Uma ida (e volta) ao paraíso
Conhecidos os resultados das recentes eleições gerais em Espanha, e esmorecidas as euforias que elas vinham provocando, é talvez o tempo de refletir um pouco sobre algumas das propostas então apresentadas pelo Vox.
Propostas cuja reflexão apenas interessa por aquilo que elas representam como peças da construção de um cenário muito mais vasto, onde alguns gostariam de nos pôr a todos a viver. Um cenário que conhecemos bem de alguns filmes dos anos 40 de uma sociedade formada pela comunidade de amigos e familiares, feita de aldeias urbanas onde os conflitos nunca vão além da disputa no concurso das "janelas floridas", da "rainha do mercado" ou da costureirinha da sociedade recreativa, se resolvem no bailarico e com o beneplácito do presidente da junta. À escala do país, eventualmente a possibilidade de ser a "aldeia mais portuguesa de Portugal" e à custa disso ficar mais de 30 anos sem direito a esgotos nem eletricidade, coisas como todos sabemos, menos importantes do que o prestigio de ver o troféu na torre da igreja.
Pois, perante os muitos desafios da sociedade atual, as propostas para a arquitetura e o urbanismo apresentadas pelo Vox propunham-se promover a reabilitação dos estilos regionais e a proteção das fachadas tradicionais, incluindo-as como bens de interesse cultural. Na sua negação às alterações climáticas, opunham-se às iniciativas "impulsionadas pelos burocratas de Bruxelas" que, com o seu "fanatismo climático" consideram como os causadores da uniformização das nossas cidades.
A construção de uma imagem que só se pode moldar à realidade quando escondida por trás de um cenário capaz de esconder as contradições .
Algo que não é muito diferente da propaganda contra a arte degenerada tão criticada pelos mesmos nazis que logo a seguir à exposição promoveram a venda das obras, arrecadaram o dinheiro, e ainda roubaram quadros que ficaram na posse de alguns deles. Só Goring, guardou para si 14 obras, e Goebbels, o ministro da propaganda, era também um apreciador daquilo que publicamente criticava. Mesmo a Bauhaus, na época (e agora, pelo Vox), criticada como símbolo de tudo o que de mau tem sido a arquitetura moderna teve o seu edifício utilizado como instalação para as forças das SS.
Então, como agora, percebe-se bem quão importante para estes homens era o cenário.
Um cenário que, ao contrário do que possamos pensar, vai, também entre nós, germinando, persistentemente, como modelo desejável, com resultados nada, satisfatórios. Uma situação que não é preocupante enquanto opção pessoal, mas que muitos destes bem pensantes querem ver rapidamente transformado em obrigatoriedade, e com força de lei. Lei da rolha, como bem mostram as intenções que, no convencimento de uma vitória imaginada, foram entusiasticamente apresentadas como o caminho para um urbanismo que se dizia "amável para as pessoas", ainda que preferencialmente sem ter em conta a sua opinião.
E esse é o problema de muitos destes cenários, pois por tràs deles aquilo a que assistimos são os "ballet rose" do nosso descontentamento.
Arquiteto