Esta semana recebi uma encomenda enviada da Austrália em abril. Eu própria a tinha mandado para mim quando lá estive em reportagem. E tudo o que nesta história é anacrónico - ou está em vias de ser - moveu-me. Pôs-me a pensar. Era um simples pacote, uma encomenda constituída por livros e revistas que pesavam de mais para continuar a ser carregados numa viagem longa e foram deixados numa estação de correios perto do meu hotel em Sydney. E levaram cinco-meses-cinco a chegar à minha casa em Lisboa. .Mal recebi o aviso dos correios de que a encomenda tinha chegado, eu, que já a achava perdida, comecei a imaginar coisas. O pacote no contentor dos correios, na barriga de um cargueiro transatlântico partindo do enorme porto de Sydney e percorrendo três oceanos e vários mares até chegar à Europa. Esta viagem, por ser tão lenta, tem de ter passado por tantos mundos e tão diferentes. Oceânia, África Austral, mais a norte... A entrada na Europa terá sido feita pelo Suez? Será que o navio aportou em Barcelona e o meu pacotinho veio de camião TIR até Lisboa? Com quantos emigrantes ilegais se terá cruzado? Quantas vidas diferentes e contáveis o tiveram nas mãos até chegar às minhas?.O meu pacote não era uma encomenda expresso. Foi uma expedição normal, do mais barato que havia disponível nos correios australianos. E, como devem ter sido os correios que inventaram a expressão que associa o tempo ao dinheiro, a minha encomenda levou o ditado à letra. Por isso não veio a correr, esfalfada, stressada, voando sobre as águas deste mundo para o meu encontro. Tomou o seu tempo. E isso tornou-a tão romântica. Como é isto possível, ainda? Cinco meses de espera? Duas estações de diferença? Enviei aquela encomenda no outono, em Sydney, e ela chegou a Lisboa já quase no fim do verão..Verificar a data de envio, escrita pelo senhor dos correios de Sydney, atirou-me para uma reflexão sobre a vida. A nova vida que nos deu este mundo do instantâneo. Ficarmos todos aflitos quando alguém não responde ao nosso e-mail na hora seguinte. Ou à mensagem do Facebook no segundo seguinte a ter aparecido no ecrã do destinatário. De encomendarmos uns sapatos em Los Angeles, pela internet, e eles nos aparecerem na caixa do correio 48 rápidas horas depois. De já não recebermos cartas com selos, e o nosso coração saltar quando reconhecemos a letra escrita no envelope. Do peso e sentimento que quem as escrevia colocava nessas cartas, e da ansiedade mitigada por dias de espera até o destinatário dar sinal de as ter recebido. Da mesma ansiedade aguardando pela hora marcada do telefonema, agendado porque feito da cabina telefónica da estância balnear. .A minha encomenda fez-me ter saudades desse tempo mais lento. Isso e o facto de ter trazido livros e revistas. Revistas bonitas, de papel. Das que os analistas dos media dizem que vão acabar, mais cedo ou mais tarde. Revistas que ainda agora, quase seis meses depois, vou ler sem receio de que se tenham tornado anacrónicas, porque a qualidade das histórias que contam as tornaram, entretanto, intemporais..[08-09-2013]