Uma insuficiência respiratória global

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Habituados ao nosso estilo de vida do século XXI, tão rápido e cheio de assuntos que considerávamos importantes, apenas dois meses atrás não conseguíamos prever o que íamos enfrentar. Para a maioria de nós a pandemia era um relato de manuais de História ou um argumento de filmes de ficção científica, mais do que que uma ameaça real. A vida confrontou-nos brutalmente com uma nova realidade, colocando-nos frente a frente com escolhas até agora desconhecidas e forçando reações às situações críticas e extremas.

A evolução da pandemia do COVID-19 na Polónia e em Portugal mostra muitas semelhanças. Quando no dia 2 de março Portugal anunciava a infeção das primeiras duas pessoas, na vizinha Espanha havia já 114 infeções confirmadas. Na Polónia, a primeira infeção foi detetada dois dias depois, a 4 de março, numa pessoa que veio da Alemanha, país que naquela altura tinha já 196 pessoas infetadas. A Polónia e a Alemanha partilham 489 km de fronteira que atualmente, infelizmente, divide os nossos países em vez de os unir. No regime de Schengen essa era uma fronteira aberta e muito viva, com dezenas de milhares de polacos, alemães e representantes de outras nacionalidades a atravessá-la todos os dias. Na Europa, a Polónia ocupa o terceiro lugar em termos de origem de trabalhadores transfronteiriços, logo após a França e a Alemanha, com 206 mil pessoas nessa categoria. Além disso, muitos dos polacos vivem do outro lado da fronteira e todos os dias deslocavam-se para a Polónia em trabalho.

Do mesmo modo como em Espanha, país maior do que Portugal em termos populacionais, também na Alemanha a evolução da pandemia foi muito dinâmica. O governo polaco agiu muito cedo, já no dia 15 de março, fechando as fronteiras para o tráfego aéreo e ferroviário, e impondo uma quarentena de duas semanas para todos os que voltassem do estrangeiro. Ao mesmo tempo foi introduzida a proibição de ajuntamentos públicos de mais de 50 pessoas (reduzida posteriormente a um máximo de 2 pessoas) e as restrições às celebrações religiosas, permitindo inicialmente celebrações até 50 pessoas, passando depois para 5. Foram introduzidas sérias limitações de circulação e limites de lotação nos transportes públicos, correios e nas lojas. Foram encerrados temporariamente cabeleireiros e salões de beleza. Desde 16 de abril está em vigor a obrigação de uso de máscara nos espaços públicos.

O governo polaco, junto com a LOT - companhia aérea polaca, realizou entre 15 de março e 5 de abril uma ação sem precedentes "Voo para casa", conseguindo trazer para a Polónia, nos voos charter, cerca de 55 mil polacos. É preciso mencionar, e com satisfação, que também cerca de 140 portugueses aproveitaram esses voos, voltando ao seu país. Esta operação foi ainda uma excelente oportunidade para estreitar a cooperação direta entre as nossas Embaixadas - a Embaixada da Polónia em Lisboa e a Embaixada de Portugal em Varsóvia. O regresso de polacos do estrangeiro, controlado do ponto de vista sanitário graças a quarentena obrigatória, possibilitou a redução de disseminação do vírus. Na segunda metade de março foi realizado um controlo a 17 mil pessoas obrigadas a ficar de quarentena, não encontrando em casa apenas 100 dessas pessoas. E dessas 100, a maioria já tinha recebido um resultado de teste negativo, tratando-se apenas de alguns casos de desobediência.

Até passado domingo, dia 3 de maio, foram detectados 13693 casos de infeção por COVID-19, o que coloca a Polónia na 33.a posição no mundo em termos de números de infeções, atrás de 17 países com menor população. Não há dúvida que nenhum país europeu consegue eliminar as infeções sozinho. No entanto, de acordo com as palavras do Ministro de Saúde polaco Łukasz Szumowski, as medidas rigorosas adiam as infeções, oferecendo-nos mais tempo para melhor conhecimento dos mecanismos de disseminação do vírus e dos métodos de tratamento das infeções e, acima de tudo, reduzindo o tempo de espera para uma vacina.

