Uma gestora com viagens no sangue e raízes firmes em Portugal

Brunch com Mónica Pinto Coelho, diretora ibérica de marketing da CBRE.
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O sorriso de Mónica é contagiante. Vem temperado com o salero de quem mal se fazia gente e já se atirava à estrada numa aventura além-fronteiras que acabaria por fazê-la enterrar raízes bem profundas no Portugal onde nasceu, mas que deixou para correr mundo ao sabor dos desafios profissionais e das ondas geradas pela família que gerou. Se quase nada recorda da Angola onde nasceu e de onde regressou com apenas meses de vida para se instalar com os pais no Alentejo - fugidos a uma revolução que chamaram sua mas da qual foram rejeitados como tantos outros portugueses -, tem também esse calor africano nas veias que nos torna natural o tratamento por tu aos primeiros minutos de nos conhecermos, à mesa do Amélia, onde pedimos os deliciosos ovos Nicolau e Basílio, café para acompanhar, enquanto me conta a aventura da sua vida. Foi no Alentejo que cresceu, chamando casa à quinta onde a família pôde instalar-se no regresso a Portugal, fazendo os pais questão de frequentíssimas paragens em Lisboa, onde havia museus, vida cultural e civilização mais moderna para Mónica e a irmã complementarem a educação. Mas só se instalou na cidade quando chegou à faculdade e daí fugiu para o mundo.

A mãe, Dina, foi por essa altura e durante 14 anos diretora da Escola Portuguesa de Moçambique, de onde o pai de Mónica era natural, uma espécie de homenagem ao marido, engenheiro de minas em Luanda e que morreu quando Mónica e a irmã estavam na faculdade. E porque tinha o mundo no sangue, ela não demorou a querer dar o salto: mesmo Lisboa era então demasiado pequena para os desejos de conhecer mais culturas que a recém-formada em Marketing alimentava. O emprego na Sonae, que Mónica Pinto Coelho conseguiu logo após a licenciatura, havia de lhe dar as primeiras asas: "Estava lá há um par de anos quando abriu uma posição internacional e eu candidatei-me logo", conta. Espanha não era longe, mas também não era aqui. E um dos maiores centros comerciais de Espanha, nas Astúrias, era a oportunidade ideal para "uma miúda de 23 anos que achava que sabia falar espanhol".

Ri-se da sua imagem, aterrada no país vizinho e lançada ao cargo de diretora de marketing com a garra de quem quer ser a sua melhor versão. Conta-me com o mar a brilhar-lhe nos olhos desse ano e meio de aprendizagem e enfim da deslocação para Madrid, onde ficou outros nove anos, conheceu o marido, se casou e teve o primeiro filho, João, enquanto construía a pulso uma carreira. "Foi um tempo espetacular, fui superfeliz em Madrid, onde fiquei como diretora de marketing da Sonae para Espanha."

Até tornar a fazer as malas e partir para o outro lado do mundo, com um bebé de 3 anos pela mão, abdicando de tudo para seguir o marido numa oportunidade de luxo em Hong Kong. "O Marcos trabalhava numa empresa argentina que vendia reportagens pelo mundo a grandes publicações internacionais como o The New York Times e o Le Monde" e quando quis mudar de vida, depois de estar colocado em Madrid, foi a Ásia que lhe permitiu entrar no mundo corporate.

Em Hong Kong, Mónica, que não é mulher de ficar parada, havia de reinventar-se, mas também de perceber que a vida profissional lhe fazia muito mais sentido integrada numa estrutura empresarial, a liderar equipas, a olhar e identificar caminhos e ferramentas para melhorar desempenhos. "Na altura decidi experimentar ter tempo para a família e gerir uma via profissional mais ao meu ritmo." Através de um amigo, lançou-se no marketing a solo, a vender vinhos portugueses e espanhóis para o mercado asiático - uma tarefa que se revelou complexa, dadas as especificidades dos países daquela geografia e algum preconceito em relação às mulheres. Em 2012 fez um curso de vinhos para ganhar tarimba e correu os países da Ásia, do Vietname ao Cambodja, mantendo um pé em casa para acompanhar o filho e já a segunda filha, Marta, quatro anos mais nova do que o irmão, nascida um ano depois de a mãe chegar à Ásia - "ainda hoje ela diz que é chinesa", ri-se.

