Uma história "encravada"
Em abril, mês cruel e revolucionário por excelência (também em Itália se comemora o dia 25 como o dia da libertação do nazi-fascismo, em 1945), decorre em Génova um festival dedicado à história, La Storia in Piazza, cuja edição deste ano tem por tema as revoluções nas suas vertentes mais diversas, do regicídio à minissaia. Os cravos portugueses também estão convidados, pois o programa inclui a exposição Uma História Portuguesa, do fotógrafo Fausto Giaccone, que em 1975 esteve em Portugal e fotografou o Verão Quente em Lisboa e nas terras ocupadas nas imediações do Couço, em plena Reforma Agrária.
Naquele tempo, todos vinham fotografar Portugal. Falou-se até de "turismo revolucionário" e o próprio Giaccone chegara num charter fretado pela organização esquerdista Lotta Continua. Mas voltou ainda em 1986 e em 2005, deixando um testemunho valioso do que foi a normalização da revolução. Na viagem de junho de 2005, fui eu que o acompanhei e escrevi o texto da reportagem. Os revolucionários de ontem tinham envelhecido e gozavam de parcas reformas, ou já tinham desaparecido, deixando filhos e netos lá na terra ou nos arredores de Lisboa. Quase nenhum deles era trabalhador rural, todos faziam as suas compras na antiga cooperativa de consumo, ainda ativa desde o PREC, ou então iam ao Colombo. Eram a segunda e a terceira geração de um povo que, de acordo com velhas fórmulas de velhos debates, aspirava a uma "dignidade burguesa". Já na década de 1970 alguns observadores militantes, vindos naqueles mesmos charters, lamentavam a moderação da revolução portuguesa, embora muitos portugueses se refiram hoje ao PREC como uma fase de perigosíssimos desvarios, com os seus excessos inegáveis, mas também reivindicações basilares. O próprio Saramago, nos últimos anos, repetia que deixara de festejar o 25 de Abril porque não fazia sentido celebrar uma revolução frustrada, que acabara por fazer em Portugal o mesmo que em Espanha se fez com uma transição monárquica pacífica.
Sem entrar em complicadas análises comparativas, seria interessante reverter a questão para nos perguntarmos porque é que alguns países obtêm o mínimo com o máximo esforço. Mesmo hoje, quando se fala da geringonça, se os críticos denunciam uma situação em que Portugal estaria nas mãos dos simpatizantes de Maduro e de Kim Jong-un, nunca se perguntam por que razão são precisos os simpatizantes de Maduro e de Kim Jong-un para realizar políticas óbvias para qualquer governo social-democrata de outro país.
A propósito da forma como o jornalismo italiano olha para Portugal, a simpatia pelo governo de Costa tornou-se uma verdadeira moda e até entrou na recente campanha eleitoral. Muitos vieram fotografar o decoro popular e burguês de Lisboa, o seu turismo alegre, o investimento estrangeiro, os edifícios que renascem e a bela vida no país, que, pondo fim à austeridade, apresenta resultados macroeconómicos invejáveis. Mas sobretudo vieram tentar descobrir como era possível juntar as esquerdas, tema quente para uma Itália em que a esquerda se vai esfarinhando a cada competição eleitoral. Ninguém, no país que estava prestes a arquivar a experiência do governo de Renzi e de Gentiloni, quis ver a modéstia (ou, se quisermos, o realismo) do programa político português, que, tanto em termos de estímulo ao consumo interno como de regularização do trabalho precário (pelo menos no setor público), foi menos ousado do que em Itália. Para os italianos, a relva do vizinho é sempre mais verde e a sua revolução mais vermelha.
E talvez não só para os italianos, visto que toda a social-democracia europeia está cada vez mais entalada entre uma direita que a ataca sobre questões humanitárias e monetárias e uma esquerda insatisfeita com as modestas conquistas que dizem respeito apenas a uma dignidade de trabalhadores/consumidores funcionais para o mercado. Mais vale fechar os olhos e continuar a imaginar pátrias longínquas de combatentes felizes. Lá onde a história "encravou", cada tímido novo arranque pode parecer uma revolução.
Jornalista italiano freelancer