Uma família inglesa da Madeira

Duzentos anos depois de John Blandy se ter estabelecido no Funchal como comerciante de vinho, a história da família Blandy é uma história de sucesso. Apesar dos recentes episódios de uma guerra que a opõe à figura que simboliza o poder na Madeira: Alberto João Jardim.
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Não há geração na Madeira que não saiba quem são «os Blandy». Para os mais novos, serão, com certeza, os donos do Diário de Notícias da Madeira, «o Diário» como é conhecido. A esta imagem acrescentam-se outras: «os senhores da Madeira Wine», os grandes comerciantes do vinho, do transportes para turistas e agentes e proprietários de agências de navegação e de viagens, de cadeia de hotéis dentro e fora da ilha. Para outros, os Blandy serão ainda os donos do Reid"s, o mítico hotel entretanto vendido à Orient Express, onde Churchill (a exemplo de muitas outras figuras das artes e da política mundial) passou férias em 1950, a convite desta família inglesa.Nas memórias de muitos ilhéus perdura uma frase: «eu trabalhei para a Casa Blandy». Nesta lista há ainda o cheiro quente e doce saído da «fábrica de bolachas e moagens», junto ao Liceu Jaime Moniz, no Funchal, os restos do velho cais do carvão perto do Lido, a azáfama sincronizada de tantas mulheres trabalhadoras na empresa «electrónica». Entram, também, nas lembranças de muitos os piqueniques do dia 1 de Maio, quando a Quinta do Palheiro, propriedade dos Blandy, se abria ao povo. Na imaginação dos homens do mar perdura, ainda, o arsenal onde se reparavam e varavam os barcos junto ao campo do Almirante Reis, área actualmente ocupada por uma das unidade hoteleiras do grupo Porto Bay (Blandy, em parceria com dois empresários madeirenses, António Trindade e David Caldeira). É certo que, passados dois séculos, a marca Blandy continua a ser vista do mar, encimada na fachada do edifício sede do grupo, com entradas pela Rua da Alfândega e pela Avenida Zarco, tendo por vizinho o histórico Palácio de São Lourenço e o cais por companhia. Esta é uma das famílias inglesas indiscutivelmente mais ligada à história e à economia madeirenses dos últimos dois séculos, onde o segredo do sucesso, com oscilações pelo meio, «foi manter-se unida apesar das vicissitudes do percurso, controlando, sobretudo, o património, evitando a sua diluição e aprendendo com os erros do passado» como disse à NS" Michael Blandy, actual presidente do grupo. Certo é que o Grupo Blandy, constituído em 1811, continua a diversificar os negócios e a internacionalizar-se em busca de novos mercados. Os genes empreendores de John Blandy, o pai-fundador, homem com uma visão avançada para o seu tempo, passaram de geração em geração. Nesta dinastia de dois séculos, de viajantes e comerciantes atentos às oportunidades de negócio, nunca foi quebrada a ligação à Inglaterra quer por via familiar quer empresarial, reforçada ainda pela formação académica dos descendentes nas universidades das terras de Sua Majestade, uma tradição da família que se mantém. OrigensO livro Os Blandys da Madeira 1811-2011, de Marcus Binney, lançado este ano, comemorativo do bicentário do grupo, leva-nos nessa viagem iniciada a partir da aldeia inglesa de Dorset, no seio de uma família de agricultores, na altura em dificuldades - razão por que John Blandy, de 24 anos, o filho mais velho, se fez ao mar em 1807 rumo à Madeira em busca de fortuna. Neste ponto surge alguma controvérsia. A Madeira esteve por duas vezes sob o domínio das tropas inglesas, de Julho de 1801 a Janeiro de 1802 e de Dezembro de 1807 a Outubro de 1814, uma «precaução» contra as invasões francesas na Guerra Peninsular, que ameaçavam tomar o poder em Portugal perdendo-se, dessa forma, as ilhas. E