O tempo da pandemia do COVID-19, para além das vítimas mortais, do sofrimento e da desorganização da vida pública e familiar, traz-nos também graves consequências económicas. O Ministério das Finanças polaco prevê em 2020 o decréscimo do PIB de 3,4%, bem como um aumento significativo da dívida pública e do défice do setor público administrativo. Podemos apenas esperar que após o regresso às condições normais de funcionamento da economia, a sua condição logo volte ao estado prévio. Um bom indicador para a Polónia é a diversidade e o dinamismo da economia polaca, que sofreu a última recessão em 1991, superando como único país europeu até a crise de 2007-2009. Hoje em dia, um dos desafios económicos mais urgentes era a regulação da situação de trabalhadores transfronteiriços, principalmente ao longo da fronteira com a Alemanha. Do outro lado da fronteira há emprego, acima de tudo na agricultura, e para isso o pequeno tráfego fronteiriço é fundamental.

A Comissão Europeia aprovou o programa polaco sob a forma de adiantamentos reembolsáveis, cujo orçamento total é de 16,6 mil milhões de euros, para apoio às empresas polacas em risco de perdas devido à epidemia de coronavírus. O programa destina-se a micro, pequenas e médias empresas, ajudando-as a manter o fluxo financeiro e a reduzir os encargos neste tempo difícil. De acordo com as estimativas, o programa vai abranger 376 mil empresas, facilitando a minimização de perdas e mantendo-as em funcionamento após a pandemia. Vale a pena mencionar que este apoio não irá abranger, à semelhança da Dinamarca, as empresas registadas em paraísos fiscais.

A sociedade polaca, tal como a Europa inteira, está cansada com a pandemia e cada vez mais sente as consequências económicas deste vírus. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento de consciência de riscos sanitários e a disciplina social. Nestas condições, o governo decidiu levantar gradualmente as restrições no início de maio. Contudo, vão ser mantidos, pelo menos até 13 de maio, os controlos das fronteiras internas de Schengen. Vão ser abertos, gradualmente e com base nas decisões das autarquias locais, creches, infantários e hotéis, bem como bibliotecas, arquivos e museus. A partir do dia 4 de maio vão ser abertos os centros comerciais, embora sem estações de serviço, inclusive pontos gastronómicos. Nos espaços públicos continua a ser obrigatório o uso de máscara, e nas lojas mantém-se os limites de lotação. Por fim, o Primeiro-Ministro Mateusz Morawiecki anunciou, após consultas com as autoridades locais, o restabelecimento do acima mencionado pequeno tráfego fronteiriço, já a partir desta semana.

Na Polónia, a epidemia apareceu numa altura difícil do ponto de vista político: a data das eleições presidenciais já tinha sido estabelecida para o dia 10 de maio. Neste período tão difícil para a sociedade, estamos a assistir não só a evolução da pandemia, mas ao mesmo tempo uma discussão política áspera. A coligação governamental quer realizar as eleições no prazo constitucional, enquanto que a opinião da oposição é que a realização das eleições nas condições atuais traz um risco sanitário elevado e pede a declaração do Estado de Emergência e o adiamento das eleições. As decisões serão tomadas esta semana.

O mundo inteiro, não apenas a Polónia e Portugal, aguardam uma solução radical do problema da pandemia: uma vacina, eficaz e segura, e tratamentos eficazes. Muitas equipas de investigação trabalham neste objetivo, também na Polónia. Particularmente promissoras são tentativas de produção de medicamentos que combinem efeitos de bacteriófagos com nanoanticorpos. Independentemente disso, a empresa farmacêutica Polfa Tarchomin S.A. começou a produção em grande escala do produto desinfetante Trisept, eficaz na eliminação de vírus, bactérias e fúngicas ao mesmo tempo. Parte desta produção foi oferecida a Espanha.

Esperemos que os esforços comuns da toda a comunidade internacional afastem a ameaça de COVID-19 e permitam voltar ao normal funcionamento do mundo. Normal, mas todos concordamos que não será igual ao tempos antes da pandemia: todos vamos aprender da experiência dos últimos meses difíceis. Depende de nós todos se no futuro a História poderá dizer que a comunidade internacional passou neste teste de maturidade.

Embaixador da Polónia em Portugal

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