Uma equipa sustentada por doutores e engenheiros
Compram as bolas, lavam os equipamentos, deslocam-se para os jogos nos próprios automóveis e, como se não bastasse, financiam a totalidade das despesas do clube? Em suma, os jogadores do Racing Clube de Portugal são amadores ao mais puro estilo. Ainda assim, o conjunto portuense é visto pelas suas congéneres do campeonato amador como equipa de bem, de "meninos ricos"? A fama decorre de aqui jogarem engenheiros, jornalistas, professores, estudantes, arquitectos, economistas e bancários. Em todo o caso, não é a profissão o fundamental, mas a postura, como explica Carlos Oliveira, engenheiro de 39 anos, treinador da equipa: "Não permitimos que qualquer tipo de pessoa entre cá. A maior parte dos atletas são licenciados, mas isso não é o mais importante. Há também aqui pessoas que têm um grau de educação mais básico, mas têm humildade e capacidade de integração."
O Racing nasceu na freguesia de Paranhos, nos idos anos 60, e desde então tem como presidente o seu fundador, José Luís Catarino, actual vereador do Partido Socialista na Câmara do Porto. O clube chegou a designar-se Estrela Vermelha, mas as conotações com o histórico emblema de Belgrado não vingaram. Quedou-se o nome actual, apesar de ninguém se lembrar do porquê da escolha, e um símbolo decalcado da águia imperial, o brasão de armas da República Federal Alemã. Era uma agremiação de estudantes, que, desde a fundação, se manteve como pólo aglutinador de amizades, onde a diversão e o convívio sobrepõe qualquer triunfo.
Hoje, a equipa principal milita no segundo escalão do futebol amador da Associação de Futebol do Porto, treina apenas uma vez por semana, porque o dinheiro a mais não permite, no relvado sintético do Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da Câmara do Porto.
O facto de ser um clube de amigos faz desta uma agremiação especial. Os adeptos, que rareiam, são compensados com a boa disposição e disponibilidade dos jogadores. "Jogamos em algumas localidades em que a equipa da terra tem mais de mil adeptos a assistir ao jogo, mas nós temos sempre os mesmos?", frisa Pedro Gomes, 31 anos, engenheiro electrotécnico, salientando que os jogadores sabem de cor o nome dos elementos da sua falange de apoio. Contam-nos pelos dedos. Não é força de expressão dizer que esta equipa tem meia-dúzia de indefectíveis. Eles são bem identificáveis em todos os jogos do clube: um director, dois amigos e três namoradas de jogadores. No entanto, caso a partida seja em casa, há um incremento substancial no apoio, quando aparece o Senhor Garcia, um antigo director?
Todavia, estes jogadores são também a prova que só uma grande dedicação ao futebol permite sacrificar a vida familiar e profissional com um sorriso. Em particular quando surgem lesões. É o caso de Pedro Gomes, que está parado graças a uma contusão nos ligamentos no tornozelo. Para ele, há razões importantes que o fazem correr o risco de se magoar: "Estou aqui pelo grupo. Se não tivermos isto há pessoas que deixo de ver. Além disso, há o bichinho pelo futebol. Se fosse para um ginásio, que não gosto, pagava 50 ou 60 euros por mês?"
Pedro Gomes trata da papelada com a AF Porto, enquanto Hugo Martins, bancário, 32 anos, é o responsável pela polícia e Bruno Teixeira acumula as funções de capitão com as de tesoureiro. Para este arquitecto de 29 anos, que cumpre a décima época no clube, o essencial é estar com os amigos: "O princípio deste clube é o de um amigo trazer outro. Foi assim que eu vim cá parar..." Mais do que uma ideia, este é um lema, de um clube de amadores, que fazem jus ao nome pelo amor e dedicação que demosntram em campo.|