Um pouco de Cândido Costa no sapatinho
A época 2002/03 trazia um FC Porto revigorado. Com uma equipa recheada de grandes jogadores - Vítor Baía, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche, Deco e Derlei, só para nomear alguns - e um jovem e ambicioso treinador, então com 40 anos, os dragões arrancavam para uma temporada histórica, que terminaria com a conquista do Campeonato, da Taça de Portugal e da Taça UEFA (atual Liga Europa), naquele que seria o primeiro passo no caminho que conduziu José Mourinho ao estatuto de Special One. Incluído no plantel estava também um jovem extremo, que transitava da época anterior, com habilidade, bastante rápido, mas que cedo percebeu que não ia ter as oportunidades que desejava na equipa. Ainda fez cinco jogos, dois como suplente utilizado na UEFA (o que lhe valeu conquistar um título internacional), antes de ser emprestado a meio da temporada ao V. Setúbal. Não regressaria mais ao FC Porto. Aos 22 anos, bem cedo na carreira, Cândido Costa deixava escapar de vez o comboio de um "grande" do futebol português.
Jogaria depois em quase uma dezena de clubes, com altos e baixos, até se despedir ao serviço da Ovarense, na época 2014/15, nos Distritais de Aveiro. Aos 34 anos, sem nunca ter alcançado o estrelato que lhe valesse um contrato milionário, com dois filhos, 9.º ano de escolaridade e corpo massacrado por lesões, Cândido Costa viu-se na encruzilhada com que se deparam inúmeros ex-jogadores de futebol: como refazer a vida após os relvados? A situação era ainda mais séria fruto de algumas más decisões de gestão financeira que hoje não se coíbe de recordar, publicamente, para que o seu exemplo sirva a outros jogadores.
Perante a dificuldade, o que fez Cândido Costa? Arregaçou as mangas. Ainda iniciou carreira como treinador, mas foi a televisão que lhe mudou a vida. O futebol deu-lhe conhecimento tático e um manancial de histórias para contar. A boa-disposição e o à-vontade perante as câmaras fez o resto. O Porto Canal foi a porta de entrada, como comentador, explicando o que via nos relvados. Seguiu-se a TVI. E, depois uma inesquecível participação no programa Sagrado Balneário do Canal 11, em que partilhou alguns dos momentos hilariantes que viveu no futebol, a estação televisiva da Federação Portuguesa de Futebol tornar-se-ia a sua casa, em junho de 2021. Por melhores que fossem as histórias que tinha para contar, esse era um filão que, mais tarde ou mais cedo, se esgotaria. Cândido Costa voltou a adaptar-se ao momento, agora com programa próprio, o Cândido on Tour, em que documenta o dia a dia em clubes amadores de norte a sul. Fê-lo respeitando o seu passado recente, pondo à frente do estatuto de ex-jogador de I Divisão o de ex-jogador de distritais, que sabe bem que o futebol é muito mais do que dinheiro. Cada programa é uma festa. As portas dos balneários abrem-se para um par, não para uma estrela de TV.
O sucesso de Cândido Costa tem sido fulgurante. Se em 2014 terminou a carreira e "estava teso", como reconheceu numa entrevista à Sábado, hoje é disputado por várias marcas para fazer publicidade, tem mais de 400 mil seguidores nas redes sociais, é presença assídua nos podcasts mais populares do país (só em novembro esteve no Extremamente Desagradável e Isso não se Diz, líderes do ranking da Spotify) e figura de proa em horário nobre televisivo no programa Taskmaster da RTP.
Há muito de bom a reter quando se olha para esta história de vida. Como Cândido Costa, os líderes políticos, agora em contagem decrescente para as legislativas de março, deveriam concentrar-se em transmitir a essência das ideias que têm para o país em vez de vestirem fatos de ocasião, moldando o discurso consoante a plateia, para gastarem tempo em ataques aos rivais e tentarem captar votos agradando a gregos e troianos.
Como Cândido Costa, mais ex-jogadores deviam ser solidários com as gerações futuras e chamar a atenção dos mais jovens para a necessidade de se preparem atempadamente para o pós-futebol.
E, como Cândido Costa, seria importante que a sociedade portuguesa, em geral, estivesse ciente de que é preciso ter a mente aberta e arregaçar as mangas para criar novas oportunidades de desenvolvimento pessoal e financeiro.
Com 2024 à porta, ano que se adivinha complicado em vários domínios, com uma tremenda crise na habitação (cresce o problema dos sem-abrigo, como o DN tem vindo a documentar esta semana, faltam casas, rendas estão mais caras e juros vão manter altas as prestações a pagar aos bancos), muita incerteza sobre o cenário político que vai resultar das legislativas e previsões de crescimento económico quase residual, ter neste Natal um pouco da positividade de Cândido Costa no sapatinho seria um bom presente para todos.
Editor executivo do Diário de Notícias