perder a Madeira para os franceses era a pior das desgraças que poderiam acontecer aos britânicos que dependiam muito destes portos atlânticos para o abastecimento dos seus barcos, sobretudo a Madeira, «um posto avançado da Europa a trezentas milhas ao largo da costa de África» e que, devido à sua localização geográfica, não estava sujeita às restrições impostas pelo Parlamento inglês nos negócios com os colonos americanos. A Madeira encontrava-se no meio das grandes rotas de navegação - Inglaterra e o cabo da Boa Esperança - e daí para a Índia e o Extremo Oriente e na rota para os Estados recém-independentes da América do Sul. É com este mapa que John Blandy vai tentar a sua sorte a partir de uma ilha pobre, sem recursos, totalmente esquecida pelo poder central. A John juntar-se-iam os seus irmãos Thomas, Robert e George. O trio familiar expandiu o seu olhar visionário, trabalhou muito bem os mercados e consolidou-se. Sempre bem informados das oscilações políticas internacionais, os Blandys analisam consequências e antecipam decisões, algumas de risco.Durante décadas e décadas escreveu-se que o jovem John aportara à Madeira integrado nas forças da segunda ocupação britânica, como intendente do general William Carr Beresford, comandante da guarnição (o futuro homem-forte de Portugal até à revolução liberal de 1820). Esta versão foi alterada em 2006. Emmanuel Berk, estudioso do vinho da Madeira, encontrou uma carta de apresentação trazida de Londres por John Blandy, com recomendação do banqueiro Richard Fuller dirigida aos comerciantes de vinho Newton, Gordon e Murdoch, estabelecidos na Madeira, referindo que John Blandy se encontrava de visita à ilha «devido a problemas de saúde» e que desejava «obter emprego num serviço de contabilidade». A família Blandy considera que o mistério «foi finalmente desvendado».Até à sua morte, em 1855, John Blandy estabeleceu uma empresa comercial que negociou em grande parte do mundo - da Rússia à Holanda, das Antilhas às Américas. Mas o sucesso deveu-se à capacidade de adaptação das gerações sucessivas, levando a firma Blandy Brothers para os negócios do vinho da Madeira, fornecimento de carvão, víveres e água aos navios de passageiros e comércio em geral. Adquiriram terrenos tanto nas zonas rurais como na frente de mar do Funchal, elevaram quintas como a do Revoredo, com vista sobre o mar de Santa Cruz. Cinco anos antes da sua morte, em 1850, John Blandy e o seu filho Charles Ridpath Blandy abriram a primeira agência de viagens.Com o desaparecimento do fundador, Charles tornou-se a cabeça da empresa criada por seu pai, a John Blandy & Sons, embora os escritórios de Londres e o negócio do vinho da Madeira estivessem em nome de C.R. Blandy. Marcus Binney, autor do livro do bicentenário, lembra que Charles negociou com os dois lados durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), iniciando-se, em simultâneo, na actividade bancária. Mas há aqui um pormenor interessante que revela uma grande astúcia e risco - e que acaba por ter consequências. Durante as pragas que arrasaram os vinhedos da ilha, Charles Blandy comprara grande parte dos stocks de vinho aos negociantes ingleses que, devido à situação de pânico criada, abandonaram a ilha. Esta decisão foi criticada por dois dos seus filhos - John Graham e John Burden -, que achavam que o pai iria levá-los à ruína uma vez que estava a contrair empréstimos a juros elevados, razão por que criaram a sua própria firma, Blandy Brothers & Co., «com a finalidade de assumir o negócio do pai». Abre-se uma crise familiar com várias querelas, abandono de cargos, partidas para países terceiros, etc.Vinho da MadeiraA verdade é que hoje reconhece-se o papel importante de Charles Blandy na defesa do