Uma estrela portuguesa no Japão
Se há quatro anos lhe dissessem que ia ser um herói japonês, dos que dão rosto a peluches e fazem apaixonar as miúdas, Miguel Guerreiro pensaria tratar-se de uma piada. Tinha acabado de se estrear na música graças a um primo que o inscrevera na primeira edição do programa Uma Canção para Ti, em 2008, na TVI. O facto de ter ganho já fora um sonho. Mas quando julgou que ia voltar a dividir o tempo entre o oitavo ano e as aulas de piano e canto no Conservatório de Setúbal... eis que foi escolhido para fazer o anúncio a um ambientador japonês. E de repente, aos 13 anos, tornou-se uma estrela no País do Sol Nascente.
Miguel foi escolhido entre trezentos participantes para fazer o anúncio do spray Shoshu-Riki. Estava agenciado na empresa Geração Radical, venceu os quatro castings exigidos e foi o escolhido do público para dar o salto lá fora. No ano passado, no Miradouro de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, gravou o comercial do ambientador. Assim que passou pela primeira vez nas televisões nipónicas e no YouTube, Miguel tornou-se um fenómeno num universo de 138 milhões de pessoas. Rigoroso, exaustivo, mas muito compensador.
«Da última vez que estive em Tóquio, pus um chapéu e óculos escuros para não ser reconhecido na rua, mas mal os tirei no restaurante passei mais de três horas a posar para fotografias e a dar autógrafos», diz a jovem estrela. «As pessoas recebem-me muito bem no Japão. Adoro lá estar, é um mundo muito diferente daquilo a que estava habituado.» O pai confirma a loucura: «Uma vez dispensei o motorista que nos disponibilizaram, metemo-nos os dois à aventura no metro e houve multidões a correr atrás de nós. Nunca imaginei que íamos ver-nos naquela embrulhada.»
No instante em que os japoneses o viram pela primeira vez em pelo menos oito dos seus canais televisivos, amoroso, sorridente e fresco, de farta cabeleira clara e olhos luminosos, foi como se um punho de amor os atingisse no estômago depois da devastação moral que se seguiu ao tsunami de 11 de março de 2011. Afinal, havia esperança. Aquele menino português que cantava em japonês trazia alegria na voz.
Num sopro, Miguel tornou-se o cantor revelação do ano no Japão. Já viajou cinco vezes ao outro lado do mundo (em período de férias escolares para não comprometer os estudos), assinou um contrato discográfico com a Universal Japão e gravou dois álbuns cantados inteiramente em japonês. Arrebatou o Globo de Ouro de melhor comercial em 2011 e está nomeado para o deste ano também. Entretanto, já fez outros anúncios além do do Shoshu-Riki. «Eles mandam a tradução para cá e eu aprendo de ouvido cada música em dois ou três dias, pela fonética. Apesar de tudo, acho o japonês mais fácil do que o inglês.»
Miguel Guerreiro era um bebé quando começou a cantar e a dançar no Rancho Folclórico das Praias do Sado, primeiro ao colo dos pais, mais tarde pelo próprio pé. Em dezembro de 2008 ganhou o concurso televisivo Uma Canção para Ti, o que lhe permitiu gravar um CD com os sete finalistas no ano seguinte e lançar-se em atuações pelo país. Ainda em 2009 editou outro álbum, Eu Quero Aquela Estrela, e um segundo em nome próprio em 2010, Eu Nasci para Cantar. Seguiu-se a internacionalização, que o pai Luís, a mãe Fátima e a irmã Nicole acompanham de perto, de tal modo fazem parte da bagagem pessoal de Miguel.
«Aconteça o que acontecer no futuro, esta experiência ninguém me tira. Um dia vou contá-la aos meus netos e rir disto tudo», aponta o jovem, a gravar em força de cada vez que vai ao Japão, para assegurar as emissões comerciais nos meses que está em Portugal. «Em setembro tenho um concerto marcado em Osaka, num estádio com capacidade para cinquenta mil espetadores dentro e outros tantos no exterior, em frente de um ecrã gigante.» Já jantou com o duo de rap e electro hop LMFAO, na mesma noite em que conheceu o músico francês David Guetta. Deu voz à banda sonora de um filme japonês sobre o panda mais pequeno do mundo e soma até à data mais de cinco dezenas de atuações no país, algumas das quais em benefício das vítimas do tsunami de 2011. Miguel dividiu ainda os palcos com os mediáticos M-Flo, a dupla de hip hop de Taku Takahashi e Verbal, e com o cantor Takanori Nishikawa, estrela asiática que participou no seu segundo CD em japonês, Chikara ni Kaete, juntamente com a cantora pop Hitomi Shimatani.
«O realizador Steven Spielberg já autorizou que a música do seu E.T. - O Extraterrestre seja cantada pelo Miguel», acrescenta o pai, lembrando que o filme de 1982 nunca teve voz por vontade expressa do autor. «Steven ainda quer ouvir a versão cantada em japonês mas, se tudo correr bem, será lançada pela primeira vez no iTunes a nível internacional, com chancela da Universal Music.» Miguel aguarda o desfecho com expetativa: «Em termos de currículo é muito importante.» Isso, e aprender mais da língua em que canta como se fosse a sua. «Sei que nasci para cantar, quero fazer isto para sempre.» Em português ou japonês.
Outro tipo de ação frente às câmaras
Quer tenha três pessoas a vê-lo ou largos milhões, vergonha é coisa que não assiste a Miguel Guerreiro quando se trata de subir a um palco. Era franzino como um pássaro quando aos 10 anos saiu vencedor de Uma Canção para Ti, baseado no original italiano Ti Lascio Una Canzone. As pessoas miravam-lhe a estrutura pequena, os ossos finos, os olhos grandes, e não imaginavam o alcance que teria aquela voz, capaz de lhe abrir tantas portas. Tão-pouco esperavam que o menino mostrasse o mesmo desprendimento frente às câmaras quando se estreou na representação, ao participar, como Simão Peixoto, na série Morangos com Açúcar VI - Férias de Verão.
«Estou a gostar muito e está a correr tudo bem», dizia em agosto de 2009, quando foi convidado especial na novela a partir do segundo episódio da série que se iniciou a 22 de junho, integrado no elenco principal ao lado de Nicolau Breyner. O desafio era diferente do de cantar, os colegas diferentes dos que até então tivera nos espetáculos, era diferente o frenesim das gravações. Mas para o jovem foi uma espécie de outra face da mesma moeda enquanto artista. Até porque, como ator, teve margem para ir fazendo o gosto à voz, como quando cantou O Meu Verão Não Acabou com Ivo Lucas à viola.