Uma dama que continua a pintar as mulheres do povo
No último Dia Inter- nacional da Mulher, o jornal inglês The Guardian elaborou uma lista com as 100 mulheres mais influentes do mundo em diversas áreas, dos negócios à investigação, e no mundo das artes lá estava a portuguesa Paula Rego ao lado da cantora Lady Gaga, da realizadora Kathryn Bigelow ou da arquitecta Zaha Hadid. "Olhar para a obra de Paula Rego é ver toda diversidade da experiência feminina: desejo, aborto, violação, circuncisão, dar à luz, relações familiares, dominar e ser dominada pelo homem", escreveu a propósito desta lista a jornalista Emine Saner.
Paula Rego é considerada um dos nomes mais importantes na arte figurativa contemporânea - quando ela começou a trabalhar, nos anos 50, a arte figurativa não estava propriamente na moda, o que mostra bem a sua determinação e originalidade, desde o início. Nasceu em Lisboa em 1935. "Vai-te embora daqui que isto não é um país para mulheres", ter-lhe-á dito o pai. E ela foi. Mudou-se para Londres em 1952 para estudar na Slade School of Art, onde conheceu o artista Victor Willing, com quem viria a casar em 1959. Viveu entre Ericeira e Londres, onde foi bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian para fazer pesquisa sobre contos infantis, até em 1975 se estabelecer definitivamente no Reino Unido, apesar de continuar a expor regularmente em Portugal onde é, desde 1978, representada pela Galeria 111.
Em 1987 realizou a sua primeira grande exposição no Reino Unido e assinou com a galeria Marlborough Fine Art, o passo que faltava para a internacionalização. No ano seguinte, Willing morreu e um ano depois Paula Rego foi nomeada para o Prémio Turner, a mais importante distinção para as artes plásticas no Reino Unido. "Fiquei muito feliz por poder vender os meus quadros. Tínhamos grandes dificuldades financeiras na altura", comentaria a propósito do reconhecimento tardio: "Finalmen- te estavam a levar-me a sério."
Em 1990 foi a primeira artista associada da National Gallery e, em 2001, recebeu o Prémio Celpa/Vieira da Silva de Consagração. Com exposições em instituições como o Centro Cultural de Belém e o Museu de Serralves, a Tate Gallery e a Tate Modern (Londres), o Reina Sofia (Madrid) ou a Pinacoteca (São Paulo), Paula Rego conseguiu concretizar um sonho antigo e, em 2009, foi inaugurada, em Cascais, a Casa das Histórias (porque ela não gosta da palavra museu mas, em compensação, precisa de histórias que são o principal alimento dos seus desenhos), um espaço projectado por Souto de Moura onde estão depositadas centenas de peças doadas ou emprestadas pela artista.
Depois de, em 2006, ter pintado o retrato oficial do Presidente da República Jorge Sampaio, no ano passado foi a vez de a Rainha Isabel II lhe atribuir o título de Dama. Desde 1917, o título já foi concedido a mais de 700 actrizes, escritoras, bailarinas e outras. Mas apenas quatro pintoras tiveram esta honra. Como comentou então o escritor Hélder Macedo ao DN: "Extraordi- nária artista que não pode ser mais establishment - foi-lhe dado recentemente o título de Dama do Império Britânico -, mas que mantém a portugalidade na pintura e um sentido teatral que promove um sentido operático na sua pintura e no carácter obsessivo de uma infância que se transforma nos horrores da vida adulta."
Depois da aclamação da crítica, Paula Rego tornou-se também uma das artistas mais procuradas nos leilões. Em 2008, Baying (em português Uivando), uma tela a pastel de 1994, foi vendida por 738 mil euros na Sotheby's de Londres - e é até agora o recorde para a artista.