Um pôr do Sol na 'Pérola do Atlântico'
Toda a gente fala do clima da Madeira. Mas o que eu recordo das visitas à ilha é o prazer dos olhos. É quase impossível em tão pouco espaço encontrar uma tal diversidade de paisagens. E então as cores? São mil.
É que, para falar verdade, ou eu tive pouca sorte ou o clima dispenso. Sou avesso à humidade ambiente em larga escala e o célebre "capacete" (nuvens baixas) do Funchal dá-me dores de cabeça. Sol que se visse só na costa norte, na fabulosa descida para Porto Moniz. Vamos por partes.
Na primeira vez que fui à Madeira era ainda no tempo da pista antiga do aeroporto. Diz quem sabe que ainda bem que cheguei de noite, já que aquilo metia medo ao mais descontraído dos viajantes. Mas poucas serão as regiões do País que nas últimas décadas tenham evoluído tanto em termos de acessibilidades e infra-estruturação. E não é que seja fácil construir. As irregularidades do terreno e a rocha basáltica que caracterizam a morfologia e geologia do território fazem com que construir uma via rápida na Madeira seja o cabo dos trabalhos.
Mas disse que ia falar de paisagem e por ela me fico. Só não sei que destacar. Ou aliás, até sei. O pôr do Sol no pico do Areeiro, por cima das nuvens, é uma das telas naturais mais fantásticas a que me foi dado assistir na vida.
Fui com a Emília. Lembro-me dela, lá no alto, a chorar os vermelhos e dourados do sol-poente sobre um chão de algodão-doce cintilante ao fundo da montanha verde e ocre que pisávamos. Só vi duas pessoas chorar por causa da beleza de um lugar. Um dia conto da outra, nas fragas dos Estevais sobre o Vale da Vilariça (Alto Douro).
Para que não digam que não falei das flores. Elas são rainhas na paisagem insular. Não sei contá-las. Na maior parte das vezes não lhes sei os nomes. Sei olhar para elas. Na terra onde jaz a última parcela de floresta primitiva de laurissilva - e jaz é a palavra tenebrosamente correcta, tal a devastação de que foi alvo ao longo dos tempos -, tão depressa são verdes de todos os tons que nos esmagam como as cores quentes das culturas subtropicais que nos alegram. Quem vai do Funchal rumo a Câmara de Lobos e depois ruma à costa norte tem de tudo isto. E mais.
Uma paragem no cabo Girão, o promontório directo ao mar mais alto da Europa, é obrigatória. Depois recordo a impressão da Encumeada, único sítio do mundo onde olhei à esquerda e vi o mar e olhei à direita e lá estava ele outra vez. A estreiteza da ilha (22 quilómetros no sítio mais largo) permite estas coisas.
O Porto Moniz retira ao olhar a primazia, porque recordo aqui, para além da beleza evidente e selvagem, um cheiro a mar que não sei descrever. Por isso o conselho é que vão lá e cheirem. Não é igual aos outros. É divinal. Depois, seguindo sempre pela costa, o espanto é ver os túneis de rocha com cascata acoplada, de tal forma que é de fechar as janelas do carro porque a água vem directa à estrada.
Pouco me sobra para uma noite funchalense, hora a que melhor supor- to a capital. Uma espetada em pau de louro - nunca comi melhor - ou um filete de espada-preto - idem - são aconselháveis. Antes do sono aconselho um copo no Joe's e um passeio a pé entre as luzes da cidade e a beira-mar.