Uma década de revolução na organização dos cuidados de saúde
Cerca de metade das intervenções cirúrgicas são atualmente realizadas em ambulatório, com impacto direto na redução da utilização de camas e nas despesas hospitalares, mas também, e acima de tudo, ao nível das infeções. Esta foi, na opinião de António Correia de Campos, que esteve por duas vezes à frente do Ministério da Saúde (em 2001-2002 e em 2005-2008) uma "grande e silenciosa revolução, com muito sucesso". Outra é a hospitalização domiciliária que, defende, é preciso continuar a desenvolver. Neste caso, o paciente, após um episódio agudo e pós-agudo, já não tem de ficar hospitalizado, evitando uma estada que, em muitos casos, é contraproducente, ineficiente e dispendiosa.
O ex-ministro, desafiado pelo DN a fazer um balanço da última década na saúde em Portugal a propósito da 10.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde promovida pela AbbVie , destaca ainda o desenvolvimento dos cuidados continuados, que igualmente retirou dos hospitais muitos doentes.
"É preciso continuar esta reforma e encontrar meios de articular com o setor social, porque o setor social é quem tem vindo a suportar grande parte da carga dos cuidados continuados", defende Correia de Campos, que aponta a urgência em rever as tabelas de preços da prestação de serviços - a mesma há mais de uma década - para que estas entidades possam continuar a desempenhar este papel de suporte. "O Estado deve fazer unidades de cuidados continuados que sejam demonstrativas, mas não precisa de fazer todos os cuidados, nem pode e nem sabe fazer. É preciso aproveitar essas vocações para serem complementares."
Outras reformas, já iniciadas, que na opinião de Correia de Campos precisam de ser terminadas com a maior urgência são, por exemplo, a criação de Unidades de Saúde Familiar (USF). Estas pequenas unidades operativas dos Centros de Saúde, com autonomia funcional e técnica, têm como objetivo garantir a prestação de um conjunto de cuidados básicos aos cidadãos, num modelo de proximidade, e com uma maior eficiência de custos.
Atualmente, diz o ex-ministro, existirão cerca de 330 (faltam outras tantas para cobrir todo o território nacional), que prestam serviço a mais de três milhões de portugueses. Nestes locais, entre as vantagens está o facto de se conhecer o utente, evitando a duplicação de receitas, meios de diagnóstico, etc. "É uma poupança e uma gestão muito mais inteligente, e isso pode fazer-se nos hospitais também".
Outro exemplo é a construção de alguns hospitais, previstos, mas ainda não concretizados. Correia de Campos recorda a importância do Hospital de Todos-os-Santos, na parte oriental de Lisboa, assim como os de Évora, Algarve ou Oeste que considera urgentes e prioritários. Em paralelo, acrescenta, "é preciso criar os meios complementares de diagnóstico dos centros de saúde, e aproveitar a articulação com os municípios".
Durante o período covid, os municípios revelaram um enorme potencial, através de toda a articulação com o Ministério da Saúde. "Todos os municípios ajudaram, de uma forma ou de outra, pagaram meios de proteção individual, organizaram e transformaram pavilhões em pontos de vacinação, em locais de internamento, pagaram unidades à entrada dos hospitais para funcionarem como primeira barreira às pessoas com covid, etc...", salienta. Para o futuro, António Correia de Campos acredita que esta articulação pode ser aproveitada, garantindo um apoio de proximidade aos utentes.
Mas, para acelerar as reformas em marcha, e para iniciar outras tão necessárias no Serviço Nacional de Saúde, é fundamental planear. "Temos de planear melhor, retomar as técnicas de planeamento", argumenta António Correia de Campos. "Tivemos gabinetes de planeamento em todos os ministérios, hoje não temos nem sequer um departamento central de planeamento", conclui.
Cidadão no centro
Colocar o cidadão à frente da doença e do tratamento, reforçar os direitos dos utentes, promover programas de prevenção, prestar contas e resultados, e ter transparência absoluta. Os ingredientes de uma receita que António Correia de Campos acredita serem essenciais para um SNS mais forte, produtivo e eficiente.
Processo digital único
Essencial para evitar doentes a circular entre o setor público e o privado com duplicação de meios de diagnóstico, de terapêuticas, tratamentos, etc. O Ministério da Saúde terá cerca de 400 milhões de euros para o digital e, diz o ex-ministro, deve aproveitar para concretizar este projeto.
Recursos humanos
Reequilibrar a formação, sobretudo nas especialidades, planear os recursos humanos a 20 anos, e criar incentivos, como os que já existem nas unidades de saúde familiares, também nos hospitais.
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