vinho da Madeira. Enquanto os vinhedos eram destruídos pela filoxera e pelo oídio, ele construiu importantes colecções de vintage Blandy Madeiras, uma delas equivalente a três mil garrafas, com valor superior 200 000 libras. Quando faleceu, no Great Western Hotel, em Paddington (Londres), em 1879, estava sozinho e deserdara os dois filhos. Contudo, coube ao seu filho John Burden encontrar consensos e travar uma situação financeiramente complicada por forma a não colocar em causa a memória do pai, um homem de negócios que exigia respeito.Em 1879, John conseguiu obter o monopólio do abastecimento de carvão aos barcos, na Madeira. Comprou também a Quinta Grant, onde estavam os armazéns de carvão, e, desta forma, devolveu à empresa da família uma «prosperidade duradora». O volume de negócios das empresas britânicas aumentou, mantendo a sua posição em Las Palmas. O serviço do carvão foi apenas «o começo de uma frota de navios de pequeno porte», barcaças, lanchas e vapores de cabotagem que serviam de transporte de passageiros e mercadorias à volta de uma ilha ainda sem estradas.Em finais de 1880, interessou-se pelo negócio da moagem de farinha e adquiriu fábricas e grandes propriedades como a Quinta do Palheiro, comprada ao «extravagante» segundo conde de Carvalhal. Quando o seu filho John Ernest, nascido na África do Sul, tomou conta dos negócios, em Dezembro de 1912, a família tinha já conseguido reunir «tal fortuna e tal quantidade de propriedades» na Madeira que, se tal tivesse acontecido em Inglaterra, teria garantido «um baronato ou outro título de par do reino». O casamento de John Ernest realizou-se em Baltimore, nos Estados Unidos, e foi notícia no New York Times.A Primeira Guerra Mundial trouxe aos exportadores de vinhos da Madeira muitas dificuldades, não só pelos resultados do conflito mas também devido aos mercados que disputavam. Mas para os Blandy o grande desafio era encontrar navios que fizessem entrega de carga no Reino Unido, Suécia e Dinamarca. Contudo, houve negócios mal conseguidos, como, a título de curiosidade, o fornecimento de vinte mil pares de botas ao exército francês, botas encomendadas aos EUA mas consideradas «inaceitáveis» - revelando, no entanto, um genuino perfil empresarial ao ampliar o leque dos negócios.Bancos e um jornalEm 1927 muda-se uma geração quando Graham Blandy, depois de uma estada longa em Londres, se junta aos negócios do pai, que acaba por falecer três anos depois. A actividade bancária, iniciada em 1923, floresce sobretudo com o crash dos pequenos bancos, caso do Henrique Figueira da Silva, em 1930, seguido pelo Banco Madeira, Banco Sardinha e o Castro Reid. Sobrevivem o Banco Nacional Ultramarino e a casa bancária da Blandy, que será adquirida em 1966 pelo então BESCL (Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa).Mas Graham Blandy viveu ainda períodos conturbados da História da Madeira: a revolta da farinha de Fevereiro de 1931, uma contestação popular ao decreto de Salazar que aumentou os preços (foi nessa altura que os Blandy compraram a fábrica de moagem), seguida pela Revolta da Madeira, de 4 de Abril a 2 de Maio desse ano, um levantamento contra a ditadura comandado pelo general Sousa Dias. Foi precisamente no ano da turbulência sociopolítica vivida na Madeira em 1931 que o grupo Blandy comprou o Diário de Notícias do Funchal, fundado em 1876 por Alfredo César de Oliveira.John R. Blandy e Per Graham Blandy foram dois nomes incontornáveis neste projecto. A direcção do jornal foi, então, assumida pelo advogado Alberto de Araújo, depois membro da União Nacional (o partido único do regime de Salazar) e presidente da sua Comissão Distrital, além de deputado à Assembleia Nacional, onde foi vogal da Comissão de Finanças e