exageradamente janotas; por fim, as coreografias fazem a ligação ao lado music hall e masque da partitura, mas em certos momentos são redundantes.O protagonista, John Graham--Hall, não tem certamente o mais belo timbre de tenor, mas usa-o a bom efeito na definição da personagem, resultando daí um Grimes vívido e de uma complexidade próxima da esquizofrenia; a jovem Emily Newton soube parecer (bem) mais velha como Ellen Orford e dominou o papel. Jonathan Summers (Balstrode) compôs um velho lobo-do-mar, mas ao mesmo tempo revelou-se barómetro e autoridade moral daquela comunidade: tivesse mais para cantar, poderia ter dominado a récita. Rebecca de Pont Davies foi uma Auntie muito urbana, dandy, histriónica e ácida q.b. James Kryshak (Bob Boles) compôs um esplêndido pregador, teatral como vocalmente. Portugueses em bom plano, com destaque para a Mrs. Sedley de Maria Luísa de Freitas e sobretudo o Ned Keene de João Merino.Quanto ao Coro, podemos dizer que se saiu bastante bem da difícil empreitada que é esta ópera tão coral, tanto mais que a componente teatral foi também ela exigente. No fosso, a Sinfónica Portuguesa assinou uma grande prestação: não só soube captar os ambientes da brilhante e variegada escrita orquestral de Britten como também, impelida pela direção sabedora de Graeme Jenkins, soube definir o ritmo da obra e ser o verdadeiro motor do drama.
Crítico