Um romance extrapicante
Eu estava com alguma dificuldade em olhar Kam de frente. "Simplesmente não quero estar numa relação", disse ele. Aquelas mesmas palavras tinham saído da minha boca ainda há um mês, na última vez que tínhamos tido a conversa. Por isso, percebi-o. O compromisso é stressante. As relações podem ser do pior. O que quer que seja que temos agora não o é. Por que razão haveríamos de querer mudar isso?
E depois ele trouxe-me flores, conheceu os meus amigos e começaram a ser mais as vezes que ficava a dormir comigo do que as que não ficava. Começou a ser difícil dormir sem o calor do corpo dele. Dava comigo a sorrir involuntariamente a caminho das aulas, dando origem a olhares preocupados de quem passava por mim. Encontrei o emoji do beijinho no teclado do meu telefone e comecei a usá-lo. Pior, fazia questão de o usar.
Aquilo era mais do que mero sexo. Até aí era evidente. Quando lhe fiz a pergunta "O que é que nós somos?", não estava a querer passar as coisas para o próximo nível. Apenas queria dar-lhes o nome que eu achava que tinham.
O que não era, como se viu, a ideia de Kam. Ele suspirou e ofereceu-se, talvez, para ter sexo comigo em regime de exclusividade. Admito que fiquei um pouco confusa. Aquilo era o que "ter sexo" significava para ele? Ficarmos a dormir abraçados e chamarmos nomes carinhosos um ao outro? Para mim, essas coisas não faziam parte do sexo descomprometido.
A nossa conversa naquele dia não nos deixou mais perto de resolver as coisas. Kam não queria a responsabilidade de ser um namorado. Eu gostava demasiado dele para continuar naquela situação, que apenas se tornaria mais dolorosa com o passar do tempo. Nós queríamos estar juntos, só não conseguíamos encontrar a moldura certa. Deve haver um rótulo com que possamos concordar os dois, certo?
Kam começou a rir.
"O que foi?", perguntei.
Ele apontou para as rosas que me tinha trazido na semana passada, agora murchas e engelhadas numa caneca de cerveja cheia de uma água que estava a ficar verde. "É como uma metáfora horrível", disse ele.
Alguns meses antes, eu estava no quarto de Kam a trabalhar num conjunto de problemas sentada no seu sofá. Começámos por fazer isso quando nos começámos a dar, antes de nos envolvermos sexualmente.
Às vezes nem sequer fazíamos sexo. Este arranjo estava muito longe de onde tinha começado.
A minha irmã mais velha falou--me uma vez sobre os "amigos de exames com privilégios", pessoas com quem se tem sexo apenas durante a semana dos exames finais para lidar com o stress das provas. Nunca achei que fosse desse género, até ter convidado o Kam no último dia de aulas do período de inverno e, logo, a pergunta "Queres fazer uma pausa no estudo?" se transformou no convite mais sexy de todos.
Kam perguntou-me se eu queria assistir a uma conferência TED (Tecnologia, Entretenimento, Design) que lhe tinha sido passada como trabalho de casa. Era de Malcolm Gladwell sobre marketing. Acontecia que ambos gostávamos do Sr. Gladwell - mesmo que a sua ciência não seja totalmente convincente ou ele simplifique demasiado as coisas. Aninhei-me no peito de Kam e carreguei no play.
No vídeo, o Sr. Gladwell fala sobre a marca Prego. No início da década de 1980, o molho de tomate Prego estava parado nas prateleiras dos supermercados. As pessoas continuavam a comprar a marca Ragu, embora a maior parte das que experimentavam os dois dissessem que o molho Prego era melhor. Os fabricantes do Prego não conseguiam perceber o que se passava, por isso contrataram um guru do marketing para testar todas as variantes possíveis de molho de tomate junto do povo americano.
Mesmo assim, o Prego continuava a ser o melhor; tinha todas as qualidades que a maioria das pessoas gosta num molho de tomate. (Aqui, Malcolm Gladwell floresce). Eis que o guru muda o destino da comida pré-embalada na sua cabeça: decide que estávamos a fazer tudo mal. Por que fazer o molho perfeito para a maioria das pessoas quando se pode comercializar alguns molhos diferentes e dar às pessoas a opção de comprar o seu verdadeiro favorito?
Em breve, o Prego apareceu com o molho de tomate com extrapedaços e fez 600 milhões de dólares numa década. Esse guru é a razão para que tantos condimentos, pães e bolachas apareçam agora com dúzias de sabores diferentes.
O meu pai não pode, de maneira nenhuma, fazer compras no supermercado porque nunca consegue encontrar o sabor certo de húmus, mesmo que este esteja à frente do seu nariz. Nunca repara nas pequenas diferenças até ter comprado as embalagens de baixo teor de sal, sem gordura e extrapicante. Eu costumava subir pelas paredes.
O meu pai acha uma loucura que tenhamos tantas opções. É claro que é excessivo haver 15 manteigas de amendoim diferentes, mas isso também permite que eu fique divinamente feliz com a naturalmente estaladiça, em vez de ficar meramente satisfeita com a cremosa comum. Há tantas opções diferentes agora, que todos conseguimos exatamente aquilo que queremos, por vezes antes de sabermos que o queríamos.
Suponho que o facto de os rótulos das relações já não terem apenas duas versões, "solteiro" ou "numa relação", seja um sinal de quanto evoluímos.
Hoje em dia, qualquer pessoa que esteja disposta a comprometer-se é chamada de antiquada e "estar numa relação" está no ponto mais afastado de uma larga escala. Primeiro vem solteiro, depois dar-se com alguém, amigos com privilégios, parceiros sexuais (tudo físico, nada de amizade), relações de inverno (um parceiro temporário e de confiança para o inverno, quando está demasiado frio para sair e conhecer pessoas, uma modalidade favorita dos nordestinos), sexo exclusivo (tudo físico com um único parceiro), namoro e finalmente, na linha da meta, "numa relação".
Finalmente, evoluímos o suficiente para demarcar aquela horrível zona cinzenta entre o solteiro e o comprometido para que toda a gente possa ter exatamente aquilo que quer.
Só que os humanos, claro, são um bocadinho mais complicados do que o molho de tomate. Se comprarmos o Prego com pedaços temos sempre o mesmo produto. Se comprarmos o rótulo "relacionamento sexual", ele pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Ou pior, ele pode mudar com o tempo e exceder a sua própria definição. E, aí, precisa de um novo rótulo.
Kam e eu estávamos fartos de não chegar a sítio nenhum na conversa de "O que é que nós somos?", assim, desistimos ao fim de uma hora e adormecemos. Aquela questão do rótulo parecia que nos estava a afastar e nenhum de nós queria isso. Mas na manhã seguinte eu continuava ansiosa.
Nessa noite eu tinha um ensaio de comédia improvisada. Era o nosso último ensaio antes de mudarmos de encenador, por isso organizámos um ensaio "bêbado". Sarah trouxe um carregamento de litrosas. Caleb despejou um saco de plástico cheio de shots em cima da mesa: garrafinhas de bebidas de avião. Sob aquela influência, as cenas que estávamos a ensaiar transformaram-se rapidamente em teatro experimental.
Ninguém queria trabalhar depois do ensaio, por isso fomos para casa de Caleb e atirámo-nos para cima da cama dele a ouvir a nova música de Drake. Caleb dá bons conselhos, por isso sentei-o e comecei a desabafar.
Kam não quer um relacionamento, expliquei. Eu não quero estar com alguém que não tenha o mesmo empenho do que eu. Mas Kam não me quer perder e eu não o quero perder a ele. Deve haver algum tipo de relação que faça que isto funcione.
Caleb, que tinha atingido a estranha lucidez da bebedeira, ouviu tudo e depois abanou a cabeça. "Acho que ele está apenas a ser cobarde", disse.
Fiz uma pausa. "Sim, acho que está."
Com um breve acesso de coragem, mandei uma mensagem a Kam: "Há alguma hipótese de falarmos esta noite?"
"Sim, claro", respondeu ele. "Posso ir ter contigo dentro de uma hora."
"Vou falar com ele", disse eu a Caleb.
"Eu vou apagar", respondeu.
Uma hora depois, Kam estava sentado aos pés da minha cama.
Por muito bom que seja termos desenvolvido uma panóplia de rótulos para os relacionamentos, a certo momento esses nomes intermédios parecem uma maneira fácil de evitar confrontarmo-nos com os nossos sentimentos. Eu não queria uma relação com Kam porque não queria ter de me questionar sobre o que sentia verdadeiramente em relação a ele. Queira mesmo comprometer--me? Tinha medo de que a resposta fosse não. Ou, pior ainda, sim.
Disse-lhe isto enquanto abraçava uma almofada. Não queria fazer-lhe um ultimato. Apenas queria que ele se perguntasse honestamente o que é que sentia. Vamos avançar nisto? Ou quererá ele recuar?
Ele disse que queria avançar.
Aquilo saiu-lhe tão depressa que o obriguei a repetir.
"Tu queres...?"
"Sim."
Pousei a almofada.
"Queres ser minha namorada?" perguntou-me.
Sim. Sim. Por favor. Sim.
Inclinei-me para o beijar e ele lambeu-me a cara, como um cão.
"E esta foi a primeira vez que te irritei, como teu namorado", disse ele.
Semanas mais tarde, ainda me sentia sorridente, carente, estúpida e ocasionalmente obsessiva. Ser-se namorada pode ser tão complicado como foi ter um relacionamento sexual. Sinto a falta dele com demasiada frequência. Quando não consigo conter-me, mando-lhe uma mensagem parva. Às vezes um emoji coração. Às vezes um "tenho saudades tuas".
Como todas as raparigas apaixonadas, sustenho a respiração à espera da resposta. Aquelas reticências são infinitamente vagas. E depois lembro-me de que ele disse que sim. Nós avançámos. Nós estamos a avançar.