Um realizador veterano ligado à tradição do cinema francês
Chega hoje às salas portuguesas um dos filmes marcantes da edição deste ano do Festival de Cannes: Um Profeta, de Jacques Audiard, acabou mesmo por arrebatar o Grande Prémio do Júri (o segundo mais importante do certame, logo a seguir à Palma de Ouro), conseguindo entretanto acumular várias distinções. Assim, nos Prémios do Cinema Europeu, o protagonista Tahar Rahim foi eleito Melhor Actor do ano, tendo sido também distinguidos os técnicos responsáveis pelo som do filme. Nos Globos de Ouro, está nomeado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, enquanto nos Óscares, para a mesma categoria, concorre às nomeações como representante da França.
Um Profeta é um drama em grande parte passado numa prisão, centrado na personagem de Malik (Tahar Rahim), um jovem de origem árabe que se envolve com um gang de outros prisioneiros, originários da Córsega.
O chefe, César (Niels Arestrup), acaba por adoptá-lo como uma espécie de discípulo dilecto, no fundo confrontando Malik com um dilema muito cru: o distanciamento do gang põe em cheque a sua própria sobrevivência.
Para Audiard, a abordagem de histórias relacionadas com o mundo do crime não é uma novidade. Nascido em Paris, em 1952, começou a trabalhar no cinema na década de 70 como argumentista de filmes mais ou menos ligados ao género policial. Por vezes em tom de aventura, como no caso de O Profissional (1981), uma grande máquina de produção dirigida por Georges Lautner e protagonizada por Jean-Paul Belmondo; outras vezes em tom mais dramático, em títulos como Mortelle Randonée (1983), de Claude Miller, ou Fréquence Meurtre (1988), de Élisabeth Rappeneau. A estreia na realização aconteceu com Regarde les Hommes Tomber (1994), título que lhe valeu o César para a Melhor Primeira Obra.
O grande salto qualitativo deu-se com um filme que conseguiu a proeza de gerar fenómenos de culto em contextos muito diversos. Chamava-se De Tanto Bater o Meu Coração Parou, adaptava um thriller americano de 1978 (Fingers, de James Toback, com Harvey Keitel) e colocava em cena alguns temas que Um Profeta volta a abordar: a relação tensa de duas gerações e o conflito, social e psicológico, entre a legalidade e o submundo do crime. O filme obteve muitos prémios em vários contextos, com inevitável destaque para uma invulgar performance nos Césares: nada mais nada menos que oito distinções, incluindo a de Melhor Filme de 2005 e, para Audiard, Melhor Realização e Melhor Argumento (neste caso partilhado com Tonino Benacquista).
Mais recentemente, Audiard tem tido um papel de relevo na discussão do futuro do cinema em França, sendo uma das personalidades envolvidas no chamado "Clube dos 13", reunido por iniciativa da cineasta Pascale Ferran (de quem estreou, entre nós, Lady Chatterley). Formado por treze personalidades do cinema francês (realizadores, produtores, exibidores, etc.), o grupo veio chamar a atenção para as dificuldades crescentes em montar projectos "medianos" que não encaixem nos modelos mais favorecidos pelo marketing.
Trata-se, afinal, de denunciar os perigos de uma bipolarização entre os projectos sustentados por orçamentos megalómanos e os pequenos filmes "empurrados" para guetos de exibição. Em causa está a diversidade da produção e, por fim, a preservação da dimensão mais genuinamente popular do cinema francês.