Nesses tempos dividia-se ainda pela gravação de anúncios e todas as atividades que conseguia agarrar para se ocupar. Mas ao fim de quatro anos e meio em Hong Kong, o quádruplo dos que o projeto inicial perspetivara, Mónica atingia o ponto de saturação. "E sobretudo tinha saudades de trabalhar em corporate business", admite. "Queria voltar à minha carreira." Divorciada e com agora duas crianças, podia ter escolhido voltar a Madrid, mas sentiu o chamamento de Portugal, a vontade de voltar a enterrar as raízes na sua terra e de a fazer também casa dos filhos.

Estávamos a sair do programa de assistência e encontrar emprego em Portugal era como procurar agulhas em palheiros, mas Mónica não é mulher de desistir. "Nessa altura fiz um master em procurar trabalho", ri-se, contando que todos lhe chamaram louca. Mas 14 anos fora do país era a sua conta. Instalou-se na casa da mãe, então radicada em Maputo, e a CBRE surgiu por mero acaso. A empresa tinha acabado de ganhar o mandato de três centros comerciais e precisava de ter alguém em marketing, algo que um ex-colega dela adivinhou antes de a própria companhia o realizar e de imediato recomendou Mónica Pinto Coelho para o cargo. Com a experiência adquirida na Sonae e o que aprendera na Ásia, o fit foi perfeito. De tal forma que em 2017 fariam dela diretora ibérica, cedendo a que ficasse sediada em Lisboa.

"Nos primeiros tempos, eu dizia que apanhava a carreira da easyJet para Madrid. Era de tal forma que uma vez até viajei sem Cartão do Cidadão - tinha-me esquecido e deixaram-me embarcar porque já me conheciam." Foram tempos difíceis, em que teve de voltar a provar a sua capacidade, com mais esforço ainda por ser mulher e por ser portuguesa e estar a liderar os dois países. A pandemia trouxe-lhe qualidade de vida ao dispensar as constantes viagens e hoje consegue cumprir a rotina de três manhãs de ioga por semana, trabalhar afincadamente e acompanhar mais os filhos nas suas semanas, concentrando as deslocações necessárias para os dias em que as crianças estão com o pai.

As pessoas que lidera estão sobretudo em Espanha, gerindo ativos em centros comerciais e escritórios do universo CBRE, o que passa por uma visão ampla das estratégias seguidas no grupo, das metas ESG ao bem-estar dos colaboradores da empresa. É a Mónica que cabe gerir as equipas de marketing dos diferentes projetos, estabelecer as metas, desenhar novos objetivos e responder a necessidades de quase 60 pessoas nos dois países. Com a vantagem de ter a estrutura corporativa em que se sente em casa e lhe permite olhar para um projeto, pensar a marca e implementar a mudança naquelas comunidades, através dessas pessoas, melhorando a vida daqueles cuja vida influencia.

Está feliz, mas não conformada. "Vejo-me a fazer muita coisa diferente, sobretudo na área de leadership", conta-me, confidenciando planos para um podcast a que quer dar vida, sobre liderança no feminino, aplicando as suas dores de crescimento às realidades que vai conhecendo. É um projeto em andamento ainda dentro da CBRE, ao lado da estratégia de marketing que continua a realizá-la.

E onde a levará o futuro? Não se vê a viver noutro sítio senão, eventualmente, Madrid, mas "só quando os miúdos estiverem na faculdade". Volta atrás: "E daí, nessa altura eu já quero estar reformada. Não para estar sem fazer nada mas para da vida a outros projetos, mais pessoais, que me permitam agir diretamente na vida das pessoas, de pequenas comunidades, melhorar a vida nos bairros, por exemplo. Não sei ainda qual é a melhor forma, mas há tantas pequeninas coisas que se pode fazer e que fazem a diferença... Tenho dez anos para pensar nisso, até aos 55, quando quero mudar de vida", diz-me. Talvez o faça no Alentejo, junto de comunidades que precisam mais, diz talvez mais para si própria do que para mim, ainda sem ideias concretas da forma mas com grande certeza sobre a vontade de dar alguma coisa à sociedade, nem que seja em nichos, da forma que puder influenciar para melhor a vida de alguém.

Por agora, está feliz a fazer o que desde pequena sonhava. "Lembro-me de brincar aos escritórios desde miúda", ri-se, "em casa do meu avô, obrigava a minha irmã a sentar-se numa secretária e eu ficava noutra, passava bilhetes com "tarefas" para fazer e passávamos horas naquilo - para desespero da minha irmã Joana, engenheira do ambiente, vim a saber."De uma coisa não tem dúvidas, as viagens da sua vida ainda não estão feitas. "Tenho levado os miúdos pela Europa, mas tenho o sonho de os levar à Ásia, agora que estão mais crescidos. Ainda tenho muitas viagens por fazer, muitas culturas por conhecer."

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