É um pequeno passo para as comunidades católicas da Amazónia, mas poderá ser um salto gigantesco para a Igreja aquele que o Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia, que termina amanhã no Vaticano, pode votar como sugestão para o Papa: a possibilidade de as mulheres serem diáconos, de os homens casados poderem ser ordenados padres e de existir uma liturgia específica para as comunidades amazónicas..A palavra revolução será ainda demasiado ousada para caracterizar as principais conclusões deste encontro de bispos de todo o mundo, que só serão votadas neste sábado e cujo texto deverá ser conhecido durante o dia. Mas as pistas dadas pelos 12 grupos de trabalho que discutiram a extensa agenda do sínodo apontam pelo menos num sentido: uma maior abertura da estrutura católica no papel atribuído às mulheres e aos homens casados..Para começar, na região da Amazónia, que se estende por nove países - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela; depois, muito provavelmente, alargando esta experiência a outras regiões do mundo, já que em vários lugares a situação se assemelha ao que se passa ali. E é esta possibilidade que assusta alguns setores, nomeadamente os ultraconservadores que não poupam nas críticas virulentas ao Papa; ou alguns responsáveis da Cúria Romana, que mantêm uma perspetiva muito eurocêntrica destas questões. O debate vai certamente continuar, para além deste domingo - e isso já é uma conquista dos temas discutidos no sínodo..Nos 12 grupos de base linguística (quatro portugueses, cinco espanhóis, dois italianos e um anglo-francês), bispos e outros participantes apontaram para o acolhimento da ideia de ordenação de homens casados, nas comunidades amazónicas, muito deficitárias de padres e religiosos. Esses homens casados terão de ser "pessoas maduras, respeitadas e reconhecidas, de preferência indígenas". Outra aposta é a abertura do diaconato às mulheres, "incentivando e favorecendo a participação [feminina] na liderança eclesial que não requer o sacramento da ordem" - posição apontada pela maioria dos grupos..Não é claro se o Papa adotará estas perspetivas na altura de escrever a sua "exortação apostólica", documento que resultará do debate sinodal e do documento final a aprovar neste sábado. Francisco poderá acolher todas as sugestões dos grupos ou "limitar-se" a apontar orientações para as dioceses de todo o mundo adotarem os caminhos que entenderem, como já tinha feito nas instruções sobre o acolhimento de divorciados recasados à comunhão..No início da semana, o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena e membro da comissão de redação do texto final, nomeado pelo Papa, disse que, citado pela Agência Ecclesia, "o tema dos ministérios é importante para este sínodo, faz parte dos novos caminhos na Amazónia"..Falando da necessidade de uma "melhor distribuição do clero" para resolver a falta de padres na região, Schönborn admitiu que o diaconato permanente é "muito significativo" para a vida da Igreja e pode ser uma ajuda para a pastoral "neste imenso território" amazónico. O diaconato permite celebrar vários sacramentos, com exceção da eucaristia e da reconciliação (confissão), reservados aos padres..Nos grupos italianos apontam-se "perplexidades" sobre a possibilidade de ordenar homens casados, que pode "reduzir o valor do celibato", mas um dos documentos em português diz que essa ordenação é "necessária para a Pan-Amazónia". O grupo franco-inglês aponta vários caminhos: "A palavra "sacerdote" tem muitos significados. O que oferece sacrifício não tem de ser o chefe da comunidade. Não precisa de ser o pároco. A história e a teologia uniram demasiadas coisas: ensinar, santificar, governar. Devemos aceitar que as diferentes situações requerem diferentes iniciativas.".O bispo emérito de Duque de Caxias (Rio de Janeiro), Mauro Morelli, sugere essa abertura de espírito, num artigo de opinião no site Sete Margens: "Não fechemos o coração, pois a crise é tempo da graça que nos liberta do clericalismo, ou seja, do ministério transformado em poder e até em tirania sobre o povo de Deus submetido aos nossos humores e caprichos.".Já Miriam Duignan, presidente da Women's Ordination Worldwide, organização que defende a ordenação de mulheres na Igreja de Roma, defende no site Crux que "sem mulheres não existiria a Igreja Católica na zona da Amazónia", uma realidade que vai para lá da região sul-americana. É isso que aponta um dos textos em espanhol, afirmando o "reconhecimento da mulher na Igreja através" do sacerdócio. Com uma proposta: "Que se realize um sínodo dedicado à identidade e ao serviço da mulher na Igreja, no qual as mulheres tenham voz e voto.".As cautelas são maiores nesta questão do que na dos homens casados, mas um dos grupos nota que aquilo que levou à abertura do diaconato permanente para eles é "válido para criar o diaconato para as mulheres na Igreja na Amazónia"..Hoje há votação parágrafo a parágrafo do texto de conclusões finais. Amanhã e daqui a poucos meses se perceberá o que o Papa Francisco tem a dizer - e se o bispo de Roma tem base para levar a Igreja a dar um salto maior, sem ficar pelo passo prometido para a Amazónia.