Num estudo elaborado em 1993, que, no entanto, nesta conjuntura parece actual, diz-se que a cólera é endémica em Moçambique, vivendo o país em "condições similares às do mundo ocidental, no período das grandes epidemias". Não há, ainda, a noção clara de que a "doença das mãos sujas" tem a sua fonte "nos seres humanos e nos seus dejectos", essa descoberta antiga do médico John Snow, que, de acordo com o fascinante livro O Mapa Fantasma, de Steven Johnson, cedo afastou a "teoria dos miasmas" para se fixar na "pista da água" e assim fazer recuar a doença na Londres vitoriana de 1854. Há em Moçambique cenários iguais aqueles em que no século XIX o escritor John Snow se moveu: esgotos a céu aberto, montanhas de lixo em toda a parte, águas contaminadas, defecação ao ar livre, ausência de latrinas, falta de regras de higiene. A cólera fica com caminho livre e chega sempre com os fenómenos que historicamente lhe estão associados - o desconhecimento, a superstição e a desconfiança.