Em depoimentos prestados ao DN/Dinheiro Vivo, os quatro banqueiros portugueses dão a sua visão sobre a falência que abalou os alicerces da economia mundial..António Horta Osório (CEO do Lloyds):."Temos agora melhores gestores, e mais prudentes, na banca".A queda da Lehman Brothers foi um momento negro para os EUA, com consequências à escala global e um enorme impacto na credibilidade do sistema financeiro internacional. Os graves problemas que ficaram à vista com o colapso do quarto maior banco de investimento norte-americano afetaram a confiança das pessoas nos bancos de todo o mundo. Em Portugal, bem como em muitos outros países europeus, não foram especificamente os bancos os responsáveis pela crise económica que se viveu, mas a sociedade em geral acabou por lhes atribuir responsabilidades. E os casos que entretanto vieram a público acabaram por contribuir ainda mais para essa descredibilização..As situações de crise muitas vezes servem de lição e no caso da Lehman o governo norte-americano não deixou mais nenhum banco falir, o que se revelou uma decisão acertada. Em relação à minha experiência pessoal na altura, estando a viver no Reino Unido, o governo britânico optou por tentar resgatar os bancos com problemas, e nós contribuímos para tal, de forma importante, ao comprar o Bradford and Bingley duas semanas depois da falência do Lehman Brothers, em negociação direta com o governo britânico e o Banco de Inglaterra/FSA. Isto numa altura em que ninguém queria comprar nada. Já dois meses antes tínhamos comprado o banco Alliance & Leicester, e ambas as compras possibilitaram ao Santander dobrar de tamanho e atingir uma quota de 10% no mercado de retalho do Reino Unido..Como lições adicionais importantes, no Reino Unido, além de requisitos de capital muito mais fortes, passou a haver uma separação entre bancos de investimento e bancos de retalho, para assegurar que os depósitos dos particulares não são postos em risco por atividades mais arriscadas, típicas da banca de investimento, o que já implementamos com sucesso no Lloyds. Em Portugal, como noutros países europeus, a crise acabou por revelar falhas na gestão de empresas e também de vários bancos, que após resolvidas tiveram como consequência termos agora melhores gestores, e também mais prudentes no caso da banca, e uma supervisão mais rigorosa..Assim, dez anos depois, considero que o sistema financeiro internacional e também em Portugal está muito mais forte em capital, liquidez e cultura/capacidade de gestão, o que é fundamental para termos economias saudáveis. Como já disse várias vezes, a economia precisa de bancos fortes e capitalizados que tomem decisões responsáveis, contribuindo dessa forma para o crescimento económico e para a melhoria do nível de vida das populações..António Vieira Monteiro (CEO do Santander Totta): ."Se banca resolver problemas, estarão criadas condições para resistir a crises".A queda do Lehman Brothers não deixou ninguém surpreendido. O aumento sistemático do preço do dinheiro emprestado ao Lehman Brothers e a grande desconfiança que os mercados vinham demonstrando eram elementos que nos permitiam dizer que era uma situação forte que estava a ocorrer e que caminhávamos para uma crise, que acabou por escrever a história deste período de uma forma extremamente negativa..Já a banca portuguesa foi pouco influenciada pela crise do subprime. O impacto interno vem sobretudo da crise da dívida pública portuguesa e em muitos casos por uma certa frivolidade na concessão de crédito..O Santander, desde início, teve sempre uma política conservadora transparente na área de riscos e de concessão de crédito, o que lhe permitiu não ter de fazer grandes alterações na sua forma de atuar, embora se tenha mantido mais atento, dado que a degradação que se estava a verificar poderia abranger mais clientes..Na minha visão, sente-se atualmente uma grande melhoria na supervisão bancária, que passou a ser feita pelo BCE, e na criação do Fundo de Resolução Europeu, faltando só a criação do Fundo de Garantia de Depósitos geral..No sistema financeiro português, e embora acreditemos que o pior já tenha passado, persistem ainda dificuldades próprias. Apesar da clara redução do défice e da trajetória descendente da dívida, só um maior crescimento da economia permitirá ter uma banca mais saudável e sustentável..Por outro lado, persistem em várias instituições problemas por resolver a nível dos NPE e das carências