Uma família portuguaise, com certeza...

Estreou-se esta semana em França <i>A Gaiola Dourada</i> , uma comédia sobre emigrantes portugueses. Não é um gozo, é uma homenagem. O jovem Ruben Alves, filho de emigrantes, realiza o filme com Rita Blanco e Joaquim de Almeida, que chega em agosto às salas nacionais. E até Pauleta deu uma perninha.
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Os «gais», os «portugais», invadiram os cinemas franceses por estes dias, numa comédia pensada para fazer muitos espetadores. A aposta da todo-poderosa produtora Pathé explora os estereótipos dos emigrantes portugueses que supostamente fazem rir os franceses - mas vão fazer rir também os portugueses. Até porque não há más intenções na comédia de Ruben Alves. O realizador inspirou-se na sua própria história para escrever o argumento de A Gaiola Dourada : filho de mãe porteira e de pai mestre de obras, emigrantes em França, tal como as personagens principais interpretadas por Rita Blanco e Joaquim de Almeida.

Os próprios atores reveem-se de certa forma na história: ele é emigrante nos EUA, ela já tinha sido emigrante no cinema em Ganhar a Vida , de João Canijo, um olhar dramático sobre a mesma realidade dos portugueses em França.

«O filme é dedicado aos meus pais», diz Ruben Alves, estreante nas longas-metragens e que registou com humor a vida dura dos progenitores, chegados a França na grande leva de emigração das décadas de 1960/1970. São 33 anos de observação in loco de uma comunidade que se distingue de todas as outras em França. Os portugueses são hoje cada vez mais respeitados pela sua simpatia e seriedade laboral. «Consegui convencer a Pathé a financiar este projeto pela autenticidade da história», diz o realizador luso-francês. «Para mim era muito importante salientar a honra de todos os emigrantes portugueses em França.» E talvez seja por isso que no Festival de Beauvais, no início de abril, A Gaiola Dourada tenha tido uma receção verdadeiramente emotiva, com aplausos de mais de cinco minutos e muita gente comovida.

Há um inesperado lado afetivo nesta comédia de comportamentos que se transforma numa calorosa comédia de costumes ao longo de hora e meia de filme. Ruben Alves não foge dos estereótipos da descrição da típica família portuguesa, em que apenas conseguem comer comida portuguesa, beber minis, celebrar a cultura do calão ou ver futebol - com o Benfica e Pauleta no topo das preferências. Tudo isto é encaixado numa história de equívocos leve e com o tema do regresso a Portugal como fundo. Fala-se também dos filhos, que se tornam mais franceses do que portugueses e de como os franceses olham para eles, neste caso com simpatia mas também com a hilariante ignorância de nos trocarem pelos clichés espanhóis.

Pelo meio há também uma reviravolta: são os portugueses que brincam e gozam com o estereótipo da snobice gaulesa. Por tudo isto, A Gaiola Dourada tem um ritmo narrativo tão fino como equilibrado. Não abusa da caricatura e tem realmente uma sincera função de celebração de um certo espírito português. Dentro da indústria, acredita-se, este pode vir a ser um pequeno fenómeno de bilheteira. Em Portugal, a distribuidora Zon apostará forte na promoção, em agosto, e tentará que os emigrantes do mês forte passem a palavra. «Com este filme vou tentar inverter a imagem não muito elogiosa dos emigrantes portugueses em França», diz o cineasta. «Acredito que, quando os portugueses virem este filme, ficarão com uma outra opinião dos emigrantes. E quem achar que esta descrição tem muitos clichés , está enganado. As coisas são realmente como as mostro. Eu pus com ternura e verdade o que vi do convívio com os meus avós, os meus pais, a comunidade onde cresci», garante o cineasta.

Outro efeito positivo que o filme poderá provocar é uma vontade imensa aos franceses de fazerem turismo no Douro. É para essa região, e para uma quinta nos socalcos sobranceiros ao grande rio, que os Ribeiro pretendem voltar, num regresso às origens. «Tenho uma amiga francesa, muito "queque", que mal viu o filme na antestreia de Paris ficou louca de vontade de vir a Portugal passear no Douro», diz Joaquim de Almeida, que interpreta José Ribeiro, a verdadeira força motriz narrativa do filme. O ator deixou crescer uma barriguinha para ficar mais próximo do chefe de família que sonha um dia voltar à quinta que herdou. E não foi difícil - durante as quatro semanas de filmagens não fez outra coisa que não comer e ver cinema para tentar escapar a uma depressão que o tempo permanentemente chuvoso de Paris estava a querer provocar-lhe.

