A crise financeira, melhor nível de vida, novas realidades, aprender línguas, o amor. Todas estas são razões válidas, em separado ou em conjunto, para a subida dos números de quem sai do país. Na última década, Portugal voltou a ser um país de emigração, milhares de jovens saíram, alguns deles casais em início de vida, juntando-se a muitos outros milhões na diáspora. E se se tornaram importantes recursos para os países de destino não só em mão-de-obra mas também a nível da demografia, até porque deslocaram-se maioritariamente para países de uma Europa envelhecida, também contribuem para travar a quebra demográfica dos portugueses - dos 1,2 milhões que nasceram desde janeiro de 2010, um terço nasceu no estrangeiro..Joana Figueiredo e o marido, Paulo Marques, ambos com 34 anos, enquadram-se no fluxo migratório de população ativa com formação superior. Trocaram Portugal pelo Reino Unido em 2011, ano em que o país pediu a intervenção do FMI. A crise instalada contribuiu para a saída mas não foi o único motivo. "Sempre quisemos sair do país, até para melhorar o inglês, honestamente, esse foi o principal objetivo. Procurámos trabalho no estrangeiro e as oportunidades surgiram, mas, hoje, concluímos que fizemos muito bem. Estamos muito melhor no Reino Unido.".O primeiro destino foi São Francisco, mas tiveram de regressar a Portugal porque o Paulo não conseguiu o visto para os EUA. A segunda escolha foi o Reino Unido e foram para Manchester, onde vivia o irmão de Joana. Acabaram por encontrar emprego em Londres. Joana começou como analista de redes e, em 2014, fundou a sua própria empresa: uma plataforma de venda de roupa de marca com descontos. O Paulo trabalha em desenvolvimento de software, a contrato (não está ligado a uma empresa), o que lhe dá mais liberdade de movimento..Casais com mais filhos.Joana e Paulo têm três filhos, todos nascidos em terras de Sua Majestade: a Alice com 3 anos, o Artur com 2 e o Óscar com quatro meses. Apenas o último teve automaticamente a dupla nacionalidade, porque os pais já viviam no Reino Unido há mais de cinco anos. Os mais velhos tiveram de a pedir. Agora, os três irmãos são todos portugueses e ingleses..O número de crianças portuguesas registadas no estrangeiro tem vindo a aumentar, com um pico em 2016: 50 323 bebés inscritos nos consulados nacionais em todo o mundo. No ano anterior, Portugal atingia o número mais baixo de crianças nascidas no país da década: 85 500 nados-vivos (ver gráficos)..Em 2019, só no primeiro semestre, já há mais 22 694 bebés portugueses nascidos no estrangeiro, mais de metade dos que nasceram em território português - 43 138 (de acordo com os dados do teste do pezinho)..Em Portugal, desde 2012 que nascem anualmente menos de cem mil bebés , quando no estrangeiro subiram para cima dos 40 mil anuais. Contabilizados os nascimentos desde 2010, dentro e fora do país, verifica-se que há 1 228 823 crianças com a nacionalidade portuguesa. Destas, 410 211 nasceram fora de Portugal, ou seja, 33,70% do total.."A primeira coisa a chamar a atenção é o potencial demográfico que Portugal está a desperdiçar por causa da emigração. Temos um problema demográfico grave, temos uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo e, quando olhamos para esses números, ficamos com uma ideia da ordem de grandeza da fecundidade desperdiçada, da riqueza que estamos a desperdiçar. Em vez de pensar em subsídios para impulsionar a natalidade, o melhor seria tomar medidas para evitar que as pessoas saíssem", defende o sociólogo João Peixoto..Joana e Paulo vivem em Londres, depois da passagem por Manchester. As duas cidades britânicas estão entre as que têm mais registos, sendo que Manchester entrou para o top 10 em 2016. E, neste ano, é o sexto consulado com mais bebés portugueses inscritos, o que mostra como os novos fluxos se refletem na natalidade dos países de destino. Paris surge em primeiro lugar no top 10, destronando as cidades brasileiras de Rio de Janeiro e São Paulo. Também, Valência, em Espanha, sobe de posição..João Peixoto explica: "Nos últimos anos, houve um aumento grande das saídas e uma mudança nos destinos. É de esperar não apenas um aumento dos números mas também uma alteração nos consulados de referência, maior predominância do Reino Unido e, se calhar, de Espanha." Outra conclusão é a de que a natalidade não reflete apenas mais nascimentos, diz também a importância que tem um passaporte português. "A nacionalidade portuguesa pode ser uma garantia no futuro, o que pode ter que ver com crises nos países de destino e com a livre circulação de quem tem um passaporte português, mesmo que não pense em regressar a Portugal. Pedem a nacionalidade para acautelar eventuais problemas no futuro.".O Brexit no Reino Unido e a crise política e económica da Venezuela são exemplos do que pode acontecer. O consulado português em Caracas sempre esteve no top 10, mas este ano subiu ao segundo lugar. "Os pais, na sua maioria lusodescendentes, estão a regularizar a situação dos filhos com a intenção de abandonar a Venezuela", assegura Luís Jorge dos Santos, conselheiro das comunidades no país..Os dados são do Ministério da Justiça, que esclarece: "Os consulados são competentes para o registo civil de cidadãos nacionais nascidos no estrangeiro, independentemente da geração. Têm de obedecer às regras do Código do Registo Civil vigentes em Portugal, que fixam o prazo e a legitimidade para a prestação da declaração de nascimento que serve de base ao registo.".Os três filhos de Joana e Paulo estão em casa. Em Inglaterra há pouca oferta no privado até aos 3 anos, além das creches serem caras (cerca de 2800 euros/mês). Contrataram uma nanny para as manhãs desde que o Óscar nasceu, em março. "Fazemos muitas atividades com as outras crianças, aqui há muitas atividades ao contrário do que acontece em Portugal e a maioria são gratuitas. Tenho uma amiga que vive em Lisboa que optou por ficar em casa, mas acabou por ter de arranjar uma nanny porque não há nada onde se possa levar os filhos. Aqui há sempre coisas a acontecer: cinema, fantoches, leitura, artes plásticas, etc", conta Joana. Passam o dia na rua, independentemente de fazer sol ou chover..No Reino Unido é "normal os pais ficarem com as crianças até aos 3 anos ou, então, repartem a semana. Ficam com os filhos durante a licença de parentalidade e, quando regressam à empresa, trabalham dois ou três dias e ficam os restantes em casa. Enquanto trabalham, os filhos vão à escola [são pagas ao dia] ou contratam uma empregada. Joana, como é trabalhadora por conta própria, tem direito a nove meses de licença e recebe 145 libras (162,2 euros) por semana, que é o subsídio mínimo estatal..A família vive num T1, diz a Joana que não precisam de mais espaço. Vão mudar em breve para um T2 porque têm de deixar a casa atual e não encontraram um T1 na zona, onde fazem questão de permanecer devido à oferta escolar. A Alice vai em setembro para um jardim-de-infância público..Pagam 2800 euros por mês de renda, os rendimentos mensais dão para isso e para as viagens - as suas maiores despesas. Além de gostarem de conhecer outros países, vêm pelo menos três vezes por ano a Portugal para estar com a família, em Leiria..Três é o número ideal de filhos para a mãe, o pai acha que poderiam ter mais. "Se vivêssemos em Portugal, acho que não teríamos este número de filhos. Vejo pelas minhas colegas. Só o conseguimos graças aos ordenados que recebemos." Além de que há uma maior oferta de produtos e de serviços para as crianças e acessíveis. As fraldas são mais baratas, os medicamentos são gratuitos para a criança (para a mãe é gratuito durante o primeiro ano da maternidade), só se vai a um pediatra se algo corre mal, não pagamos os livros no público. Todo o acompanhamento da criança é feito no centro de saúde..Dois que logo eram quatro.João Moreira, 46 anos, é jornalista com várias colaborações em Portugal, uma delas com o DN. João conheceu a mulher num dos jornais onde trabalhou em Portugal. Luciane Carvalho, 42 anos, tem dupla nacionalidade: portuguesa e brasileira. Casaram