de capital, tornadas evidentes com um quadro regulatório muito exigente e consumidor de recursos dos bancos..Ao mesmo tempo, num cenário de juros negativos, os bancos vivem com margens magras e estão sujeitas à pressão de novos operadores à escala global que não estão sujeitos a um quadro de regulação idêntico. Haverá ainda que ter em conta o desempenho do Novo Banco para se perceber os impactos que essa situação poderá ter no conjunto do setor..Se a banca resolver os seus problemas num curto espaço de tempo, estarão criadas as condições para resistir a crises, quer do ponto de vista de solvabilidade quer de liquidez. Os problemas do malparado devem ser resolvidos em prazo curto..Paulo Macedo (CEO da CGD): ."Haverá sempre uma próxima crise. O que importa discutir é como estaremos mais bem preparados para a enfrentar".Eu estava em Nova Iorque para contactos com investidores na sequência do aumento de capital do BCP e nesse dia todas as reuniões marcadas foram canceladas. Foram dias conturbados, tensos, complexos, que afetaram todas as economias, ainda que de modo diferente na forma e no tempo, sem que de imediato fosse percetível todas as suas consequências negativas..O sistema bancário português tem vindo a implementar um processo de desalavancagem nos últimos anos. A banca nacional tem hoje uma menor dependência do crédito do exterior. Houve um decréscimo consistente do rácio de transformação entre depósitos e créditos. Os números da APB evidenciam que em 2008 este rácio era de 160% e hoje é de 92,5%. A banca hoje está muito mais capitalizada..Em termos da qualidade dos ativos, que era um dos principais desafios do sistema bancário português, registou-se uma redução significativa dos rácios de NPL, apesar de ainda estarem elevados. O objetivo é que daqui a dois ou três anos possamos atingir a média europeia..A rendibilidade do sistema bancário aumentou consideravelmente ao longo dos últimos trimestres, na sequência de uma acentuada redução dos custos operacionais e da melhoria da economia portuguesa. Isto reflete-se num banco como a Caixa, que financia as empresas e as famílias portuguesas. A banca está a ajustar a sua estrutura e modelo de negócio bancário, de modo a que os serviços bancários sejam realizados de acordo com a conveniência dos clientes..Em termos de solvabilidade, tem-se assistido a uma melhoria dos rácios de fundos próprios e a análise de risco melhorou, havendo hoje uma menor vulnerabilidade da valorização dos colaterais que servem de garantia aos empréstimos. Há uma menor dependência do imobiliário e na construção. Também se melhorou na qualidade da governança dos bancos, bem como no grau de exigência na seleção de gestores. A supervisão, que hoje é europeia, também é mais presente a todos os níveis..Ao nível global, o peso das dívidas soberanas ainda é elevado, especialmente em Portugal. Haverá sempre uma próxima crise, especialmente em economias pequenas e abertas. Mas o que importa discutir é como estaremos mais bem preparados para a enfrentar..António Ramalho (CEO do Novo Banco):."Principais riscos financeiros estão hoje controlados".Faz hoje dez anos que um dos mais antigos e tradicionais bancos de investimento americanos declarou-se falido perante o mundo. Foi desnecessário e insuficiente. Nem essa falência serviu para moralizar o sistema, nem foi suficiente para evitar com exemplaridade o contágio. Pelo contrário, a crise de confiança consolidou-se, a exportação da crise americana do subprime concretizou-se e o mercado monetário morreu quase instantaneamente. A banca global de que todos falavam ficou definitivamente comprometida, os egoísmos regionais financeiros iniciaram uma longa caminhada que iria terminar numa crise económica global..A falência do Lehman é a vitória do "moralmente correto" sobre a frieza da avaliação das consequências. Dez anos não são suficientes para uma avaliação imparcial..A falência do Lehman ganhou assim um lugar na história, acelerando uma crise de endividamento que se adivinhava e pondo a nu os riscos da globalização..E se os principais riscos financeiros, graças a muita regulação e ainda mais capital, estão hoje controlados, o mesmo não podemos dizer sobre as consequências para a globalização, a contas com os mais estranhos protecionismos e com os novos egoísmos nacionais..A crise de 2008 foi muito mais do que financeira. A falência do Lehman pode ter sido muito mais que a queda de um banco tradicional.