Uma história demasiado bonita para ser verdadeira
Memória era falsa e Misha Defonseca era, afinal, Monique De Wael
A AFP escrevia ontem que esta era "uma história demasiado bela para ser verdadeira". Durante uma década, as memórias de Misha Defonseca, que percorreu 3 mil quilómetros, a pé, durante três anos, em busca dos seus pais, foi comovente exemplo da vida real. Havia quem encontrasse no relato pormenores menos credíveis, mas a verdade só agora veio ao de cima: a memória era uma fabricação.
Misha contou a sua história imaginária em 1997, num livro "autobiográfico" que foi um êxito de vendas, não apenas no seu país de origem, a Bélgica, mas em várias traduções.
O livro narra a história de uma criança de oito anos que atravessou a Europa, em 1941, à procura dos seus pais, mortos no Holocausto. O cinema aproveitou o enredo para um filme que está a fazer carreira brilhante em França, Sobreviver Com os Lobos, da cineasta Véra Belmont.
Afinal, segundo o jornal belga Le Soir, Misha Defonseca chama-se Monique De Wael e tem 80 anos, menos quatro do que deveria ter. A senhora De Wael também já confessou que a sua história de infância foi fabricada. Segundo a certidão de nascimento, Monique tinha apenas quatro anos em 1941 e não oito, como erradamente recorda na autobiografia.
Embora a autora sempre dissesse que era judia e tenha mostrado a bússola que lhe permitiu encontrar o caminho através de 3 mil quilómetros na Europa de Leste, Le Soir provou que, durante a guerra, Monique De Wael frequentou uma escola primária de Bruxelas. Há, apesar de tudo, uma tragédia a sério: os seus pais foram mortos. Não terá sido no Holocausto, mas por terem ligações à resistência. Este é o único elemento verdadeiro. Até agora, quando era confrontada com as imprecisões da sua história ou com as contradições, Misha Defonseca dizia sentir-se "muito ferida" com a existência de dúvidas. Desta vez, confessou tudo:
"Chamo-me Monique De Wael, mas desde os quatro anos que o quero esquecer. Os meus pais foram presos quando eu tinha quatro anos. Fui recolhida pelo meu avô e, depois, pelo meu tio." Segundo explicou, "este livro, esta história, era a minha. Ela não era a verdadeira realidade, mas era a minha realidade, a minha maneira de sobreviver". Na declaração, Monique De Wael pede perdão a "todos os que se sentem traídos" e suplica aos leitores que compreendam "uma menina de quatro anos que perdeu tudo".