Uma casa pronta a habitar dentro do museu
"Entrem, por favor, fiquem à vontade." É assim que a artista Ana Pérez-Quiroga recebe quem chega. Entremos. O "jardim" tem canteiros de cortiça e um céu desenhado na parede com 14 tons de azul. Logo ao lado fica a mesa das refeições e a porta que dá para o "apartamento": uma única divisão que é quarto, sala e kitchnet, com acesso para uma casa de banho. A "casa" tem quase tudo o que é preciso - há pratos, copos, uma chaleira, micro-ondas e frigorífico, quadros nas paredes, cobertores e almofadas, livros nas estantes, de Saramago a García Márquez ou Jorge Mölder. Só lhe faltam janelas para a rua.
A casa não é uma casa. É uma obra de arte, intitulada APQhome - MAAT, criada por Ana Pérez-Quirogra dentro do edifício da Central Tejo - MAAT, Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa. "Andamos sempre à procura da casa ideal, a nossa casa é a reprodução do nosso eu mais íntimo", explica a artista, que já há muito tempo que trabalha sobre a ideia de casa e de quotidiano.
Neste caso, Pedro Gadanho, diretor do museu, pediu-lhe algo específico: uma casa que pudesse realmente ser habitada. E vai sê-lo. Ana Pérez-Quiroga pôs um anúncio no Airbnb à procura de artistas que quisessem passar duas noites ali. "Duas noites é o que considero essencial para experimentar esta imersão", explica. E as reservas não se fizeram esperar. O que, como sublinha Gadanho, é também "uma metáfora da dificuldade que é arranjar casa em Lisboa". A casa está preparada para duas pessoas e o preço é simbólico - 25 euros por noite - só para pagar a manutenção. Os "vivenciadores" serão recebidos pela artista e poderão ficar ou não em casa durante o dia, recebendo os visitantes do museu.
Ao ser vivida, a instalação transforma-se em perfomance. "Quero dar atenção ao presente no presente", diz Ana Pérez-Quiroga. "Aqui, todo o ato do quotidiano, seja comer ou lavar os dentes é consciencializado." Quase todos os objetos que ali estão foram criados pela artista e vão estar à venda, através do site www.anaperezquirogahome.com Como é o caso dos sofás cor de laranja, de burel feito com lã de ovelhas portuguesas ou das jarras em vidro soprado na Marinha Grande.
Ouvir o som das caldeiras
Há mais duas exposições novas no MAAT e ambas são instalações site specific. João Onofre aceitou o desafio de criar para a Casa das Caldeiras, porventura o espaço mais difícil do museu: "Não podia fazer uma escultura porque já ali está uma escultura, que é aquela maquinaria; não podia fazer um filme porque há muita luz a entrar, nem fotografias porque não há paredes condignas para as apresentar", explicou o artista. Decidiu assumir o "elefante na sala". E assim surgiu a ideia de criar uma instalação sonora que partisse da própria estrutura das caldeiras.
Onofre convidou o compositor e percussionista Miquel Bernat que, depois de um trabalho de procura dos sons do espaço (raspando, batendo, vibrando), compôs uma partitura com 16 sons. A seguir, com a ajuda da equipa do centro de investigação em ciência e tecnologia da arte, da Universidade Católica, criaram-se 16 robots que estão espalhados pelo espaço e que produzem os sons. Mas há mais: tudo acontece a partir da energia criada pelos painéis solares e ao ritmo do sol - quanto maior for a intensidade do sol, mais rápida e mais forte é a música; se houver nuvens e quando o dia estiver a terminar, a música é mais lenta e menos intensa. A obra Untitled (Orchestral) exige alguma disponibilidade por parte de quem ali for mas quem o fizer irá render-se a esta pequena maravilha.
Por outro lado, o cubano Carlos Garaicoa criou Yo nunca he sido surrealista hasta el día de hoy para Galaria Oval do edifício novo, a partir de uma maqueta que construiu em 2008. "Esta é a primeira vez que uma maqueta minha ganha uma dimensão real", disse, visivelmente feliz, o artista, que trouxe para o museu um jardim que é ao mesmo tempo natural (árvores e arbustos que são verdadeiros e vão ser mantidos durante a exposição) e artificial pois é povoado por mais de 60 candeeiros e semáforos, grande parte deles do acervo da EDP mas também da Câmara de Lisboa.
É uma "floresta onírica" e uma "grande escultura de luz" que questiona o ordenamento do espaço urbano e a relação do homem com a natureza. Gadanho brinca dizendo que o espaço, com ar condicionado e relva artificial, poderá ser uma opção ao calor no passeio junto ao rio. Como na casa de Pérez-Quiroga, falta-lhe o ar puro. Ou o museu como espaço da artificialidade assumida.
MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e tecnologia
Av. Brasília, Lisboa
Todos os dias, das 12.00 às 20.00 (encerra à terça-feira)
Bilhetes: 5euro / 9euro