No último mês, Caetano Veloso passou por França, Inglaterra, Líbano, Dinamarca, Itália, Bélgica, Espanha e Finlândia. A idade não o impede de programar tournées longas. No palco, o músico rejuvenesce. "Gosto de cantar. É uma das coisas que mais gosto de fazer. Então, é prazeiroso fazer shows", escreve, respondendo às perguntas do DN, por e-mail..Depois do imenso êxito de Sozinho e do álbum Prenda Minha, muitos pensaram que Caetano se iria "acomodar" no violão e nas baladas, com sucesso internacional garantido. Mas isso não aconteceu. Já tinha saudades do rock?.Não tinha saudades do rock porque nunca o abandonei. Nunca fui um rockeiro mas sempre tive o rock como estímulo. Desde 1966. Sozinho, aliás, uma canção que nos anos 60 seria considerada pop-rock, nem ia entrar no CD Prenda Minha. Eu achava que era uma interpretação amadorística de algo a que me referia no show como sendo genial nas vozes de Sandra de Sá e Tim Maia. Mas todos gostavam dela assim mesmo, e a faixa fez do CD um sucesso de milhões (a única vez na minha vida que isso aconteceu). Mas o CD era uma mirada brasileira e rockeira do legado de Gil Evans, com o cello rock de Morelenbaum e as percussões da axé music do carnaval baiano. Essa subida repentina de vendas não me abalou. Segui em frente fazendo o que achava que tinha de fazer. Cê e Zii e Zie são resultado natural dessa atitude..Definiu Zii e Zie como um disco de transambas ou transrock. De mistura, portanto. Caetano continua tropicalista?.Não é que eu goste tanto de misturar (na verdade não gosto muito de fusions). É que cresci ouvindo coisas variadas, e a presença da música de massas norte-americana é como folclore urbano internacional para pessoas da minha geração. O tropicalismo quis ser leal a essa realidade. Nesse sentido, continuo tropicalista..Neste disco fala muito do Rio de Janeiro, mas a sonoridade é muito mais paulista, não é? Já se perdeu a ingenuidade de "o amor, o sorriso e a flor"?.Nada era ingénuo em O amor, o sorriso e a flor. Sofisticação e consciência dos meios eram a força da bossa nova. Nada ainda superou João Gilberto. E quanto à sonoridade de Zii e Zie, ela é cem por cento carioca. Os três músicos com quem toco são típicos representantes da cena rock moderna do Rio. É uma cena vasta, actuante e intensa. .Existe uma dimensão política, desde sempre, na sua obra. Como músico sente que não se pode alhear da vida pública? Que não poderia deixar de fazer uma música de intervenção como A Base de Guantánamo?.A Base de Guantánamo é um texto de constatação. Eu retirei-o de um e-mail que mandei a uma amiga americana. Era uma frase em prosa. Depois achei que era muito sintética, que continha exactamente o que sinto e penso a respeito da questão. Fidel Castro escreveu contra mim porque eu fiz a música e declarei a um jornal paulista que não acho que Cuba respeite mais os direitos humanos do que os Estados Unidos. Mas as frases políticas que mais me interessam em Zii e Zie estão em Lapa e Falso Leblon: são frases sobre a responsabilidade futura do Brasil..Está desiludido com a presidência de Lula? .Lula nunca me desiludiu. Eu não esperava tanto. Lula tem muita sorte e foi muito inteligente em não desfazer o esquema económico que Cardoso estruturou. E de facto contribuiu para a diminuição da desigualdade de renda do brasileiro. .No filme Coração Vagabundo, tal como já tinha feito no livro Verdade Tropical, expõe-se muito. Tem necessidade de falar sobre si para se fazer entender? .Escrevi Verdade Tropical, relutantemente, a pedido de um editor americano que tinha lido o meu artigo sobre Carmen Miranda, no New York Times. Acabei achando que valia o sacrifício contar a experiência brasileira do tropicalismo nos anos 60. Quanto a Coração Vagabundo, começou por ser para os extras de um DVD de A Foreign Sound. O DVD nunca foi feito e o director resolveu usar o material e transformá-lo num filme. Achei até que ficou bom. Mas não estava interessado em falar e me explicar ao mundo. É como aqui: você me enviou perguntas, estou respondendo. Gosto de conversar e não tenho nada a esconder. Mas não sinto ímpetos de sair contando minha vida..Disse numa entrevista que é "um cara que tem saudades da juventude". Do que sente mais falta? .Tenho saudade da juventude física. Há uma alegria específica da juventude que é independente de você se achar ansioso ou tenso ou inseguro: é a felicidade carnal directa de ser jovem. Mas acho a vida gostosa agora também. Não me orgulho muito do que fiz. Sinto grande alegria em ver os meus filhos crescendo e sendo muito inteligentes e originais. Mas as canções e os discos não me satisfazem. Ainda quero fazer algo nesse campo que justifique minha adesão à actividade.