Um poeta de todas as liberdades
Como diz Manuel Augusto Araújo, da Câmara Municipal de Setúbal, "há pessoas que têm biografias, não tiveram foi uma vida tão intensa e fascinante que marcasse efectivamente uma época".
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, a 15 de Setembro de 1765. Após terminados os seus estudos secundários, assentou praça no Regimento de Infantaria de Setúbal (1781), onde permaneceu até 1783, data em que ingressou na Armada. Depois de ter estado na Índia, Goa, Damão e Macau, regressa a Lisboa em 1790.
Sem ocupação fixa, leva uma vida de boémio pelos botequins, enquanto faz parte da Nova Arcádia sob o pseudónimo de Elmano Sadino e ganha fama de repentista. Mas como escreveu o professor Vitorino Nemésio "Não se pode obrigar um rouxinol a fazer de rã. Charco", e depressa se fartou da vida das tertúlias palacianas, não aguentando a companhia dos outros poetas que, segundo ele, se vendiam à nobreza e à alta burguesia da época.
O seu espírito livre, influenciado pelo pensamento francês, e porventura avançado de mais para a época, teve o condão de irritar Pina Manique, intendente-geral da Polícia, que o prende no Limoeiro, e é posteriormente entregue ao poder eclesiástico, por se considerar que os seus escritos (nomeadamente "A pavorosa ilusão da eternidade") não eram propriamente crimes contra o Estado, mas actos de heresia.
Esteve então nos cárceres da Inquisição, no Convento das Necessidades, de onde saiu gasto, desiludido e azedo por dois anos de reclusão. Os excessos, a tristeza, a bebida, o fumo e um aneurisma levam-lhe a vida aos 40 anos, em 1805, na Travessa André Valente, em Lisboa, onde morre desamparado e só.
Assim termina precocemente a vida do maior poeta setecentista português, ou, como é descrito por William Becksord no seu texto sobre Portugal, do "pálido, esquecido mancebo, a criatura mais extravagante mas porventura a mais original que Deus ainda formou".
Bocage evoca o espírito do inconformismo e da rebeldia, mas não foi um rebelde sem causa. A sua vida foi um verdadeiro grito pela liberdade, por todas as liberdades, que devem garantir sociedades abertas que permitam a expressão do pensamento e o direito à diferença. Um grito extremamente actual que ao fim de 200 anos ainda consegue ser ouvido pelas novas gerações.