"Balls" - ou dito de outra maneira: uma tragédia nunca vem só..No fim da década passada, as falências bancárias mundiais agravam o caso BPN e, sem sabermos, colocam o BES/GES na rota do descalabro. Ao mesmo tempo, Teixeira dos Santos escolhe Carlos Costa para governador do Banco de Portugal. Como pôde tanta coisa correr mal em simultâneo?.1. Em 2010, no fim do mandato do etéreo Vítor Constâncio no Banco de Portugal, havia um clamor nacional pela mudança de estilo na regulação, uma coisa do tipo... "e agora, algo completamente diferente!". Estávamos queimados e nem imaginávamos o que aí vinha. Queríamos uma mudança, que não era técnica. Pedia-se independência e argúcia para uma casa com aquela importância. E havia um nome. O nome era Teodora Cardoso, acabada de chegar à administração do Banco de Portugal. Seria a primeira vez que uma mulher ficaria a presidir à caixa forte de Portugal..Na altura achei uma grande ideia. Não por questões de género, mas por razões de mérito. Teodora seria alguém fora do circuito político, profundamente independente, e sem "network", fora do Banco de Portugal..Conheci Teodora Cardoso em 2005 quando a convidei para integrar a página mensal no Expresso num barómetro chamado "Conselho dos Doze". Empresários, gestores e macroeconomistas. Eram 11 homens e uma mulher, a dra. Teodora..Durante esses 10 anos, Teodora Cardoso fez três coisas únicas: nunca se atrasou num prazo, nunca enviou o texto fora do tamanho disponível, nunca fugiu às perguntas. (Numa colaboração pro bono é obra).Nada disto qualifica uma pessoa para ser Governadora do Banco de Portugal. Mas diz muito enquanto personalidade e rigor. Além disso, Teodora escreveu sempre o que pensava nas páginas do Expresso perante todos os Governos - Santana, Sócrates, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. Quando chegou António Costa (já a página do Expresso tinha acabado) transformou-se na voz desagradável que, a partir da Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento, e depois do Conselho de Finanças Públicas, dizia a Centeno o que não estava à vista nos Orçamentos. Não dependia de ninguém..Teodora tem agora 77 anos. Tarde demais para o Banco de Portugal? Nos estereótipos habituais, talvez. Mas gostaria de fazer esta justiça a uma mulher que tem um currículo e independência à prova de bala..2. Estando hoje o Banco de Portugal na lama e sabendo nós que a vaidade do Governador o vai fazer ficar até ao fim do mandato (caso contrário teria saído, prudentemente, no fim do primeiro), importa saber o que se segue..E a verdade é que já não há maneira de acreditarmos exclusivamente em competência técnica para exercer este cargo. Quer Constâncio quer Carlos Costa são, seguramente, competentíssimos a ler os números que lhes dão. Mas não chega. Precisamos de avançar para um outro plano - o das subtilezas humanas, onde se integra o bom senso, a prudência, a inteligência, além de uma independência atroz. Por isso, o Banco de Portugal não pode ser dirigido nos próximos anos por... um homem..As ridículas chapeladas que os reguladores/supervisores foram levando ao longos da última década são típicas das sociedades primatas governados por machos alfa sem regulação. Entre eles disputam permanentemente territórios e troféus. Os fortes dominam e os dóceis executam ou calam..Aconteceu exatamente isto no circuito da elite financeira nacional. Um exemplo ficcional: Salgado mandava, Sócrates ou outro qualquer político permeável operacionalizava, e os que se sucediam na cadeia de poder obedeciam..Em consequência, a lei do mais forte espalhou-se por todo o lado. A hecatombe do Grupo Espírito Santo agravou o ambiente de contaminação do BCP e depois, naturalmente, muito deste lixo desaguou na Caixa - convocada a meter dinheiro em grandes clientes dependurados no BES e BCP. Como se terá feito isto? "Network". As tribos primatas batem no peito e dominam a selva. Esmagam pelo medo. E não há reguladores. Na selva, note-se..Ora, há profissões em que devíamos assumir novos princípios. A regulação e supervisão pública são a tentativa de não vivermos na selva. Portanto, na regulação, a liderança masculina devia ser desaconselhada..Ao fim de uns milhares de anos de humanidade, uma discriminação positiva seria bem-vinda..Vamos a uns estereótipos, por boas razões: as mulheres desconfiam mais e melhor. Têm no ADN um fator decisivo para a sua sobrevivência: avaliam os homens em frações de segundos - e nos bancos ou nos grandes negócios, os presidentes vão continuar a ser homens, não tenhamos ilusões..Além disso, as mulheres são mais ciosas do seu poder (têm muito mais dificuldade em conquistá-lo) e menos suscetíveis a colocá-lo em risco por causa de jantaradas, da caça ou do golfe. É raríssimo colocarem-se em situações de potencial chantagem sexual ou de suborno..Vale a pena pensar diferente. E mudar. Começando pelo Banco de Portugal. Façam as vossas apostas. É Elisa Ferreira? Manuela Ferreira Leite? Maria Cândida Rocha, a única banqueira do país? Estas senhoras sabem do negócio. Acrescentam a argúcia que tem faltado por lá e tem currículo com caráter e independência. (Há outros nomes? Lancem-nos)..Desde 1846 que homens lideram a instituição. Pois, a bem da nação: acabem com o clubinho do Cebolinha e Cascão. Está na hora da turminha da Mónica. "Menino não-devia-mandar-no Banco de Portugal, não". Nos próximos, digamos... 173 anos. Ou mais.
