Uma máquina fotográfica muito pouco inofensiva

Retrospectiva permite apreciar a diversidade de temas e técnicas do artista de Düsseldorf. Sudedem-se as séries de retratos e de nus, de cartazes e de nocturnos
Publicado a
Atualizado a

\t\tMedalhas ao peito e tanque bélico na mão, Jacques Chirac estende o braço, enquanto as bombas que caiem de um avião militar são pessoas. A composição dos cartazes (série Plakate), que também ilustram por exemplo um imaginário cáustico em torno de Helmut Kohl, mais próxima da propaganda da II Guerra ou do grafismo dos países comunistas, parece ironicamente inverosímil.


Ofuscadas pelas telas de Francis Bacon, as fotografias de Thomas Ruff em Serralves podem passar despercebidas. E, no entanto, o criador de Düsseldorf, nascido em 1958, justifica atenção pelo rigor da concepção, multiplicidade de temas, diversidade de suportes, técnicas que variam da reprodução em jornal a jactos de tinta sobre papel.


Aluno de Bernd Becher (uma das metades da célebre dupla Bernd e Hilla Becher), Ruff parece seguir a sua tradição da fotografia objectiva documental, mas considera que, perante a possibilidade de manipulação, o que produz são «documentos de incredulidade».


Afinal, como sublinha o comissário da exposição, Matthias Winzen, «o olhar fotográfico de Ruff sobre o mundo e, auto-reflexivamente, sobre a máquina fotográfica é tudo menos inofensivo».


A retrospectiva de Serralves permite apreciar a forma distinta como o fotógrafo cria cada série. Os Porträt, rostos tão bem recortados que podiam ser usados para o BI («a dificuldade do retrato é representar o sorriso»), tanto em provas cromatogénias a cores como em serigrafia sobre papel, são impressos em grande formato.


As esverdeadas fotos nocturnas urbanas de Nacht invocam as técnicas militares para obter imagens popularizadas na televisão durante a Guerra do Golfo, enquanto as poses pornográfica de Nudes inspiradas na Net surgem propositadamente «desfocadas».


Ao longo da exposição podem confrontar-se os pormenores do interior de casas da classe média (Interieur), em que se enquadram de forma luminosa detalhes de móveis ou bibelots, e a representação total de edifícios (Haus), que parecem ser habitados mas não têm gente à vista, isolados do seu envolvimento arquitectónico.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt