Uma cidade com 5000 americanos está no meio do Tejo
"Estou feliz por estar aqui em Lisboa com cinco mil dos meus amigos mais chegados depois da dureza das condições meteorológicas ao largo da Noruega", diz, em tom de brincadeira, o almirante Gene Black, que comanda o grupo de ataque onde se inclui o porta-aviões USS Harry S. Truman.
A conversa é no deck do navio americano, fundeado a meio caminho entre Belém e a Trafaria, e os "amigos chegados" são os tripulantes desta verdadeira cidade flutuante, perto de 5600. "Somos um mini-EUA. Temos marinheiros dos nossos 50 estados e também certamente de vários países", acrescenta o almirante, que esclarece que prestar serviço militar é uma forma de ganhar a cidadania.
"Estamos entusiasmados com experimentar a hospitalidade e a gastronomia portuguesa", acrescenta Gene Black, falando ainda da condição de Estados Unidos e Portugal como membros fundadores da NATO, isto sob forte vento e aguaceiros, não certamente o tempo que esperavam em Lisboa, depois do frio norueguês dos exercícios Trident Juncture, que reuniu os 29 países da aliança mais a Suécia e a Finlândia.
"Adoramos a nossa rotina no mar, e todo o trabalho de equipa, mas agora depois de uma missão exigente, a tripulação agradece ao povo de Lisboa a oportunidade de conhecer a cultura e história de Portugal", diz, por sua vezes, o capitão Nick Dienna, comandante do porta-aviões nuclear, um dos dez que os Estados Unidos têm e que lhes dá uma projeção de força única no mundo (a China tem dois porta-aviões, a Rússia só um). É a primeira vez que o USS Harry S. Truman visita Lisboa, mas Dienna conta ter cá estado em 2013 com um outro porta-aviões. Agora serão quatro dias para, por turnos, a tripulação descobrir um pouco de Portugal.
Para se chegar ao deck onde estão os aviões e os helicópteros é preciso subir seis lanços de escadas, daqueles bem íngremes como é típico nos navios. Pintados em tons de cinza, a meia centena de aeronaves - segundo o coronel Ken Frosberg, que comanda este sector - vai desde o F-18 que "é um canivete suíço" até uma espécie de Hércules C-130, a hélice, com um radar instalado no topo da fuselagem. Nos aviões os nomes do piloto e outros tripulantes estão inscritos na fuselagem, caso de cor. Ryan Fullwider e cor. Eric McQueen no tal "canivete suíço".
Em situação de conflito "e bem arrumados, cabem muitos mais aviões", sublinha Froberg, que é de Rhode Island e conhece bem a comunidade portuguesa.
Subimos à ponte de comando - mais quatro lanços, mas não é de admirar, pois o USS Harry S. Truman equivale a 20 andares a partir de linha de água. O espaço está cheio de equipamento eletrónico e umas imagens mostram um cacilheiro a caminho da Trafaria, não visível a olho nu, o que significa que câmaras em redor da embarcação controlam tudo o que se aproxima.
O comandante Kent Smith "Brewski" faz aqui de anfitrião e até posa para foto junto ao cadeirão de onde dirige a navegação. É do Iowa e conta que em regra uma saída do navio para o mar dura seis a sete meses e depois é tempo de um descanso em terra junto da família, mas agora "há cada vez mais flexibilidade e pode haver missões de três meses".
Sobre viver nesta cidade flutuante, Smith explica que funcionam em turnos de quatro horas, pois o trabalho é muito exigente. E que há filmes para ver, ginásios, até loja para se comprar aquilo que vai fazendo falta. Computadores para consultar o e-mail ou o Facebook também não faltam aos homens e mulheres (cerca de mil, segundo o almirante) a bordo.
Sobre ser marinheira, Laura Stegherr afirma: "Tenho a sorte de servir numa marinha onde uma mulher pode ser tudo. Nunca senti que me tivessem recusado uma oportunidade". Comento com a oficial que no ano passado entrevistei a almirante Michelle Howard, a primeira americana com tal patente e uma figura inspiradora.
Tempo de deixar o navio, depois de uma espera na sala do almirante, decorada em estilo de mansão e com um livro de assinaturas onde vejo a recente de Jens Stoltenberg, o norueguês que é secretário-geral da NATO. Sabe a pouco a experiência. Há três anos, a convite da embaixada americana viajei três dias no destroyer USS Carney dos Açores até à base de Rota, em Espanha, e percebi que era uma aldeia, até com cartão de crédito da marinha a substituir os dólares no que fosse preciso. Agora deu para ter certeza de que um porta-aviões, com os tais 5600 tripulantes, é uma verdadeira cidade flutuante.
Descemos, passo por um busto de Truman e quadro onde está a foto do presidente Donald Trump e o organograma da sua Administração e entro num imenso pavilhão onde americanos de todas as raças esperam, já vestidos à civil e de mochila, a oportunidade para visitar Lisboa. Um refere os bares, outro diz que quer ver bem os monumentos.
À espera para o transporte para terra estão barcos fretados, caso do Évora, que costuma fazer passeios no Tejo, ou do Roaz Corvineiro, cujo verde alface e nome denunciam ser um dos catamarãs que no Sado ligam Setúbal a Tróia. A forte ondulação e também as águas vivas complicam bastante a acostagem, mas no Harry S. Truman (homenagem ao presidente que venceu a Segunda Guerra Mundial) nem se sentem as vagas. A estabilidade do gigante é impressionante.
Com esforço, junta-se ao batelão amarrado ao navio o pequeno Astinor, que leva o grupo de jornalistas para a doca de Pedrouços. Um cartaz diz que é a embarcação ao serviço de Gene Black. De manhã tínhamos viajado no Alcotan, onde vi a fotografia de Nick Dienna.
Lisboa é certamente um porto seguro, depois da animação dos mares da Noruega onde a tensão com a Rússia é bem mais evidente. Mas ainda não há muito o USS Harry S. Truman também andou no Mediterrâneo envolvido no conflito na Síria. "Na Marinha nunca se sabe para onde se pode ir", disse-me um oficial. "E isso, para quem vive isto, é entusiasmante".