A «gaiola dourada» do título refere-se ao dilema de muitos emigrantes portugueses de uma certa geração: preferem viver com saudades do seu país em França do que cumprir o sonho de voltar e viver num Portugal em crise e longe dos filhos. «Acima de tudo, é um retrato de família, em que cada um tem os seus clichés , e que vai dizer muito à comunidade portuguesa de França», diz o ator. «É engraçado eles fazerem piadas deles mesmos. Numa das antestreias estavam cerca de trezentas porteiras que se riram imenso de si próprias. Em certo sentido, será uma comédia que poderá ajudar a reativar laços, quer dos franceses com a comunidade portuguesa quer dos portugueses com os emigrantes. Mais importante, os filhos dos emigrantes, que se calhar já nem falam a língua, vão querer estar mais próximos da nossa cultura e provavelmente até querer visitar Portugal.»

Quando perguntamos a Joaquim de Almeida se há algum exagero na descrição do povo emigrante, o ator garante que não. «Eu sou emigrante e o Ruben teve imenso cuidado. Os emigrantes que já viram o filme sentem que finalmente se fez um trabalho sobre eles, neste caso um olhar de alguém da terceira geração.» Olívia Vaz, jornalista da Rádio Alfa, em Paris, vocacionada para a comunidade emigrante portuguesa, confirma o bom acolhimento. « Os portugueses com quem falei gostaram da história, apesar de todos os clichés . Identificam-se com essa realidade, sobretudo os da primeira e segunda gerações. Dizem ser uma honra ter um filme que lhes é dedicado... Para mim, este filme mostra de facto uma realidade que também me é familiar. Ao ver o filme revivi episódios do dia a dia dos meus pais. É um filme comovente, sensível e bastante bem-humorado.»

Não é indiferente para Ruben Alves o facto de a maioroa dos portugueses que vê o filme não consiga conter uma lágrima. «No momento do fado há muita gente a chorar, mas o que é curioso é que outras comunidades de emigrantes têm dito que se identificam muito com esta história. O melhor presente que me estão a dar é a palavra obrigado.» A boa vontade com A Gaiola Dourada estendeu-se a Pauleta, o antigo jogador do Paris Saint-Germain, que tem um pequeníssimo papel que encerra o filme de forma simbólica. E ao músico Rodrigo Leão, que assina a banda sonora.

Outros emigrantes

Emigrantes portugueses no cinema de expressão comercial... Coisa rara, com certeza. Há o exemplo flagrante da empregada doméstica de O Amor Acontece , a comédia romântica de Richard Curtis, em que víamos uma Lúcia Moniz fazer a faxina da casa de um Colin Firth como escritor inglês vulnerável. Entre os dois havia um romance improvável. Era o charme lusitano a quebrar a fleuma britânica e, no fim, havia festim pitoresco com a família da moça. Verde tinto e pastéis de bacalhau, pois então. Mero enfeite num filme que estereotipava a imagem dos portugueses.

Muito pior ficámos em Acusados , de Jonathan Kaplan, o filme que deu o primeiro Óscar a Jodie Foster. História verídica sobre uma violação numa comunidade de emigrantes lusos em Massachusetts. A câmara de Kaplan não explicita a origem dos violadores, mas a violência daquela descrição de comunidade mete medo ao susto.

A situação é diferente na descrição «patusca» dos nossos emigrantes em Agarrado a Ti , dos irmãos Farrelly, que mostra de forma divertida a comunidade portuguesa na chique cidade costeira de Martha"s Vineyard, nos EUA. Mas o filme que melhor exprime o sentimento de uma comunidade de emigrantes portugueses é Ganhar a Vida, de João Canijo, uma história sobre uma tragédia e o silêncio orgulhoso.

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