várias vezes relator da Comissão de Negócios Estrangeiros.Em plena revolta, o serviço de cabotagem foi paralisado. A resposta do governo de Oliveira Salazar foi o bloqueio total da ilha, o que atingiu o fornecimento de energia. Entretanto, os Blandy viram-se confrotados com um «novo perigo» em Las Palmas, fruto da revolução espanhola de Abril de 1931 que levou ao derrube da monarquia e à proclamação da Segunda República.Graham Blandy conseguiu tirar partido da situação, escreve o autor da biografia da família, através da empresa de engenharia Grand Canary & Blandy"s Engineering Co.Ltd, que acabou por ser vendida em finais de 1944, tal como o banco que possuíam nas Canárias.O Reid'sA entrada na hotelaria deu-se também numa altura de crise generalizada. O Hotel Reid"s, construído por William Reid e inaugurado em 1891, entrou em dificuldades de tesouraria e recorreu a um financiamento do Blandy" Bank. Como resultado da operação, os Blandy assumiram o controlo do Hotel Reid"s em 1937 - o seu mais famoso bem patrimonial, vendido nos anos 90 do século XX à Orient Express Hotels, uma operadora de hotéis de luxo de origem inglesa. Na história deste ex-líbris da hotelaria madeirense ficará para sempre o registo do esforço de Graham Blandy para concretizar a reabertura do Reid"s terminada a II Guerra Mundial. A Graham juntou-se então o irmão John Reeder que trabalhava no escritório da Blandy Brothers, na City de Londres, e que veio para a ilha em 1950, ficando responsável pelo Reid"s e pela Madeira Wine Company, participando inclusive na venda do Banco Blandy na Madeira à família Espírito Santo. Em todas as histórias familiares há tragédias. Foi o caso do falecimento de Edward, um dos filhos de John, aos 39 anos, em 1989. Edward demonstrava alguma fragilidade física desde o nascimento, o que não o impediu de andar a fazer escavações arqueológicas pelo Iraque. No regresso à Madeira ainda conseguiu trabalhar com a Blandy durante quase cinco anos, continuando hoje a ser lembrado como o responsável pelas alterações no Diário de Notícias da Madeira em termos de impressão do matutino, na passagem do cilindro rotativo para offset.Mas, além de Edward, há outros incontornáveis desta família. Adam Blandy, hoje director não executivo do Grupo, tornou-se presidente do conselho de administração depois do 25 de Abril de 1974 e reformou-se em 1985. Neste período, os Blandy, como estrangeiros, não foram abrangidos pelas nacionalizações, mas temiam que tal acontecesse. A RevoluçãoContudo, o Diário de Notícias da Madeira acabou por ser atingido uma vez que tinha, na altura da revolução, um director (Alberto de Araújo) defensor do regime deposto. No livro que comemora o centenário, Adam Blandy conta que «alguns meses depois da Revolução» recebeu «uma delegação de aspirantes a políticos que me pediram para mudar o director do Diário pois se não o fizesse havia riscos de consequências graves».Alberto Araújo demitiu-se. Para o seu lugar, Adam nomeou Paquete de Oliveira, um padre progressista. Mais tarde, Paquete de Oliveira renunciou ao sacerdócio e tornou-se um sociólogo reconhecido. Adam Blandy recorda ainda que, naquele período, o futuro presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, foi à sede do DN madeirense. Um dos temas da conversa entre Adam Blandy e os jornalistas foi o dos salários. Os jornalistas, «apoiados pelo dr. Jardim (...) votaram por unanimidade um aumento substancial dos seus salários. Calculei que o Diário iria começar a dar prejuízo, mas como era minoria, mantive o silêncio», diz Adam no decorrer do livro. Contudo, foi o receio de processos de expropriação que acabaram por decidir o seu futuro, levando-o a tomar conta da Quinta do Palheiro, devido à ameaça de fazerem dessa