Uma década após o colapso da Lehman: a visão de quatro banqueiros

António Horta Osório, António Vieira Monteiro, Paulo Macedo e António Ramalho fazem o diagnóstico do que mudou desde que o gigante financeiro faliu
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Em depoimentos prestados ao DN/Dinheiro Vivo, os quatro banqueiros portugueses dão a sua visão sobre a falência que abalou os alicerces da economia mundial.

António Horta Osório (CEO do Lloyds):

"Temos agora melhores gestores, e mais prudentes, na banca"

A queda da Lehman Brothers foi um momento negro para os EUA, com consequências à escala global e um enorme impacto na credibilidade do sistema financeiro internacional. Os graves problemas que ficaram à vista com o colapso do quarto maior banco de investimento norte-americano afetaram a confiança das pessoas nos bancos de todo o mundo. Em Portugal, bem como em muitos outros países europeus, não foram especificamente os bancos os responsáveis pela crise económica que se viveu, mas a sociedade em geral acabou por lhes atribuir responsabilidades. E os casos que entretanto vieram a público acabaram por contribuir ainda mais para essa descredibilização.

As situações de crise muitas vezes servem de lição e no caso da Lehman o governo norte-americano não deixou mais nenhum banco falir, o que se revelou uma decisão acertada. Em relação à minha experiência pessoal na altura, estando a viver no Reino Unido, o governo britânico optou por tentar resgatar os bancos com problemas, e nós contribuímos para tal, de forma importante, ao comprar o Bradford and Bingley duas semanas depois da falência do Lehman Brothers, em negociação direta com o governo britânico e o Banco de Inglaterra/FSA. Isto numa altura em que ninguém queria comprar nada. Já dois meses antes tínhamos comprado o banco Alliance & Leicester, e ambas as compras possibilitaram ao Santander dobrar de tamanho e atingir uma quota de 10% no mercado de retalho do Reino Unido.

Como lições adicionais importantes, no Reino Unido, além de requisitos de capital muito mais fortes, passou a haver uma separação entre bancos de investimento e bancos de retalho, para assegurar que os depósitos dos particulares não são postos em risco por atividades mais arriscadas, típicas da banca de investimento, o que já implementamos com sucesso no Lloyds. Em Portugal, como noutros países europeus, a crise acabou por revelar falhas na gestão de empresas e também de vários bancos, que após resolvidas tiveram como consequência termos agora melhores gestores, e também mais prudentes no caso da banca, e uma supervisão mais rigorosa.

Assim, dez anos depois, considero que o sistema financeiro internacional e também em Portugal está muito mais forte em capital, liquidez e cultura/capacidade de gestão, o que é fundamental para termos economias saudáveis. Como já disse várias vezes, a economia precisa de bancos fortes e capitalizados que tomem decisões responsáveis, contribuindo dessa forma para o crescimento económico e para a melhoria do nível de vida das populações.

António Vieira Monteiro (CEO do Santander Totta):

"Se banca resolver problemas, estarão criadas condições para resistir a crises"

A queda do Lehman Brothers não deixou ninguém surpreendido. O aumento sistemático do preço do dinheiro emprestado ao Lehman Brothers e a grande desconfiança que os mercados vinham demonstrando eram elementos que nos permitiam dizer que era uma situação forte que estava a ocorrer e que caminhávamos para uma crise, que acabou por escrever a história deste período de uma forma extremamente negativa.

Já a banca portuguesa foi pouco influenciada pela crise do subprime. O impacto interno vem sobretudo da crise da dívida pública portuguesa e em muitos casos por uma certa frivolidade na concessão de crédito.

O Santander, desde início, teve sempre uma política conservadora transparente na área de riscos e de concessão de crédito, o que lhe permitiu não ter de fazer grandes alterações na sua forma de atuar, embora se tenha mantido mais atento, dado que a degradação que se estava a verificar poderia abranger mais clientes.

Na minha visão, sente-se atualmente uma grande melhoria na supervisão bancária, que passou a ser feita pelo BCE, e na criação do Fundo de Resolução Europeu, faltando só a criação do Fundo de Garantia de Depósitos geral.

No sistema financeiro português, e embora acreditemos que o pior já tenha passado, persistem ainda dificuldades próprias. Apesar da clara redução do défice e da trajetória descendente da dívida, só um maior crescimento da economia permitirá ter uma banca mais saudável e sustentável.

