Um PJ, um PSP, um GNR e um oficial do Exército apanhados em esquema com inspeções
Ao mesmo tempo que investigava crimes relacionados com cartões e moeda falsa, um inspetor da Polícia Judiciária (PJ) mantinha um biscate ligado à reparação de automóveis. Segundo fonte ligada à investigação da operação Roda Viva, conhecida ontem, fazia uns arranjos para amigos, familiares e conhecidos. Foi no âmbito desta sua atividade que foi detido ontem por suspeitas de corrupção ativa, juntamente com um casal de seguranças da própria Judiciária (que não fazem investigação criminal), um elemento da GNR já reformado, um PSP e um tenente coronel do Exército, numa investigação que envolve suspeitas de subornos nos centros de inspeção automóvel.
De acordo com informações recolhidas pelo DN, o inspetor da Judiciária terá sido apenas mais um apanhado numa investigação a um conjunto de centros de inspeções de automóveis, cujos funcionários, a troco de pequenas quantias de dinheiro, prendas, almoços e jantares, acediam a passar os carros na inspeção obrigatória. O mesmo se terá passado com o casal de seguranças da própria judiciária, que levaria veículos à inspeção provenientes da oficina do padrasto de um deles.
Neste esquema, foram ainda apanhados um militar da GNR já reformado, um elemento da PSP e um tenente-coronel do Exército, este com ligações familiares a um proprietário de um centro de inspeções.
Quase 70 buscas e 200 inspetores foram para o terreno à procura de provas de corrupção em centros de inspeção automóvel, como contrapartidas dadas por representantes de oficinas em troca da avaliação positiva dos automóveis.
Os restantes 16 detidos são todos funcionários ou proprietários de oficinas e centros de inspeção e no conjunto estão indiciados pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, tráfico de influências e falsificação de documentos. De acordo com informações recolhidas pelo DN, o processo corre no Departamento de Investigação e Ação Penal de Sintra. Hoje, os detidos deverão ser presentes a um juiz de instrução desta comarca. A investigação da Operação Roda Viva partiu de várias denúncias espalhadas por diferentes processos, os quais foram condensados numa só investigação, levada a cabo por uma secção da Unidade Nacional Contra a Corrupção (UNCC), coordenada pela inspetora Manuela Marta.
Uma prática generalizada
As suspeitas de corrupção nos centros de inspeções de automóveis estão há muito identificadas pela Judiciária como uma área propícia para o que os investigadores chamam de "pequena corruptela" em termos monetários, mas com grande incidência.
Já no ano passado, a Judiciária do Porto identificou um esquema semelhante em centros de inspeção no Norte do país: havia veículos que passariam na inspeção sem nunca entrarem no centro que os aprovava. A troco de umas dezenas de euros, os inspetores fechariam os olhos e tratariam da papelada sem que a viatura fosse sujeita a qualquer teste.
Já no final do ano passado, o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa e a Polícia Judiciária desencadearam uma operação, que levou à detenção de três pessoas, um inspetor de veículos e dois agentes da PSP, por suspeitas de gerirem um "negócio" de aprovações nos centros de inspeção: "No essencial, o arguido com a qualidade de inspetor agia no sentido de aprovar inspeções de viaturas fora dos requisitos legais, com a emissão do respetivo certificado de inspeção cujo conteúdo era falso, fazendo-o a troco de contrapartidas indevidas situadas entre os 20 e os 50 euros por cada veículo", resumiu na altura o Ministério Público, acrescentando que os polícias "agiam como elementos de ligação que encaminhavam os interessados para os centros de exame em causa e tomando ulteriores medidas para que não fossem autuados em caso de fiscalização". Um deles, ainda segundo o Ministério Público, "recolhia viaturas com anomalias que levava a outro centro de exame, onde supostamente eram resolvidas, recebendo como contrapartida indevida cerca de 75 euros por viatura".
Já neste ano, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação de dois arguidos por falsificação de documento num centro de inspeções de veículos em Paços de Ferreira. Os factos remontam ao dia 1 de outubro de 2012, data em que um dos arguidos apresentou o seu veículo no centro de inspeções. "Apesar de o veículo apresentar um conjunto de deficiências de grau 1 e 2, que determinariam nova inspeção daí a um mês, o outro arguido, que ali exercia as funções de inspetor, emitiu e assinou a ficha de inspeção técnica que atestava a ausência de deficiências", informou a Procuradoria-Geral Distrital do Porto.
Com Rute Coelho