Um provedor que entrou na ação social quando ia fazer uma sabática
Era um sonho, mas Edmundo Martinho nunca pensou muito como e se o iria concretizar. Foi fazendo a sua carreira profissional e, de repente, estava na sua cadeira de sonho: ser provedor da Santa Casa, cargo que ocupa faz agora um ano. No entanto, sublinha que este "não caiu do céu aos trambolhões", ou não estivesse na Santa Casa como vice-provedor já desde 2016. "É de alguma forma uma continuidade e, portanto, o balanço tem de ser feito em conjunto, porque estas instituições vivem muito da sua continuidade, vivem daquilo que são os projetos que se prolongam no tempo." Por isso, desafiado a fazer um balanço, o especialista em serviço social prefere fazer o "balanço em termos pessoais", pois para o fazer "em termos institucionais é muito cedo. O tempo dirá como as coisas estão a correr e como se refletem na vida da instituição e das pessoas".
Nessa análise mais pessoal, Edmundo Martinho admite que o trabalho "tem correspondido ao que esperava, no sentido em que é uma missão muito exigente, mas muito gratificante, ao mesmo tempo".
"A Santa Casa proporciona condições de trabalho a todos nós que permitem fazer coisas, meter as mãos na massa, ter um conjunto de intervenções relativamente às quais conseguimos ver os resultados e isso é muito mobilizador. E é, sobretudo, muito animador para quem trabalha estas áreas, e o meu caso é esse, que trabalho nestas áreas há tantos anos. Sentimos que esta é uma organização que permite que se façam coisas e que essas coisas podem ter um impacto na vida das pessoas. E isso é muito importante."
Ao longo destes primeiros 365 dias, o provedor percebeu também a diversidade de campos que a instituição abarca: "Da saúde à ação social, do património à cultura, dos jogos ao apoio ao desporto, enfim, toda uma panóplia de intervenções que tornam esta uma instituição relativamente complexa, mas isso também é um fator de grande mobilização."
Com uma carreira quase exclusiva nas áreas da ação e proteção social, o provedor não esconde que este cargo faz sentido na sua carreira: "É aquele tipo de funções que faz sentido para quem está nestas áreas sociais. E não escondo que em determinado momento da minha vida profissional achava que era um lugar que gostava de fazer, sem me passar pela cabeça que viria a cumprir isso."
Pelas funções que foi desempenhando, Edmundo Martinho foi percebendo ao longo dos tempos que a Santa Casa tinha "um capital de inovação, de modernidade, técnico, que a tornavam muito atraente em termos de trabalho". E é vista como uma referência para quem trabalha nestas áreas, constata.
Aos 13 anos, Edmundo Martinho fez testes psicotécnicos para perceber que área deveria seguir. Assistente social era o resultado "destacado". Na época, o atual provedor teve dúvidas sobre o resultado, porque era uma área tradicionalmente mais feminina e o jovem Edmundo achava que não se enquadraria nela. Por isso, na hora de entrar para a faculdade escolheu Direito, mas depressa percebeu que essa não seria a sua carreira. Teve tempo para pensar enquanto cumpriu o serviço militar (esteve em Angola na Força Aérea). Regressado a Portugal, decidiu ver os planos curriculares dos cursos, pois como oficial miliciano da Força Aérea podia escolher o curso que quisesse. "Fui ver todos os planos e o que mais me agradou foi serviço social" - ou seja, acabou por dar razão aos testes psicotécnicos.
Gostou do curso, mas Edmundo Martinho estava decidido a dar uma vida difícil à sua vocação e quando começou a trabalhar também não optou pela área. Durante 18 anos trabalhou na indústria farmacêutica, embora sempre mantendo uma grande proximidade com os temas da ação e proteção social. Chegou o ano de 1996 e com ele o fim da carreira na indústria farmacêutica. "Disse 'já chega'."
O plano era fazer "uma espécie de sabática", mas manteve-se sempre ativo nas áreas sociais e acabou por receber um telefonema do Ministério do Trabalho que lhe mudou a vida. Queriam que fosse o rosto do lançamento do rendimento mínimo - era "o evangelizador", como se auto descreve, e nunca mais parou de estar na área que desde os 13 anos estava destinada a ser a sua ocupação.
Depois de andar de terra em terra a explicar o que era o rendimento mínimo - e está satisfeito com o caminho que Portugal fez na aceitação desta prestação social -, Edmundo Martinho esteve no lançamento do Instituto para o Desenvolvimento Social, que acabou extinto e integrado no Instituto da Segurança Social, passou pelo Instituto da Segurança Social e pela Comissão de Proteção de Menores, e ainda pela União das Mutualidades. Esteve três anos em Genebra na Associação Internacional de Segurança Social, um ano como consultor da Segurança Social de Angola e, por fim, chegou à Santa Casa da Misericórdia como vice-provedor, em março de 2016.
Quando olha para a sua carreira, Edmundo Martinho acredita que o rendimento mínimo (hoje, rendimento social de inserção) fez realmente a diferença. "Inaugurou uma maneira nova de se entender a proteção social, a forma como se estruturou e as exigências técnicas que colocou na altura tornaram muito mais exigente o trabalho técnico."
O provedor acredita ainda que o rendimento mínimo marcou as prestações que se seguiram e que teve oportunidade de acompanhar de perto, como presidente do Instituto de Segurança Social.
Agora do lado de quem é parceiro da Segurança Social e não de quem dita as regras, Edmundo Martinho confessa que há vantagens e desvantagens de estar numa instituição como a Santa Casa: a desvantagem de não ter regras como na administração pública é ao mesmo tempo a vantagem de ter uma maior capacidade de manobra, por não estar preso a procedimentos rígidos.
No dia a dia, a dimensão da Santa Casa não é menor, já que em Lisboa tem as responsabilidades da Segurança Social, por delegação de competências. Um envolvimento na vida da cidade que faz com que seja uma peça determinante para a vida da capital e dos lisboetas. "Temos a sensação de que o que estamos a fazer tem impacto na vida das pessoas". Um impacto que Edmundo Martinho espera que seja positivo - para tal conta com uma convicção de ferro, longe da mão de ferro que tem apenas de nome (no apelido Mão de Ferro).
Entre os vários projetos previstos para o próximo ano destacam-se dois que visam o apoio aos jovens. O primeiro é um centro em Lisboa para assegurar a saúde oral gratuita a todas as crianças da cidade até aos 18 anos. O acesso será completamente livre e o objetivo é que esteja a funcionar dentro de três, quatro meses. Falta decidir o local onde se vai situar, estando já em avaliação três ou quatro possíveis. O provedor Edmundo Martinho não excluiu a possibilidade de existir mais do que um local de atendimento. No centro funcionarão um conjunto de consultórios com profissionais (dentistas e higienistas orais) contratados pela Santa Casa.
O outro grande projeto é a reconversão das instalações antigas do hospital ortopédico de Sant"ana, na Parede. O objetivo é adaptá-las e adequá-las a um centro de cirurgia ortopédica pediátrica, que é uma lacuna sentida pelo sistema e que a Santa Casa, sublinha o provedor Edmundo Martinho, "tem condições para poder avançar nesse sentido". A par disso, o antigo Hospital Militar da Estrela vai acolher uma unidade de cuidados continuados.