Queremos acreditar num mundo romântico, na possibilidade de um rapaz conhecer uma rapariga e se apaixonar desalmadamente. Queremos ainda acreditar que haja quem cace terroristas do Daesh e quem consiga descobrir os mistérios do planeta no fundo do mar. Afinal, em San Sebastian as milhares de pessoas que enchem as salas desta edição número 65 querem acreditar no Wim Wenders do "grande espetáculo"..Submergence, filme de abertura desta edição, está em competição e é um regresso do alemão ao mainstream, uma tentativa de fazer um thriller adulto e com preocupações ideológicas sobre o estado do mundo. Tem estrelas de Hollywood, James McAvoy e Alicia Vikander, mas talvez não seja obra para competir, provavelmente ficaria melhor como sessão especial, sobretudo se avaliarmos a receção bastante dividida na imprensa espanhola (a sua estreia mundial já tinha sido em Toronto, onde também polarizou)..O casal do filme saiu da cabeça do escritor de J.M. Ledgard, que escreveu Submergence, romance sobre uma geóloga que se apaixona por um agente secreto do MI 6. A Wenders, o que o seduziu foi a forma como os dois se conhecem, algures numa praia francesa antes de ambos partirem em missões diferentes. Ela vai ser a primeira investigadora a descer ao fundo do mar até onde nunca antes ninguém esteve, enquanto ele também tem um destino aquático, algures em África junto a uma célula de terroristas jihadistas. Mais de metade do filme relata com precisão a maneira como os dois se conhecem, ou seja, aquele momento em que um homem e uma mulher se entregam um ao outro e se apaixonam para sempre..Um Wenders romântico que luta contra uma certa ideia de fórmula de thriller. Diz-se que o cineasta alemão terá tido problemas com os produtores franceses, que por certo queriam algo mais do segmento dos terroristas. Nesse aspeto, é um "thriller" envergonhado, sempre mais interessado na pura atração entre James McAvoy (cada vez mais, um dos atores maiores da sua geração) e Alicia Vikander (dirigida sem artifícios), grande casal de cinema..Submergence conquista-nos pela calada. Quem não entrar com pé atrás, apaixona-se por esta paixão. Em Toronto, Wenders dizia que o filme é um convite para irmos até onde nunca fomos, ao fundo do mar. Mas a viagem inclui ir até ao fundo deste mundo, onde a fé de um terrorista islamita é irredutível e onde a memória de um beijo molhado pode valer tudo. Parábola forte sobre os limites da vida (aí reconhecemos o Wenders dos grandes tempos) servida por personagens deliciosamente vulneráveis. Belo filme que se arrisca a ser "patinho feio" num festival onde estão na moda as vaias na sessão de imprensa..[vimeo:215822827].[youtube:230980761].De Portugal, chegam aqui ao País Basco duas apostas certeiras e ambas em competição na Zalbategui Tabakalera, secção mais alternativa: a curta Flores, de Jorge Jácome e o documentário da artista Filipa César, Spell Reel. O filme de Jácome é uma fantasia sobre uma invasão de hortênsias nos Açores que tornam inabitáveis as suas nove ilhas. O jovem cineasta trabalha com mote de ficção-científica mas interessa-se mais por um processo de "filme dentro de filme". Flores não é nenhuma obra-prima mas revela uma segurança de estilo notável. Quanto a Spell Reel, trata-se de um ensaio com imagens de arquivo sobre a memória audiovisual da revolução da Guiné Bissau. Um trabalho de caça memórias que expõe feridas do nosso colonialismo e mostra como os cineastas guineenses souberam ter um olhar de cinema perante a guerra. Filipa César entra já para a primeira divisão do cinema internacional.