Um Plano Marshall contra o populismo

Publicado a
Atualizado a

O plano de recuperação proposto nesta semana pela Comissão Europeia não desiludiu os mais otimistas, mas também não transformou os pessimistas em crentes. Os "épicos" - como já lhes chamaram alguns - 2,4 biliões de euros para reconstruir a economia europeia não vão dar para tudo, mas simbolizam um esforço dos Estados membros - de alguns, pelo menos - para salvar a Europa de uma desintegração que teria efeitos ainda mais catastróficos do que a pandemia do novo coronavírus.

Mas é bom estarmos todos conscientes de que esse risco não desapareceu. Agora que temos um número para preencher o cheque, falta responder à pergunta mais importante: o que quer a Europa fazer com este dinheiro? Ou, formulando de outra forma, que Europa queremos reconstruir a partir destes zeros todos? E que lições foram retiradas da forma como a Europa lidou com a crise de 2008? É a resposta a estas perguntas, mais do que o valor do cheque, que vai definir o nosso futuro enquanto europeus.

Do envelope total, Portugal terá direito a 31,5 mil milhões de euros, entre dinheiro que chega a fundo perdido e a título de empréstimos. E, por cá, já ouvi alguns a avisar - e bem - que é preciso ler as letras miudinhas. Que condições vão ter os empréstimos concedidos? Vamos voltar à discussão das reformas estruturais do passado, que mais não são do que um eufemismo para programas de ajustamento, sem qualquer propósito de relançamento da economia? Quantos anos até Bruxelas começar a aplicar a sua guilhotina aos países mais endividados e a discutir décimas de défices?

Não, não há almoços grátis. Nem pode haver. Mas se as contrapartidas para estes biliões que vão brotar de Bruxelas não se transformarem num plano de recuperação económica capaz de corrigir as debilidades das últimas décadas, o que estamos a fazer é a atirar dinheiro para cima de um problema que nos vai sair a todos muito mais caro no futuro.

Se Portugal quiser - e a Europa deixar -, esta pode ser uma oportunidade - mais uma - para construirmos o nosso próprio Plano Marshall e para sairmos desta letargia em que nos arrastamos há demasiados anos. Para pensarmos e reestruturarmos uma economia menos dependente de serviços, mais produtiva, mais inovadora, em que as empresas não estejam condenadas a ser micro, pequenas ou médias, mas possam ambicionar ser grandes. Uma economia capaz de gerar riqueza suficiente para pagar salários dignos do século e do mundo em que vivemos.

Mas isto exige três coisas: visão, compromisso e tempo. Porque sem a visão certa não é possível construir uma economia robusta. Sem um compromisso político que não se esgote no próximo ato eleitoral não é apenas a economia que morre, é também a democracia. E sem o tempo suficiente para implementar um plano de médio a longo prazo, nunca poderemos ambicionar mais do que a mediocridade de uma economia de sol e praia.

Um dos principais objetivos do plano desenhado em 1947 pelo general George Marshall era impedir o crescimento do comunismo e a influência do regime soviético. Em 2020, a "ameaça" é outra. Ou a Europa - e Portugal - consegue desenhar um Plano Marshall política e economicamente capaz, ou é o populismo e a extrema-direita que saem vencedores desta crise. E isso, sim, pode ser o fim do projeto europeu.

Jornalista

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt