Um protesto transformado em desafio contra os ayatollahs
Ao terceiro dia de protestos no Irão, as forças do regime mataram manifestantes em Doroud (duas a quatro pessoas, de acordo com as fontes das redes sociais). Para hoje há mais "reuniões ilegais" marcadas a exigir o fim do regime.
"Sinal de alarme para todos", titulava a capa do jornal iraniano Arman no sábado face ao segundo dia de protestos em vários pontos do país. Nem de propósito, no mesmo dia em que a cidade de Mashhad, no Nordeste do país, iniciava a onda de protestos contra o aumento de preços e o fim de subsídios, um sinal de moderação: a polícia da capital anunciava que não iria mais perseguir e prender as mulheres que não estejam vestidas de acordo com o código de vestuário imposto pela revolução islâmica de 1979.
Em julho de 2015, milhares de pessoas tomaram as ruas de Teerão - em festa. O acordo sobre o programa nuclear iraniano entre o presidente Hassan Rouhani e o denominado Grupo 5+1 (os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais a Alemanha) e a União Europeia abriam perspetivas de um futuro sem sanções económicas e menos isolado politicamente. Na altura, o antigo presidente da autarquia de Teerão, Gholamhossein Karbaschi, afirmou: "O Irão vai agarrar a oportunidade de dar passos concretos para resolver os problemas económicos decorrentes das sanções."
Mas não foi isso que aconteceu. Na frente externa, as despesas multiplicaram-se (para não falar das baixas militares). Além do histórico apoio ao Hezbollah, no Líbano, e ao Hamas, na Palestina, o Irão envolveu-se no combate ao Estado Islâmico quer na Síria quer no Iraque, e também no Iémen, ao apoiar os houthis contra o regime pró-saudita. No plano interno, com o desemprego a subir (12,4%) e a inflação nos 10%, o governo aprovou medidas impopulares. Aumentou o preço dos combustíveis, com o litro da gasolina a passar de 23 cêntimos para 34 cêntimos e o litro do gasóleo de seis cêntimos para nove cêntimos. E cortou nos subsídios a 34 milhões de pessoas. No ano passado, 4,8 milhões de iranianos tinham ficado sem esse subsídio criado em 2010, durante a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, para compensar o fim de subsídios aos combustíveis e à alimentação. Cada iraniano passou a receber mensalmente como abono o equivalente a 10,5 euros.
Por fim, o anúncio do aumento de 6% nas despesas militares - e em especial nos guardas da revolução, aos quais são alocados 60% do orçamentado para a defesa - também não terá sido bem acolhido pela população, a avaliar pelos cânticos dos manifestantes, que na sexta-feira e no sábado se multiplicaram em número e em locais, à cabeça Teerão.
E se os protestos foram desencadeados pelas condições económicas, como muitas vezes sucede - basta lembrar como a Primavera Árabe eclodiu -, aqueles rapidamente se transformaram contra o presidente Rouhani, o guia supremo Khamenei e por fim ao regime teocrático. "A juventude está desempregada e os clérigos andam de limusina", "o povo pede e os clérigos comportam-se como Deus", ouviu-se nas ruas.
Marcados através de redes sociais como o Telegram e Instagram, as manifestações passaram a incluir palavras pouco simpáticas para com o ayatollah Khamenei, assim como a queima de cartazes com a sua imagem. O presidente, tido como moderado, foi o primeiro alvo da raiva: "Morte a Rouhani." Este desconfia da linha dura do regime, uma vez que Mashhad é a cidade do homem que derrotou nas eleições de maio, o conservador Ebrahim Raisi, bem como do seu sogro, o clérigo ultraconservador Ahmad Alamolhoda. O vice-presidente Eshaq Jahangiri sugeriu que foram aqueles quem começaram os protestos e depois perderam o controlo da situação. "Aqueles que estão por trás destes acontecimentos vão queimar os próprios dedos", augurou.
Prova de que as manifestações não terão uma liderança é a variedade de mensagens, que incluem cânticos ao xá Reza Pahlavi, afastado pela chegada ao poder do ayatollah Khomenei, em 1979, mas outras como "nem Gaza nem Líbano, a minha vida é pelo Irão".
Estes são os maiores protestos desde 2009, quando a reeleição de Ahmadinejad foi contestada pela onda verde dos apoiantes de Mir-Hossein Mousavi e acabou meses depois com a morte de dezenas de manifestantes e a detenção de milhares, incluindo a de Mousavi e de outro candidato, Mehdi Karroubi. Desde 2010, a vitória do regime em relação ao movimento verde tem sido comemorada todos os anos com manifestações em todo o país. Ontem também estes saíram à rua.