Uma convergência de crises e alguma esperança
Segundo muitos trabalhos científicos e artigos publicados em matéria de saúde pública, por diversos intelectuais e cientistas, as doenças infecciosas estavam praticamente vencidas e que cada vez menos eram uma causa de doença e de mortalidade. Muitos estudantes de Medicina foram persuadidos para não se especializarem em infecciologia, visto que era um campo que perdia cada vez mais razão de ser. Mesmo os departamentos de epidemiologia das escolas médicas iniciaram programas de especialização em doenças crónicas, como o cancro e as doenças cardíacas.
A pandemia que estamos a enfrentar mostra como todos eles estavam equivocados. E esta pandemia não foi nem será a última. A tuberculose recrudesceu passando a ser a principal causa de morte em muitos cantos do mundo. O vírus da imunodeficiência humana (VIH-sida) continua a ter uma propagação incontrolada nas populações empobrecidas. E agora estamos a enfrentar a terceira pandemia de coronavírus.
Perante esta evidência, qual a razão que fez que a ideia da transição epidemiológica parecesse plausível? Existem vários argumentos que podemos evocar. O principal foi que os intelectuais olharam apenas para um período temporal muito curto. Quando olhamos para a história da humanidade chegamos inevitavelmente à conclusão de que sempre convivemos com surtos de peste e doenças infecciosas. Mais, existe um paralelismo, nem sempre claro, entre eventos políticos e económicos e os surtos pandémicos. Assim, em vez de os especialistas assumirem que as doenças infecciosas foram erradicadas, devemos assumir que qualquer mudança nas condições socais e económicas da população, as alterações climáticas, as migrações, as guerras, são igualmente eventos com influência na saúde pública e que essas mudanças arrastam consigo padrões próprios das doenças infecciosas.
Em certo sentido, a saúde pública assumiu uma visão reducionista, só olhou para as pessoas, mas se tivesse consultado os veterinários, os investigadores da sanidade vegetal, teria encontrado novas doenças infecciosas noutros organismos. Essa visão de conjunto obriga as escolas de medicina, frequentadas pelos alunos urbanos, a conversar com as escolas de agronomia e veterinária, que acolhem estudantes das comunidades rurais, para desenvolver uma perspetiva do ecossistema, eliminar barreiras intelectuais entre disciplinas e compreender a resistência dos microrganismos aos medicamentos e aos pesticidas.
Muitas das respostas em saúde pública requerem respostas ao nível do ecossistema local. No Montijo, tal como noutros concelhos do país, os autarcas estiveram na linha da frente para travar o coronavírus, salvar vidas da covid-19, vacinar as pessoas prioritárias e dar respostas diretas a populações vulneráveis e ao comércio local. Contudo, apesar do esforço dos municípios, é consensual que as desigualdades se agravaram, as discriminações aumentaram, o desemprego aumentou, a pobreza infantil alastrou. Enfrentamos, por isso, uma convergência de crises, intelectual, sanitária, económica e social, que exige políticas públicas contracíclicas e investimento estruturante para preparar as comunidades locais para novas pandemias.
O período pós-pandemia não será isento de problemas e de dificuldades. A eles teremos de responder com mais investimento, não só para combater o medo, como para alimentar a esperança dos cidadãos. É essencial aumentar o investimento público, como é o caso do novo aeroporto do Montijo, para recuperar da crise, criar emprego, alargar as respostas sociais e, sobretudo, garantir a coesão social das populações.
Presidente da Câmara Municipal do Montijo