Um Urso de Ouro húngaro
Uma das melhores edições dos últimos anos do Festival de Berlim. A maioria dos filmes vistos na competição teve uma qualidade acima da média, uma seleção que se mostrou tão acutilante como variada e que soube revelar, confirmar ou consagrar certos cineastas. Pena que o júri de Paul Verhoeven tenha feito uma escolha quase sempre ao lado, uma escolha politicamente correta para agradar a gregos e a troianos.
A vitória não surpreendeu a imprensa presente na Berlinale. On Body and Soul, de Ildikó Enyedi, na véspera já tinha vencido alguns prémios paralelos e em algumas listas estava muito bem colocado.
O filme é uma história de amor bizarra situada num matadouro. A paixão de uma jovem trabalhadora pelo seu chefe através da comunhão de sonhos. Um triunfo que volta a premiar o cinema húngaro depois do boom que foi o multipremiado O Filho de Saul.
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Aliás, este é o segundo grande prémio internacional para esta cineasta que em 1989 vencia em Cannes a Câmara de Ouro com o Meu Século XXI, o seu único filme estreado entre nós.
Ainda assim, o grande momento da cerimónia foi quando um divertido Aki Kaurismaki não quis ir ao palco para receber o Urso de melhor realização com The Other Side of Hope, um dos favoritos ao prémio maior. O finlandês recebeu o prémio na coxia e quis guardá-lo logo no bolso do casaco.
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A maior virtude deste palmarés que será polémico terá sido conseguir premiar todos os melhores filmes da competição. Além da consolação a Kaurismaki, o belíssimo Una Mujer Fantastica, do chileno Sebastian Lelio, ficou com o prémio de melhor argumento (não deixa de ser algo invulgar já que é sobretudo um filme de mise-en-scène). Aí a injustiça terá sido o esquecimento de Daniela Vega, atriz transgénero que era apontada como a vencedora antecipada.
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Este júri da Berlinale pura e simplesmente não quis fazer história e elegeu antes Kim Minhee, a musa e companheira de Hong Sang-soo no seu último On The Beach at Night Alone.
Quanto aos atores, o prémio foi para o melhor ator alemão da sua geração, Georg Friderich, em Bright Nights, de Thomas Arslan. O ator protagonizou outra rábula que fez rir os presentes no Palast Berlinale: colocou a pastilha elástica no seu prémio. Na mesma lógica de premiar os mais elogiados pela crítica, Verhoeven e os seus pares não se esqueceram do romeno Ana, Mon Amor, de Calin Peter Netzer, que venceu o Urso de Prata de melhor contribuição artística.
Novo "milagre" português
Desta edição da Berlinale, marcada por uma invasão portuguesa nas diversas secções, destaque ainda para a segunda vitória consecutiva portuguesa nas curtas-metragens, agora com Cidade Pequena, de Diogo Costa Amarante, depois Leonor Teles ter vencido em 2016.
Ontem, na conferência de imprensa em Berlim, o cineasta, de 34 anos, confessou-se "muito surpreendido com esta vitória".
Quem esteve pela capital alemã percebeu que as curtas e as longas-metragens nacionais escolhidas para estar presentes nesta Berlinale não estiveram lá por moda ou por lobby. O já chamado "milagre do cinema português" continua a produzir filmes únicos e com mérito próprio. Das sombras de Salaviza à luz de Gabriel Abrantes, é um cinema capaz de se estar sempre a reinventar, mesmo quando dialoga experimentalmente com uma noção de memória, como é o caso desse objeto desafiante que é Spell Reel, uma das propostas mais intrigantes que vimos no Forum, cortesia de Filipa César, que em Portugal é mais conhecida como artista multimédia.