Um produto do Kansas e do Quénia

Percurso de vida desde a era Kennedy à sucessão de George W. Bush.
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Quando Ann Dunham deu à luz o filho mestiço no Havai, a 4 de Agosto de 1961, o seu casamento com um queniano ainda era considerado ilegal em vários estados dos EUA. Os dois anos que então faltavam até ao assassínio do presidente John F. Kennedy seriam, no entanto, suficientes para pôr fim ao idílio entre a rapariga do Kansas e o estudante africano que conheceu nas aulas de Russo. O filho, Barack como o pai, ficou com ela quando este decidiu trocar a segunda família (a primeira ficara no Quénia) por uma bolsa de estudos em Oxford. E a criança acabou por acompanhar a mãe na ida para a Indonésia, onde Ann viveu quatro anos com o segundo marido.


Em 1967, a três mil quilómetros da escola de Obama em Jacarta, bombardeiros americanos enviados por Lyndon Johnson, o homem que sucedera a Kennedy na Casa Branca, lançavam bombas sobre o Vietname comunista numa tentativa de encurtar uma guerra que os EUA acabariam por perder. Alheio a este conflito, tal como à luta pelos direitos civis dos negros que levaria ao assassínio de Martin Luther King, em 1968, o pequeno Obama , "Barry", como era chamado pelos colegas, crescia sem pensar que anos mais tarde os tempos de aluno num país muçulmano iriam levantar muitas dúvidas sobre a sua religião.


De volta ao Havai em 1971, Obama foi viver com os avós maternos. Único negro na escola de Punahou, estava mergulhado na luta entre a sua educação branca e a sua pele escura quando o presidente Richard Nixon teve de se demitir devido ao escândalo a que deu nome o edifício Watergate, local da sede democrata onde este autorizou escutas. Uma fase difícil que a presença da mãe, regressada ao Havai, o ajudou a ultrapassar. Mas a antropóloga voltaria a partir para a Indonésia e não assistiria à experiência do filho com drogas. "Quando era miúdo, inalei", admitiu Obama ao International Herald Tribune muitos anos mais tarde, já candidato à Casa Branca.


Terminado o liceu, Obama prosseguiu os estudos na Califórnia, antes de ingressar na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Em plena era Reagan, enquanto o mundo sonhava com o fim da Guerra Fria, mudou-se para Chicago, onde se empenhou no serviço comunitário enquanto estagiava num escritório de advogados. Foi aí que conheceu Michelle Robinson. Alta, esbelta e bem-sucedida, esta começou por pensar que o seu jovem estagiário não passava de um convencido. Foram precisos dois encontros e uma visita ao South Side de Chicago, onde Obama trabalhava com as comunidades mais pobres, para Michelle se convencer que encontrara o homem da sua vida. Casados há 15 anos, os Obama têm duas filhas, Malia, de dez anos, e Sasha, de seis.


Foi também em Chicago que Obama conheceu Jeremiah Wright, o pastor que o iniciou na religião na United Church of Christ. Na campanha presidencial, o homem que o casou e baptizou as filhas quase se revelou fatal para as ambições do democrata, causando polémica com os seus discursos de teor racista e antipatriótico, obrigando Obama a cortar relações.


Foi com Reagan a dizer adeus à Casa Branca e o Muro de Berlim prestes a cair que Obama começou o mestrado em Direito na Universidade de Harvard, onde foi o primeiro negro a dirigir a prestigiada revista do curso. Um percurso brilhante que, depois de alguns anos a exercer como advogado e a dar aulas na Universidade de Chicago, o levou ao Senado do Ilinóis, para onde foi eleito em 1996. Enquanto os EUA e o mundo acompanhavam a "novela" Monica Lewinsky, interrogando-se se o presidente Bill Clinton ia ser demitido por mentir sobre a sua relação com a estagiária da Casa Branca, o senador construía uma carreira sólida, mas discreta.


Obama estava a recompor-se de uma derrota para a Câmara dos Representantes quando os atentados de 11 de Setembro de 2001 abalaram os EUA. Apoiante da guerra no Afeganistão, o senador foi das poucas vozes que se opuseram à invasão do Iraque dois anos depois, em retaliação pelos ataques que marcaram a presidência de George W. Bush. Num protesto antiguerra em 2002, Obama alertou para o facto de os EUA estarem prestes a envolver-se num conflito que iria exigir "uma longa ocupação do país". Um aviso que poucos democratas fizeram - a maioria votou a favor da invasão - e que foi um argumento de peso na candidatura de Obama à Casa Branca, lançada em 2007, dois anos após tomar posse no Senado federal. E após uma vitória no mínimo inesperada nas primárias sobre Hillary Clinton e toda a máquina que apoiava a ex-primeira dama, Obama convenceu os americanos que a hora da mudança chegou. No próximo dia 20 de Janeiro, será o primeiro negro a sentar-se na Sala Oval da Casa Branca.

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