quinta «um campo de lançamento de mísseis». Adam Blandy e a mulher Christina mudaram-se para o Palheiro para «garantir a posse de propriedade» e transformaram-na num projecto turístico de sucesso. Adam continua hoje a viver esse projecto e integra a administração como director não executivo.O cargo de presidente do Grupo foi então ocupado pelo seu sobrinho Richard Blandy, que tomou posse em Janeiro de 1986. O falecimento de Richard, em 2002, foi uma grande perda para o grupo, sobretudo para o projecto jornalístico. Richard tinha um carinho muito especial pelo Diário, talvez porque tivesse uma apetência pela escrita, pela reportagem - ele que descreveu enquanto jovem o desastre que viveu, juntamente com os seus dois irmãos, Michael (actual presidente do grupo) e Edward (já falecido), a bordo do navio grego Lakonia, que em Dezembro de 1963 se incendiou a 150 milhas da Madeira. Richard falava fluentemente português, tinha um humor especial e sentia-se fascinado pela política. A sua filha Katrina conta na obra agora editada que, numa ocasião em que o Diário estava debaixo de fogo da pena do presidente do Governo, alvo de «notas oficiosas» contra o grupo Blandy, Richard, numa festa de carnaval em casa de um familiar de Jardim, apareceu mascarado. Colou ao fato pedaços de papel e, quando lhe perguntaram o que era aquilo, respondeu: «Eu sou uma nota oficiosa.» Numa coisa todos concordam: Richard Blandy era um diplomata nos negócios, sobretudo nas situações mais difíceis. Morreu aos 55 anos.Foi com Richard que a Blandy iniciou várias parcerias que vieram a provar ser um sucesso duradouro do grupo no campo da hotelaria, caso do Grupo Porto Bay. Nos vinhos, associou-se à família Symington, produtores de vinhos do Douro. Por esta altura, já Richard trabalhava em estreita colaboração com o seu irmão Michael, actual presidente do Grupo Blandy. Estava passado o testemunho.Em guerra com o poder O Diário de Notícias da Madeira (DN-Madeira), propriedade do Grupo Blandy é, nos últimos anos, o alvo predilecto de ataque do presidente do Governo Regional da Madeira. Alberto João Jardim decidiu em Junho, numa reunião da comissão política do PSD da Madeira, «proibir» qualquer militante social-democrata de escrever textos de opinião nas páginas daquele jornal. A decisão surge depois de a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ter arquivado três queixas de Jardim contra a alegada «falta de pluralismo» do matutino centenário. O comportamento do líder madeirense foi contestado pela direcção do DN-Madeira, que o acusa de tentar provocar uma situação inaceitável em democracia e garante que vai manter a linha editorial.A 17 de Junho, aquando das primeiras comemorações do bicentenário do grupo, nenhum membro do executivo regional aceitou o convite. Este clima de conflito surgiu, sobretudo, a partir de 2008, quando o Jornal da Madeira passou a ser oferecido de graça, apesar de manter no cabeçalho o custo simbólico de 10 cêntimos, que não são cobrados. Acontece que o Jornal da Madeira não é privado. O seu maior accionista é a Região Autónoma da Madeira, que detém 99,97 por cento do capital social. O restante pertence à Diocese do Funchal. Em 2008, quando o JM passou a ser oferecido (e não gratuito, esse é outro modelo de negócio), o Grupo Blandy iniciou um processo quer a nível nacional - nos tribunais e na Assembleia da República - quer internacional, incluindo o Conselho Europeu, contestando e denunciando os apoios financeiros do governo ao Jornal da Madeira, com verbas do erário público, acusando-o de distorcer as leis de mercado. Só desde 1993 somam-se já 48 milhões de euros de transferências, o que significa 6 mil euros por dia para um jornal que é oferecido aos cidadãos.Em 2004, na festa do