Por outro lado, persistem em várias instituições problemas por resolver a nível dos NPE e das carências de capital, tornadas evidentes com um quadro regulatório muito exigente e consumidor de recursos dos bancos.

Ao mesmo tempo, num cenário de juros negativos, os bancos vivem com margens magras e estão sujeitas à pressão de novos operadores à escala global que não estão sujeitos a um quadro de regulação idêntico. Haverá ainda que ter em conta o desempenho do Novo Banco para se perceber os impactos que essa situação poderá ter no conjunto do setor.

Se a banca resolver os seus problemas num curto espaço de tempo, estarão criadas as condições para resistir a crises, quer do ponto de vista de solvabilidade quer de liquidez. Os problemas do malparado devem ser resolvidos em prazo curto.

Paulo Macedo (CEO da CGD):

"Haverá sempre uma próxima crise. O que importa discutir é como estaremos mais bem preparados para a enfrentar"

Eu estava em Nova Iorque para contactos com investidores na sequência do aumento de capital do BCP e nesse dia todas as reuniões marcadas foram canceladas. Foram dias conturbados, tensos, complexos, que afetaram todas as economias, ainda que de modo diferente na forma e no tempo, sem que de imediato fosse percetível todas as suas consequências negativas.

O sistema bancário português tem vindo a implementar um processo de desalavancagem nos últimos anos. A banca nacional tem hoje uma menor dependência do crédito do exterior. Houve um decréscimo consistente do rácio de transformação entre depósitos e créditos. Os números da APB evidenciam que em 2008 este rácio era de 160% e hoje é de 92,5%. A banca hoje está muito mais capitalizada.

Em termos da qualidade dos ativos, que era um dos principais desafios do sistema bancário português, registou-se uma redução significativa dos rácios de NPL, apesar de ainda estarem elevados. O objetivo é que daqui a dois ou três anos possamos atingir a média europeia.

A rendibilidade do sistema bancário aumentou consideravelmente ao longo dos últimos trimestres, na sequência de uma acentuada redução dos custos operacionais e da melhoria da economia portuguesa. Isto reflete-se num banco como a Caixa, que financia as empresas e as famílias portuguesas. A banca está a ajustar a sua estrutura e modelo de negócio bancário, de modo a que os serviços bancários sejam realizados de acordo com a conveniência dos clientes.

Em termos de solvabilidade, tem-se assistido a uma melhoria dos rácios de fundos próprios e a análise de risco melhorou, havendo hoje uma menor vulnerabilidade da valorização dos colaterais que servem de garantia aos empréstimos. Há uma menor dependência do imobiliário e na construção. Também se melhorou na qualidade da governança dos bancos, bem como no grau de exigência na seleção de gestores. A supervisão, que hoje é europeia, também é mais presente a todos os níveis.

Ao nível global, o peso das dívidas soberanas ainda é elevado, especialmente em Portugal. Haverá sempre uma próxima crise, especialmente em economias pequenas e abertas. Mas o que importa discutir é como estaremos mais bem preparados para a enfrentar.

António Ramalho (CEO do Novo Banco):

"Principais riscos financeiros estão hoje controlados"

Faz hoje dez anos que um dos mais antigos e tradicionais bancos de investimento americanos declarou-se falido perante o mundo. Foi desnecessário e insuficiente. Nem essa falência serviu para moralizar o sistema, nem foi suficiente para evitar com exemplaridade o contágio. Pelo contrário, a crise de confiança consolidou-se, a exportação da crise americana do subprime concretizou-se e o mercado monetário morreu quase instantaneamente. A banca global de que todos falavam ficou definitivamente comprometida, os egoísmos regionais financeiros iniciaram uma longa caminhada que iria terminar numa crise económica global.

A falência do Lehman é a vitória do "moralmente correto" sobre a frieza da avaliação das consequências. Dez anos não são suficientes para uma avaliação imparcial.

A falência do Lehman ganhou assim um lugar na história, acelerando uma crise de endividamento que se adivinhava e pondo a nu os riscos da globalização.

E se os principais riscos financeiros, graças a muita regulação e ainda mais capital, estão hoje controlados, o mesmo não podemos dizer sobre as consequências para a globalização, a contas com os mais estranhos protecionismos e com os novos egoísmos nacionais.

A crise de 2008 foi muito mais do que financeira. A falência do Lehman pode ter sido muito mais que a queda de um banco tradicional.

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