Um presidente alemão crítico dos pregadores do ódio

Candidato do SPD, apoiado pela CDU/CSU de Angela Merkel, Frank-Walter Steinmeier, de 61 anos, foi hoje eleito como novo chefe do Estado pela Convenção Federal.
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Menos interventivo no Twitter do que Donald Trump - a quem classificou muito recentemente como "pregador do ódio" -, Frank-Walter Steinmeier, de 61 anos, foi hoje eleito presidente da Alemanha.
Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de grande coligação até há bem pouco tempo, o último tweet de Steinmeier, do SPD, data de 29 de maio de 2016. E foi para criticar Alexander Gauland, vice-presidente do partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD), que a um jornal alemão disse que "as pessoas não querem [Jerome] Boateng como vizinho" - em referência ao defesa central do Bayern de Munique, filho de mãe alemã e pai ganês, que três meses depois seria eleito pelos jornalistas o melhor jogador do ano na Alemanha.

Steinmeier foi eleito por 931 votos, num total de 1.239 grandes eleitores. Na votação participaram os membros da Convenção Federal, órgão que é composto pelos 630 deputados do Bundestag e igual número de pessoas que representem os 16 estados federados. E não têm de ser necessariamente políticos. Um dos representantes do estado de Bade-Vurtemberga, pelo partido Aliança 90/Os Verdes, é por exemplo Joachim Löw, técnico da seleção nacional de futebol - onde joga precisamente Jerome Boateng.

Candidato do SPD, apoiado pela CDU/CSU de Angela Merkel, Steinmeier sucede ao independente Joachim Gäuck no cargo de presidente da Alemanha. Aos 76 anos, Gäuck decidiu não se recandidatar. O cargo de chefe do Estado alemão é fundamentalmente representativo, ao contrário do que acontece nos EUA com Donald Trump.

A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou hoje que o social-democrata será um "magnífico" Presidente da Alemanha e mostrou-se convicta da sua capacidade para alcançar consensos em "tempos difíceis".

"Vai ser Presidente em tempos e Merkeldifíceis", sublinhou Merkel em breves declarações à imprensa após a votação. Na opinião da chanceler alemã, Steinmeier tem não só o apoio da Assembleia, como da maioria do povo alemão.

Merkel destacou ainda que quando ocupou o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, Steinmeier sempre teve "tacto" para "procurar caminhos e encontrar soluções" nas situações mais difíceis e considerou que essa característica também o vai ajudar na política interna. "Este é um dia bom para a Alemanha", disse.

Inicialmente a chanceler democrata-cristã preferia Norbert Lammert, presidente do Bundestag - que é da sua família política. Mas como este não avançou, Merkel teve de optar por apoiar o candidato do SPD.

"Estou feliz com esta nomeação porque acredito que é o candidato certo para ser o presidente. O senhor Steinmeier é um homem do centro político e respeitado pela sociedade e pelo mundo empresarial, tanto a nível interno como a nível externo. Em tempos de particular instabilidade e incerteza global, penso que é um sinal de estabilidade o apoio dos partidos conservadores ao senhor Steinmeier. É um sinal importante", declarou Merkel, em novembro do ano passado.

"Estou grato pela confiança que depositam em mim e reconheço a importância deste cargo. Tenho acompanhado o nosso país nos bons e nos maus momentos. Esta sociedade tem o poder de se libertar de situações difíceis porque nós esforçamo-nos e, por isso, conseguimos ultrapassar as crises", disse então Steinmeier, numa altura em que os populistas da AfD, que acusa de suscitar o medo, não param de subir nas sondagens e já conseguiram representação em vários parlamentos regionais.

As eleições legislativas alemãs de 24 de setembro, nas quais o candidato do SPD é Martin Schulz, não serão um teste apenas para a CDU/CSU da chanceler Merkel. Também os sociais-democratas, que nestes últimos cinco anos estiveram no poder com ela, enfrentam um desafio importante. A AfD, que nasceu como partido antieuro, radicalizou-se e passou a adotar posições de extrema-direita, sobretudo no que toca às críticas feitas à política de porta aberta para os refugiados levada a cabo por Merkel.

Filho de carpinteiro

Nascido em Detmold, na Renânia do Norte-Vestefália, Steinmeier é filho de um carpinteiro e estudou Ciência Política na Universidade de Giessen no estado do Hesse. Em 1991 tornou-se conselheiro para a Comunicação e os Media da chancelaria da Baixa Saxónia e dois anos mais tarde foi nomeado chefe de gabinete do então ministro presidente da Baixa Saxónia, Gerhard Schröder. Quando este chegou a chanceler da Alemanha, em 1998, Steinmeier tornou-se o seu chefe de gabinete e principal conselheiro.

Diplomata por definição, é creditado por ter conseguido segurar a coligação SPD-Verdes durante a controversa Agenda 2010 de Schröder, destinada a introduzir reformas económicas de fundo na Alemanha. Por causa das suas negociações de bastidores, muitos foram os que lhe chamaram Die Graue Effizienz, ou, eminência parda.

Steinmeier apoiou, em 2003, a decisão de Gerhard Schröder em alinhar com os franceses e os russos na oposição à invasão do Iraque por parte dos Estados Unidos. O presidente da altura era George W. Bush, também ele republicano. A intervenção contra Saddam Hussein fez dividir a União Europeia, da mesma maneira que agora Donald Trump ameaça fazê-lo.

Ministro dos Negócios Estrangeiros das grandes coligações de Angela Merkel (primeiro de 2005 a 2009 e depois de 2013 a 2017), Steinmeier concorreu a chanceler em 2009, mas Merkel venceu-o. É casado com Elke Buedenbender, uma juíza com quem tem uma filha. E a quem, em 2010, salvou a vida ao doar um rim. Para isso, não hesitou em ausentar-se da vida política durante algumas semanas.

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