PSD/M no Chão da Lagoa, Jardim ameaçou «expropriar» o Diário de Notícias da Madeira. A festa anual do partido repete-se no próximo dia 31 de Julho, sendo de prever que o discurso de Jardim contra o DN-Madeira suba de tom até porque a Madeira vai a votos em Outubro, em eleições legislativas regionais. «Fomos educados para trabalhar» Michael BlandyPresidente do Grupo BlandyMichael Blandy nasceu no Funchal, em 1952. Casado com Valerie Sigsworth, tem dois filhos, Caroline e John. Está à frente do grupo desde 2001.A que se deve a longevidade e o sucesso do grupo Blandy?Uma empresa com duzentos anos não pode estar parada. Aprendemos com alguns dos erros do passado mas posicionámo-nos bem para decidir o futuro, com competência e transparência nos negócios. Temos já as novas gerações a trabalhar, caso do meu primo Chris Blandy, um jovem bem preparado e trabalhador. Toda a família foi e é muito trabalhadora. Segredo genético?Fomos educados para termos orgulho da empresa familiar, mas quem nela trabalha, na Madeira ou fora dela, é para trabalhar mesmo e não para usar cinquenta por cento do dia em almoços. Isto aconteceu comigo e com os outros membros do Conselho de Administração (CA). Os poderes dos membros não familiares do CA não são inferiores aos da família. Não há privilégios. Os salários são iguais. As expectativas, exigências e demonstração de capacidades são iguais para todos. Temos uma cultura empresarial que dá oportunidades às pessoas de subirem na estrutura. Quando nomeámos José Bettencourt da Câmara, um madeirense, para ser membro do CA do grupo, ou José Carlos Silva, uma das estrelas do grupo Porto Bay, sentimos uma enorme satisfação. Estando ligado ao negócio da comunicação social, como vê o futuro dos jornais?O modelo de negócio vai mudar. Estão a ser desenvolvidas novas formas de impressão, cada vez se lê mais os jornais online. Um dos problemas da net é que as pessoas estão acostumadas a ter tudo grátis e isso é impossível. Têm de existir formas de pagamentos diferenciadas consoantes o acesso aos diferentes conteúdos. Por outro lado, os jornalistas não podem manter-se à margem do que se passa. O jornalista hoje deve ter um blogue, deve escrever notícias online, e as formas de escrita online são diferentes das da escrita para o papel. Tem de haver uma adaptação do jornalista às novas técnicas e as empresas têm por obrigação dar-lhes formação nessa área, ajudando-os a utilizar as novas ferramentas. E as redes sociais podem ser novas áreas de negócio?Tudo o que seja média - Facebook, Twitter, etc. - irá dar oportunidades para desenvolver clusters de negócios. As plataformas têm de ser ferramentas bem aproveitadas. Há muito nicho de mercado a desenvolver. E o jornal de papel, vai acabar?Não completamente. Provavelmente diminuirá o seu peso e importância mas quem o comprar vai exigir mais qualidade na escrita e nos conteúdos. Por isso, defendo que deveria, já, apostar-se na formação de jornalistas, em termos de qualidade da escrita. A família Blandy é, frequentemente, alvo do poder político, nomeadamente por parte do presidente do Governo Regional da Madeira. O nome Blandy é, de vez quando, sacrificado, é verdade. Mas isso deve-se ao facto de sermos proprietários do DN da Madeira. Os políticos já se aperceberam da importância dos media. É um comportamento que considero normal. Anormal é o que se passa com o Jornal da Madeira (JM), detido maioritariamente pela região autónoma da Madeira. No início de 2008, o governo poderia ter optado pelo modelo de negócio de jornal gratuito mas não o fez. Preferiu oferecer à população o JM, um jornal generalista, com vários objectivos. Um dos quais atingir o DN da Madeira.Como empresário sentiu-se ameaçado?