Uma guerra de hoje que assenta em quase cem anos de história
História. Já em 1920 Lenine descrevia o esquerdismo como "doença infantil do comunismo"
Não é de hoje nem de ontem nem da semana passada o desprezo do PCP pelo Bloco de Esquerda (e vice-versa). Assenta em décadas e décadas de rivalidades entre o marxismo-leninismo oficial (o do PCP, colado à URSS) e dissidências deste movimento original, as principais das quais inspiradas nas produções doutrinais de León Trotsky (1879-1940) e em Mao Tse-tung (1893-1976).
Já em 1020, a quatro anos de morrer, Vladimir Ilitch Lenine, líder da revolução de Outubro de 1917 que depôs o czarismo na Rússia e instaurou o socialismo, escrevia "Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo", obra essencial na sua produção doutrinal.
Em Portugal, as divisões entre PCP e esquerdistas demoraram décadas a chegar - ou, pelo menos, a tornarem-se um problema real para o partido que Álvaro Cunhal transformou na única estrutura organizada de combate a Salazar.
Na verdade, como acontece quase sempre em Portugal, a esquerda limitou-se a importar, com alguns anos de atraso, as consequências do mais devastador conflito dentro das esquerdas, o conflito sino-soviético (ou seja, entre a China e a URSS), que surgiu em plena Guerra Fria.
Um conflito de dimensão mundial que se pode, em poucas palavras, sintetizar no seguinte: enquanto a China de Mao Tse-tung defendia a expansão universal do comunismo pela via armada (com recurso ao nuclear, se necessário), Moscovo alinhava antes pela "coabitação pacífica" com as potências do "imperialismo", pretendendo que o comunismo se afirmasse nesses países através de processos de "levantamento popular".
Em Portugal, o conflito sino-soviético foi encarnado primeiramente por Francisco Martins Rodrigues (1927-2008). Tido como o "papa" da extrema-esquerda portuguesa, Francisco Martins Rodrigues militou no PCP até 1963 (tendo mesmo chegado a integrar o comité central). Nesse ano deixou o PCP por ser pró-soviético.
Defendia o combate contra o regime pela luta armada (como defendiam as teses maoístas), tendo em 1964 fundado o o Comité Marxista-Leninista Português e a FAP (Frente de Acção Popular), conjuntamente com outros dois dissidentes do PCP, João Pulido Valente e Rui D'Espiney.
Fugiram para o estrangeiro. O PCP odiou-os de tal forma que, ao voltarem, denunciou o seu regresso nas páginas do "Avante!". Foram os três presos pela PIDE em 1966, sujeitos a brutais torturas, e só libertados dois dias depois do 25 de Abril de 1974.
A acção de Francisco Martins Rodrigues foi a verdadeira grande preocupação de extrema-esquerda para o PCP. Mas ao longo da década de 60 foram-se multiplicando as organizações e a sua capacidade de influência, sobretudo na juventude universitária. Em 1970, Cunhal finalmente cedeu criando a Acção Revolucionária Aramada, extinta em 1973 depois de alguns atentados com grande espectacularidade. - J.P.H.