Uma carta do Rio de Janeiro
Desde meados do século passado, o Rio de Janeiro mantinha uma aura de cidade de diversões, amores, uma certa libertinagem, muito carnaval e um pouco de pecado. Era uma imagem romântica, que Hollywood fixou em filmes como Flying to Rio e consolidou na era de Carmen Miranda.
Depois, vieram os poetas da música, com destaque para a dupla Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que ao lançar GarotadeIpanema propiciaram um novo salto na fama da cidade. Em seguida, as novelas da TV Globo - que invariavelmente mostram aspectos da cidade - ajudaram a consolidar a imagem do Rio de Janeiro como cidade bela e gente muito agradável. Tudo isso é verdadeiro, mas, infelizmente, as coisas mudaram.
O Brasil não tem problemas de terrorismo ou de grandes antagonismos, nem mesmo guerras religiosas e brigas por fronteiras. Mas o país atravessa uma séria crise económica. Entre os 180 milhões de brasileiros, o número de pobres varia, conforme a fonte, de 20 milhões a 43 milhões, o que é algo muito sério. É em meio à pobreza que cresce o banditismo, que hoje assola diversas cidades do Brasil.
Em São Paulo, centro económico do país, há mais de 1,5 milhões de desempregados - e pode-se imaginar que, entre esses, alguns entram em desespero e são atraídos pelo lado podre da sociedade.
O Rio de Janeiro ainda é o local que mais atrai turistas, mas inúmeros têm sido os eventos desagradáveis. Um simples furto ocorre até na Suíça, mas o «arrastão», em que jovens delinquentes roubam pessoas na praia é inaceitável. A verdade é que a qualidade de vida na Cidade Maravilhosa degradou-se. Há dias, um turista espanhol foi morto porque reagiu a um assalto, cometido por um « pivete», um jovem delinquente.
O que fazem os locais, os cariocas? Tudo o que é possível. Os carros dispõem de uma película escura, para dificultar a acção de ladrões. As pessoas saem menos à noite - o que é péssimo para bares, restaurantes, teatros e casas nocturnas. Os bancos restringem os saques de dinheiro. Muitas pessoas usam dolar bag, que é um local escondido para guardar dinheiro sob as calças. Quando um colectivo é assaltado e os bandidos descobrem um polícia, invariavelmente o matam - razão pela qual os polícias, quando fora de serviço, não alardeiam as suas funções.
Hotéis importantes, como Sheraton e Intercontinental, lamentam estar localizados próximos a favelas - onde, antes, havia convívio harmónico entre ricos e pobres. O próprio autarca do Rio, César Maia, estima que 20% da população vivam nas tais favelas - e o máximo que ele pode fazer é, com apoio do Banco Mundial, tentar torná-las um pouco mais dignas. Transferir as pessoas de favelas para habitações normais, demorará um século.
Nos bons tempos da bossa nova, Vinícius de Moraes escreveu a letra de Carta ao Tom 74, onde dizia: «Rua Nascimento Silva, 107, você ensinando pra Elizete, as canções de amor...» Vinte anos após, Chico Buarque parodia a letra e canta: «Rua Nascimento Silva, 107, eu fujo correndo do pivete, tentando alcançar o elevador.»
A sociedade divide-se. Alguns pedem a pena de morte e condenações mais fortes para os menores. Outros acham que a solução é social. Mas a verdade é que a qualidade de vida no meu querido Rio de Janeiro piorou muito.
A beleza continua intacta, mas a insegurança cresceu muito.