"Um professor não tem de saber só muita matemática, tem de saber relacionar-se"
Seria aceitável em Portugal um modelo como o da Finlândia?
Do ponto de vista institucional, a Finlândia é um case study. Sou professor de Educação Comparada e uma das primeiras questões que coloco aos meus estudantes é que o princípio fundamental é a contextualização.
Não se deve aplicar modelos sem atender à realidade local?
A Finlândia é um país socialmente muito homogéneo, que aprendeu a ler antes da escola. Nos países de matriz protestante, a generalização da leitura e da escrita é feita antes da massificação da escola, porque nas religiões que saem do luteranismo e do calvinismo a leitura da Bíblia é obrigatória. O ensino da leitura era feito primeiro às mulheres para ensinarem aos maridos e aos filhos. Enquanto nós tínhamos 80% de analfabetos, a Finlândia tinha já quase 100% de alfabetizados na transição do século XIX para o século XX.
Também é diferente o estatuto dos professores na sociedade?
É mais difícil entrar na Finlândia na formação de professores do que em Medicina. São dez candidatos para uma vaga. Os professores não ganham muito mas também não ganham mal, têm muitas férias, administram o seu tempo. Há muitos jovens que preferem ter uma vida prestigiada pela sociedade, com uma qualidade de vida razoável, não muito stressada. Não há megaescolas, são pequenas unidades muito comunitárias. Todos os professores têm o correspondente ao mestrado. Quando se seleciona um para dez, há logo uma regulação imensa. A seleção não é apenas por saberem muita matemática. Também é ver se têm capacidade de empatia, de se relacionar, e isso não se vê num exame escrito. Há excelentes cientistas que são péssimos professores e excelentes comunicadores que são uns vendedores de banha da cobra. Ser professor é simultaneamente uma profissão e um ofício, um métier. Os ofícios são aprendidos com os outros. Com a universitarização de muitos cursos houve uma separação entre formação e prática.
Mas na preparação de professores isso não é absurdo?
É absurdo, sim. Há que fazer um regresso à ideia de que ser professor é uma profissão mas também um ofício que se aprende fazendo. Se quisermos processos de mudança, temos de ser capazes de criar contextos em que as pessoas experimentem e façam de outro modo. Em todas as profissões, nomeadamente na de professor, há a busca de uma certa segurança. Posso estar consciente de que a fórmula não tem grandes resultados, mas só mudo quando sou capaz de reconstruir isso. A insatisfação pode levar-me a pensar que tenho de mudar mas isso não é automático. Tenho que ver que existe outro método, que dá melhor resultado. Tem de haver autoconhecimento e este só se transforma em prática quando sou capaz de reconstruir, porque senão era muito fácil mudar na escola. Esta pressão dos exames e da estandardização é o contrário do que existe na Finlândia, onde não há exames. A sociedade confia nos professores.
Temos em Portugal muitas escolas do modelo da Escola Moderna. É muito diferente das novas teorias?
Têm muitos pontos comuns. Diferencia-os a história, em primeiro lugar. O Movimento da Escola Moderna é herdeiro do pedagogo francês Célestin Freinet, os jesuítas foram buscar muito ao norte-americano John Dewey. Há três grandes pedagogos do início do século XX: Dewey, Freinet e Paulo Freire. Freinet tem uma pedagogia de cooperação e de responsabilização. A Escola Moderna tem em Portugal uma rede muita grande de professores, desde a educação pré-escolar até professores universitários. A aprendizagem, nomeadamente da leitura e da escrita, faz-se a partir do quotidiano e dos saberes. É uma pedagogia do trabalho. A sala de aula é organizada pelo professor como uma fábrica, com as tarefas bem distribuídas. Mas há professores do Movimento da Escola Moderna que não estão inseridos numa escola que pratica isso globalmente. A Escola da Ponte, de Santo Tirso, é mais conhecida porque toda a escola se organizou desse modo, conseguiu um contrato de autonomia que lhe permite ser diferente das outras. Felizmente estão a multiplicar-se as escolas com novos métodos.