É obrigação do gestor responder quando sente a sua empresa ameaçada. Foi o que nós fizemos. O próprio dr. Alberto João Jardim foi o primeiro a dizer para recorrermos aos tribunais porque, dizia ele, «até me fazem um favor». Então, vamos. E vamos apurar os factos. Provavelmente, o dr. Jardim pensou que os tribunais portugueses poderiam trancar o processo durante anos, e talvez tenha razão. Por isso o levámos ao Conselho Europeu de onde o despacho vai sair, com certeza, mais rapidamente.Na Madeira, há ou não espaço para dois jornais diários?Há, sim. Mas nunca nas actuais condições. Um dos problemas do JM é que na sua gestão diária ninguém sente a pressão se, por exemplo, consegue ou não pagar salários, segurança social etc. Por isso mesmo não tem a preocupação de reduzir custos ou subir as vendas. Afinal, existe alguém que está disposto a pagar tudo isso a fundo perdido! A empresa JM ganhou ineficiência. No ano passado, os sócios injectaram algum dinheiro no DN-Madeira, o que eu considero um bom investimento. Neste momento, pode não estar a dar lucros mas sobrevive no mercado, ancorado pelos outros produtos do grupo, portanto, vive numa situação equilibrada.Antevê mais problemas? Não sei. Se o governo regional quer criar mais problemas, acho que deve dar o próximo passo: pagar a cada cidadão madeirense para, diariamente, ir levantar o Jornal da Madeira que já é oferecido. Nesse caso, teríamos de encontrar uma solução. Se há dinheiro para o governo fazer para isso, possivelmente há... não sei... mas é uma proposta que poderá fazer à troika, porque não? Eu encaro isto tudo com sentido de humor e tenho a sorte de, no final do dia de trabalho, fechar a porta do gabinete, entrar no carro, voltar para casa e desligar completamente. No dia seguinte, é um novo dia. Levanto-me às seis e meia da manhã. Entre as sete e as oito e meia já estou de novo no trabalho. T: L.B.O segredo das parceriasO grupo Blandy e a família Symington anunciaram recentemente um acordo que permite a retoma do controlo da Madeira Wine Company pela família Blandy. Os Symington não saem da sociedade mas vão, a partir de agora, ficar com uma posição minoritária no negócio do vinho da Madeira, assegurando ainda os canais de distribuição através das suas companhias associadas.Esta continua a ser uma boa parceria? Em 1989, o meu irmão Richard apercebeu-se que o grande problema do negócio do vinho da Madeira estava nos mercados e não na área produtiva. Daí fazermos uma associação com o Grupo Symington, do Porto, apesar de termos sido criticados por isso. Mas é bom lembrar que aquilo que a Madeira vende num ano, uma das casas do grupo Symignton vende num mês e, portanto, a concorrência é relativa. Por outro lado, o nosso enólogo, Francisco Albuquerque, considerado já um dos melhores do mundo, aproveitou muito bem esta parceria, em termos de formação e de contactos com novas técnicas. Portanto, esta foi e é uma excelente parceria.O grupo Porto Bay encontra-se neste momento numa fase de expansão. Qual é o segredo? O grande sucesso do Porto Bay deve-se, sobretudo, aos elementos que fizeram nascer o grupo, António Trindade, David Caldeira e eu próprio. Funcionamos muito bem. É importante termos discussões e assumirmos compromissos. Temos reuniões muito vivas e discutidas. Uma parte não pode sair sempre vencida, nem a outra ganhadora. É preciso um equilíbrio. Isso não impede que não tenhamos discussões, umas mais difíceis e complicadas, outras mais fáceis. As coisas são ditas sem meias-palavras. Nós três complementamo-nos muito bem. Cronologia (a correr pelas páginas, com fotos em bolas)1807 - John Blandy, John of Madeira, 24 anos, visita a ilha pela primeira vez. 1810 - Regressa a Inglaterra e casa com Jennet Burden na Igreja de St Andrew"s, em Holborn (deste casamento nascem seis filhos).1811 - Regressa à Madeira e inicia actividade como exportador de vinho.1835 - O filho mais velho de John, Charles Ridpath Blandy, casa-se em Londres com Mary-Anne Symonds, nascida na Madeira e membro de uma das famílias inglesas residentes na ilha. Têm onze descendentes.1850 - Negócio de abastecimento do carvão. Abertura da primeira agência de viagens na Madeira.1855 - Morte de John Blandy. Charles, aos 33 anos, sucede ao pai nos negócios da família.1862 - Constituída a Agência de Navegação da Madeira. 