Uma madrugada arduamente negociada

Publicado a
Atualizado a

Há coisas que não se esquecem. A madrugada em que Carlos Lopes se sagrou campeão olímpico é uma delas. Tinha quase nove anos e recordo--me que ficar acordado após as 22.00 era conquista que requeria uma árdua negociação com os meus pais, só comparada às do Orçamento do Estado ou dos sindicatos dos professores com o Ministério da Educação. E nesse dia eu até partia fragilizado para o diálogo com a "oposição", porque dias antes tinha feito pedido idêntico. Os meus pais acederam, da primeira vez, porque sabiam que eu vibrava com os feitos dos portugueses e, além disso, Fernando Mamede era recordista mundial e a medalha de ouro estava no papo (ou assim pensávamos todos). A corrida era um ato burocrático. Quando, à quarta ou à quinta volta, pergunto em voz alta para uma sala vazia "Mas onde está o Mamede?", percebi que aquilo ia voltar-se contra mim. O Mamede tinha desistido e eu estava feito. Não me lembro como me tornei um Mário Nogueira de ocasião, mas estou convicto de que os meus pais perceberam que eu jamais perdoaria se fosse obrigado a ir dormir com o Vitinho naquela noite. Se Carlos Lopes ganhasse, então, seria o bom e o bonito. Por isso, com a minha mãe contrafeita, venci a "guerra". Já em frente à televisão, comecei por desconfiar quando ouço que Ronald Reagan já tinha agendada para o dia seguinte a receção a Alberto Salazar (um americano... nascido em Cuba) e quase perdi as esperanças quando dizem que o australiano Rob de Castella era o favorito. Pronto, só eu e Lopes acreditávamos. Ainda fechei os olhos, mas despertei com o ataque final de Lopes, com uma lágrima a querer romper enquanto aquele dorsal 723 percorria os últimos metros do Coliseu de Los Angeles.E pensar que já passaram30 anos...

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt