"Uma lição de vida"
Fiquei impressionado com a mobilização, a compaixão e as marcas de amizade que o povo português demonstrou durante a tragédia que o meu país viveu após o acidente que causou a morte do pequeno Rayan Oram a 6 de fevereiro de 2022.
Tinha-se a impressão de que a angústia, a dor e a tristeza que a família de Rayan, e com eles todo o povo marroquino viviam, foram vividos com a mesma intensidade em Portugal.
A infeliz história de Rayan e os intensos esforços para resgatá-lo causaram uma emoção considerável em Marrocos e no mundo inteiro. Ela despertou muita simpatia e compaixão, principalmente nas redes sociais de todo o mundo, transcendendo nacionalidades, religiões e culturas.
Sempre tive consciência da proximidade geográfica entre Marrocos e Portugal, tal como sempre tive consciência da riqueza das relações históricas entre os dois países que remontam a vários séculos. Cultural e historicamente, é o património arquitectónico português em Marrocos, praticamente em toda a costa atlântica, que se destaca nomeadamente na cidade de El Jadida (Mazagão) e na sua cidade portuguesa com o monumento que se tornou emblemático, a "Cisterna de Água".
Em Portugal, os vestígios da civilização marroquina ainda estão vivos no Algarve, particularmente nas cidades de Silves e Tavira. Apercebo-me todos os dias, desde o início da minha missão em Portugal, do número considerável de coisas que temos em comum a nível sociológico, linguístico e cultural. Todos esses componentes da nossa história são pouco conhecidos pelos comuns mortais, mas constituem um forte vínculo que se traduziu, aquando dos trágicos acontecimentos, por uma incrível solidariedade de coração.
É inegável que a natureza da tragédia não deixou ninguém indiferente. Tive a sensação, através da mobilização permanente dos meios de comunicação social e das reações de simpatia demonstradas e das orações expressas por um bom número de amigos e conhecidos profissionais portugueses, que o que se passava em Marrocos na região de Chefchaouen os preocupava e os afetava da mesma forma que a todos os marroquinos. Foi emocionante e suscitou uma enorme esperança de um final feliz.
Este acontecimento também me fez pensar no sentimento de solidariedade e na mobilização natural de Marrocos durante os incêndios florestais que assolaram o centro de Portugal em 2017, causando várias mortes e danos materiais significativos. Sua Majestade o Rei Mohammed VI reagiu imediatamente da mesma forma que no caso de Rayan, dando as suas instruções para mobilizar os meios e as equipas de resgate, colocando à disposição de Portugal aeronaves do tipo Canadair para se juntarem aos esforços mobilizados pelos bombeiros portugueses para a extinção destes incêndios devastadores e salvar vidas humanas.
Ainda me lembro dessas imagens apocalípticas desses incêndios e da angústia das pessoas. Essa angústia e essa dor foram sentidas fortemente no meu país.
Esse tipo de catástrofe que atinge os seres humanos provoca uma empatia natural. Os nossos países, geograficamente próximos e unidos pela história e pela cultura, muitas vezes demonstram a sua solidariedade da mesma forma. Vimos esta solidariedade e esta generosidade de coração expressas em Portugal, entre outros, quando se tratou de acolher refugiados sírios e afegãos mais recentemente e em Marrocos quando regularizou mais de 40.000 subsaarianos concedendo-lhes os mesmos direitos que o resto dos marroquinos ou quando se trata de atender às necessidades das populações afetadas por desastres naturais.
Este lamentável incidente, que foi seguido por todo o mundo, constitui uma verdadeira lição que nos relembra o importante lugar que devem ocupar os valores da humanidade, fraternidade e compaixão, valores essenciais para o progresso e coesão das nossas sociedades.
Embaixador de Marrocos