1879 - Morte de Charles Ridpath Blandy. Testamento revela que deserdou dois dos seus filhos, John Burden e Graham John. A irmã Mary Anne, casada com o dr. Michael Grabham, herda muitos dos melhores vinhos do pai. Abre-se uma crise familiar que levará alguns anos a ser resolvida. 1886 - John Burden Blandy, casado em segundas núpcias com Alice Berrington, após ter enviuvado de Margarette Faber, falecida em 1877 de febre tifóide, abre uma filial da Blandy nas ilhas Canárias e adquire uma das maiores propriedades da Madeira, a Quinta do Palheiro.1912 - John Ernest, filho do primeiro casamento de John Burden, nascido na África do Sul, sucede ao seu pai, numa altura de grande sucesso económico da família quer na Madeira quer em Inglaterra. Conheceu a sua mulher, Elinor Reeder, filha do capitão William H. Reeder, a bordo de um veleiro, o navio escola St. Mary"s, na viagem de Nova Iorque para a Madeira. Casam-se em Baltimore (EUA), em 1901. Desta união nascem oito filhos. 1930 - Mantendo-se a tradição, é o filho mais velho, Graham Blandy, que aos 25 anos assume o cargo de presidente do grupo por morte do pai. É umas das décadas de maior expansão, apesar da crise mundial e das revoltas populares e políticas na Madeira. Casado com Mildred Edmonds, Graham tem três filhos. 1931 - Blandy compra o Diário de Notícias da Madeira. 1950 - Visita de Churchill à Madeira a convite da família Blandy, instalando-se no Reid"s Hotel. John Reeder, o terceiro filho de Graham, começa a trabalhar nos negócios da família na Madeira depois de ter deixado o exército no final da guerra como major. John Reeder casou-se três vezes mas Sylvie Monier Vinard foi a grande paixão que durou toda a vida. Casados em Paris, foram viver para Inglaterra. Os dois primeiros filhos, Richard e Edward ainda nascem em Londres, Michael nasce na Madeira em 1952. 1974 - Adam Blandy, filho de Graham, vê o seu destino mudado com o 25 de Abril. Em vez de ir tomar conta dos negócios nas Canárias, assume a presidência do Grupo sofrendo, assim, um baptismo de fogo. Nos anos 80 opta pelo projecto da Quinta do Palheiro, deixando a gestão do grupo aos primos Richard e Edward, filhos do seu tio John Reeder.1977 - Michael, o irmão mais novo de Richard e Edward, começa a gerir os negócios da família nas Canárias. Um ano depois conhece Valerie Sigsworth, professora de educação física na British Yeoward Scholl, em Tenerife. Casam-se em 1985. 1986 - Richard Blandy sucede ao tio Adam e abre o grupo a várias parcerias, nomeadamente nos vinhos e na hotelaria. 1989 - Edward Blandy morre de doença prolongada aos 39 anos.1990 - Richard e Michael Blandy, entretanto regressado das Canárias, dividem cargos. Michael recebe uma pasta vastíssima mantendo as ligações aos negócios das ilhas espanholas, nomeadamente o comércio automóvel, o Hotel Reid"s, as agências de viagem, a construção do Hotel Cliff Bay com os sócios madeirenses, a Madeira Wine Company e a gestão imobiliára. Tudo o resto, incluindo o Diário de Noticias da Madeira e respectiva orientação editorial mantém-se nas mãos de Richard Blandy.2002- Morte de Richard Blandy. Michael Blandy assume a presidência do Grupo.

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