e tentaram começar a vida em Portugal. "Parecia que nada resultava e até fui eu que sugeri: porque não irmos para o Brasil", conta João..Emigraram sem sonhar que levavam na bagagem duas meninas, as gémeas Mariana e Carolina, de 8 anos, nascidas já no Brasil e com dupla nacionalidade. Chegaram a 23 de dezembro de 2011 como dois adultos e 15 dias depois perceberam que iriam ser quatro. "Mudou tudo, todos os planos. Viemos à aventura, mas era uma aventura controlada, deixou de o ser. A Luciane, que tinha conseguido um bom emprego em São Paulo, teve de desistir [atualmente faz assessorai de imprensa]. Viemos para Ribeiro Preto [interior do estado de São Paulo] por ser mais barato e para estar perto da família.".Uma aventura que se tornou mais difícil do que o previsto inicialmente mas que não os faz pensar em regressar. Não seria mais fácil? João reconhece que poderia ser: "O Brasil é um país muito desigual, o nível de educação é fraco - sempre andei nas escolas públicas mas as minhas filhas estão no privado -, e grande parte do salário é para investir na educação dos filhos. As rendas dos apartamentos não são caras, só que acabamos por pagar mais porque temos de viver num condomínio e com segurança 24 horas. Em Lisboa tinha duas chaves, a da entrada do prédio e a de casa, aqui tem que se ter um porteiro". Em contrapartida, no Brasil têm o sol e o ambiente. "Estamos no pico do Inverno e estou de T-shirt. Os brasileiros são muito alegres, bem dispostos, o pessoal é mais expansivo e isso é positivo para elas.".Missão com prazo.Vera Toucinho, 39 anos, e Rui Maínhas, 38, emigraram em outubro de 2012 para Lyon. Saíram por altura da crise mas não foi isso que os motivou. O Rui é diretor-geral numa multinacional e foi convidado para trabalhar na cidade francesa durante três anos. Já regressaram a Portugal, residindo na Venda do Pinheiro, em Mafra. Vera é consultora de comunicação, mas está de baixa por estar grávida do terceiro filho - uma gravidez de risco. É um menino. Tem mais dois filhos, a Eva, de 3 anos, e o Gil, de 2. Três filhos que em Portugal pode ser raro mas que em França é normal. "Sim, até há casais com mais filhos", diz a Vera..Têm boas recordações de França, sem nada a criticar do sistema de saúde, tanto mais que as gravidezes anteriores foram tão complicadas como a última. Tinham um bom seguro e boas condições de trabalho como expatriados. "O sistema de saúde público é muito bom, não pagava nada. A gravidez do Gil foi de risco, estive um mês e meio internada, e foram impecáveis. Por exemplo, um pediatra é mais caro em Portugal do que em França. Os meus filhos andavam numa escola pública, sendo que a escola obrigatória começa aos três anos", explica. Até aos três anos é difícil conseguir um lugar no público, em estabelecimentos que funcionam como uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), com mensalidades de acordo com os rendimentos..Em Portugal, o filho está numa creche da Santa Casa da Misericórdia (IPSS), já a filha frequenta uma privada. "Na nossa zona não havia boa oferta de escolas públicas para ela, irá para uma pública quando for para o ensino obrigatório", justifica Vera Toucinho..Outra coisa de que tem saudades é dos transportes públicos franceses, que considera serem muito bem organizados. "Sinto que perdi qualidade de vida porque tenho de utilizar mais o carro". Também porque em Lyon vivia numa cidade de grandes dimensões e, aqui, Lisboa, fica a 30 quilómetros de casa..Quanto à saúde e educação, Vera e Rui sentem que não perderam em regressar. Têm boas referências das escolas e só têm elogios para o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde Vera está a ser seguida. E em Portugal há algo que é fundamental: os afetos. "Os meus filhos são muito mais felizes cá do que em Lyon. Lá, a minha filha ganhou um beijo da educadora no último dia em que foi à escola e porque se vinha embora, aqui, no primeiro dia foi logo para o colo da educadora, com abraços e festinhas". Sem contar com o carinho e o apoio da família.