"Balls" - ou dito de outra maneira: uma tragédia nunca vem só..No fim da década passada, as falências bancárias mundiais agravam o caso BPN e, sem sabermos, colocam o BES/GES na rota do descalabro. Ao mesmo tempo, Teixeira dos Santos escolhe Carlos Costa para governador do Banco de Portugal. Como pôde tanta coisa correr mal em simultâneo?.1. Em 2010, no fim do mandato do etéreo Vítor Constâncio no Banco de Portugal, havia um clamor nacional pela mudança de estilo na regulação, uma coisa do tipo... "e agora, algo completamente diferente!". Estávamos queimados e nem imaginávamos o que aí vinha. Queríamos uma mudança, que não era técnica. Pedia-se independência e argúcia para uma casa com aquela importância. E havia um nome. O nome era Teodora Cardoso, acabada de chegar à administração do Banco de Portugal. Seria a primeira vez que uma mulher ficaria a presidir à caixa forte de Portugal..Na altura achei uma grande ideia. Não por questões de género, mas por razões de mérito. Teodora seria alguém fora do circuito político, profundamente independente, e sem "network", fora do Banco de Portugal..Conheci Teodora Cardoso em 2005 quando a convidei para integrar a página mensal no Expresso num barómetro chamado "Conselho dos Doze". Empresários, gestores e macroeconomistas. Eram 11 homens e uma mulher, a dra. Teodora..Durante esses 10 anos, Teodora Cardoso fez três coisas únicas: nunca se atrasou num prazo, nunca enviou o texto fora do tamanho disponível, nunca fugiu às perguntas. (Numa colaboração pro bono é obra).Nada disto qualifica uma pessoa para ser Governadora do Banco de Portugal. Mas diz muito enquanto personalidade e rigor. Além disso, Teodora escreveu sempre o que pensava nas páginas do Expresso perante todos os Governos - Santana, Sócrates, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. Quando chegou António Costa (já a página do Expresso tinha acabado) transformou-se na voz desagradável que, a partir da Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento, e depois do Conselho de Finanças Públicas, dizia a Centeno o que não estava à vista nos Orçamentos. Não dependia de ninguém..Teodora tem agora 77 anos. Tarde demais para o Banco de Portugal? Nos estereótipos habituais, talvez. Mas gostaria de fazer esta justiça a uma mulher que tem um currículo e independência à prova de bala..2. Estando hoje o Banco de Portugal na lama e sabendo nós que a vaidade do Governador o vai fazer ficar até ao fim do mandato (caso contrário teria saído, prudentemente, no fim do primeiro), importa saber o que se segue..E a verdade é que já não há maneira de acreditarmos exclusivamente em competência técnica para exercer este cargo. Quer Constâncio quer Carlos Costa são, seguramente, competentíssimos a ler os números que lhes dão. Mas não chega. Precisamos de avançar para um outro plano - o das subtilezas humanas, onde se integra o bom senso, a prudência, a inteligência, além de uma independência atroz. Por isso, o Banco de Portugal não pode ser dirigido nos próximos anos por... um homem..As ridículas chapeladas que os reguladores/supervisores foram levando ao longos da última década são típicas das sociedades primatas governados por machos alfa sem regulação. Entre eles disputam permanentemente territórios e troféus. Os fortes dominam e os dóceis executam ou calam..Aconteceu exatamente isto no circuito da elite financeira nacional. Um exemplo ficcional: Salgado mandava, Sócrates ou outro qualquer político permeável operacionalizava, e os que se sucediam na cadeia de poder obedeciam..Em consequência, a lei do mais forte espalhou-se por todo o lado. A hecatombe do Grupo Espírito Santo agravou o ambiente de contaminação do BCP e depois, naturalmente, muito deste lixo desaguou na Caixa - convocada a meter dinheiro em grandes clientes dependurados no BES e BCP. Como se terá feito isto? "Network". As tribos primatas batem no peito e dominam a selva. Esmagam pelo medo. E não há reguladores. Na selva, note-se..Ora, há profissões em que devíamos assumir novos princípios. A regulação e supervisão pública são a tentativa de não vivermos na selva. Portanto, na regulação, a liderança masculina devia ser desaconselhada..Ao fim de uns milhares de anos de humanidade, uma discriminação positiva seria bem-vinda..Vamos a uns estereótipos, por boas razões: as mulheres desconfiam mais e melhor. Têm no ADN um fator decisivo para a sua sobrevivência: avaliam os homens em frações de segundos - e nos bancos ou nos grandes negócios, os presidentes vão continuar a ser homens, não tenhamos ilusões..Além disso, as mulheres são mais ciosas do seu poder (têm muito mais dificuldade em conquistá-lo) e menos suscetíveis a colocá-lo em risco por causa de jantaradas, da caça ou do golfe. É raríssimo colocarem-se em situações de potencial chantagem sexual ou de suborno..Vale a pena pensar diferente. E mudar. Começando pelo Banco de Portugal. Façam as vossas apostas. É Elisa Ferreira? Manuela Ferreira Leite? Maria Cândida Rocha, a única banqueira do país? Estas senhoras sabem do negócio. Acrescentam a argúcia que tem faltado por lá e tem currículo com caráter e independência. (Há outros nomes? Lancem-nos)..Desde 1846 que homens lideram a instituição. Pois, a bem da nação: acabem com o clubinho do Cebolinha e Cascão. Está na hora da turminha da Mónica. "Menino não-devia-mandar-no Banco de Portugal, não". Nos próximos, digamos... 173 anos. Ou mais.