Uma banda sonora de gentes na Luz

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Ele está sentado na ponta da fila, sem vizinhança. De costas direitas, olhar pregado ao relvado. Veste um pólo vermelho coberto por um redundante cachecol da mesma cor. Passa compulsivamente os dedos pelo bigode, masca pastilha. Faz que não e depois que não com a cabeça. Ignora a multidão que atira "Benfica" de uma bancada para a outra. Não canta, não grita, contorce-se no banco e, em jogadas mais acesas, deita as mãos à cabeça. Ignora o silvo contínuo que acompanha cada jogada de Cristiano Ronaldo.

Joaquim Geiras não espera pelo apito final da primeira parte (que não se ouve entre a sinfonia de sons que dá vida ao estádio). Sai, apressado, e volta com duas sandes e coca--cola. Veio de Lagos ver o jogo, como faz em todas as competições europeias. Está sozinho, mas trouxe com ele o filho e um amigo que estão "por aí". "Gosto de estar sossegado a ver futebol", diz no meio da multidão.

Este algarvio franzino e contido destaca-se na massa de gente que constrói uma banda sonora única e irrepetível no Estádio da Luz.

Num canto do recinto, um tambor marca o ritmo dos Diabos Vermelhos. Alguns metros ao lado, a claque inglesa lança insistentes gritos de guerra. Nos lances mais perigosos, logo surgem os apelos - "Força Benfica" e "Glorioso SLB" - , que alastram com rastilho curto nos milhares solidários. Aqui não há a legenda dos relatos da rádio ou da televisão e todas as emoções ondulam num coro de vozes que se perde no céu.

E depois a música, forte. "Somos milhões", debita o altifalante. "E uma só alma", enche o peito José Alves, embalado por um copo de cerveja. Critica o treinador do Benfica enquanto, pelo canto do olho, aprecia uma adepta provocante nos seus trajes de amazona. "Não ataca, só defende", vai dizendo. O mesmo desalento tem outro José, de apelido Portugal. "Precisamos de pressionar um pouco mais", diz. Já Mariana Silva preferia que em vez de assinalar cada passe de Cristiano Ronaldo os adeptos puxassem pela equipa. "O que lá vai lá vai", diz a jovem, que não esconde um fraquinho pelo português ao serviço do Manchester. Este sentimento não vingou no Estádio da Luz. Os melhores assobios da noite foram para o número sete da equipa inglesa.

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