Um país low cost
Chegou a Portugal de mansinho. Primeiro foram as companhias aéreas a vender viagens a preços nunca vistos. O segredo não era nada do outro mundo: voos com destino a aeroportos secundários e com todos os extras pagos à parte. O sucesso foi do outro mundo: as três maiores companhias aéreas deste segmento - Ryanair, easyJet e Transavia - transportaram 3,7 milhões de pessoas entre janeiro e junho deste ano. E assim começou a espalhar-se a palavra ou, no caso, as palavras low cost.
Hoje, o conceito estendeu-se por todas as áreas de negócio: ginásios, turismo, vestuário, restauração, beleza e estética. E até na saúde. O low cost entrou no léxico português de forma diretamente proporcional à crise económica que nos assola. O mercado foi invadido por preços baixos, mesmo em áreas em que sempre tinham sido altos. Quem nunca pensou pôr os pés num spa viu-se subitamente capaz de pagar uma massagem ao lombo ao som de música oriental. Quem jamais sonhara degustar uma refeição gourmet pode, enfim, deliciar-se com reduções de cebola e chutneys de frutos exóticos sem ter de deixar para trás a prestação da casa ou a conta da luz.
Para João Leão, professor auxiliar de Economia e membro da comissão científica do ISCTE, esta proliferação do conceito low cost era perfeitamente expectável: «Com a forte redução do rendimento das famílias, elas tiveram de fazer ajustes no que é flexível e no que não é, digamos, essencial. Nesse sentido, as empresas tiveram de reagir e criar estratégias para não perder clientes. Assim, houve empresas que se tornaram low cost, houve outras que mantiveram uma linha tradicional e criaram outra mais barata (o que em economia se chama mecanismo de discriminação de preços). E ainda houve empresas que nasceram de raiz com essa perspetiva de baixo custo para o consumidor.»
Por um lado, explica João Leão, este conceito de low cost tem as suas vantagens: «É bom que as empresas tenham mais capacidade para escoar os seus produtos. É bom para as empresas e para a economia nacional porque implica maior produtividade.» Mas, claro, nem tudo são rosas. Ou, dito de outro modo, também pode haver espinhos nas mais belas rosas: «Não era ideal que existisse uma redução de qualidade no serviço ou no produto, o que tendencialmente pode suceder nos negócios low cost. Não é esse o caminho que um país deve traçar. E esperemos que as empresas nacionais, que têm conhecido uma maior sofisticação nos últimos anos e feito um caminho notável na sua internacionalização, não recuem nesse sentido. É que a redução da qualidade e a menor procura no mercado interno muitas vezes traduzem-se numa barreira à internacionalização. E isso era uma pena.»
António Gomes Mota, presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial low cost: «Ao exigir por parte das empresas uma grande contenção de custos, para justamente conseguirem reduzir os preços de venda, pode degradar os padrões de qualidade dos produtos e ter efeitos laterais, por exemplo desemprego. Basta pensar numa companhia de aviação low cost que opera com muito menos pessoal do que uma companhia normal. Além disso, pode ter efeitos ao nível da pressão de preços, porventura para lá do razoável, sobre os seus fornecedores.»
O professor catedrático não deixa de reconhecer que o conceito tem as suas vantagens, mas alerta para a possibilidade de travar o crescimento económico do país: «O low cost é uma opção à disposição dos consumidores, particularmente importante em tempos de crise, mas dificilmente é uma solução de especialização para a economia, pois, na prática e a prazo, pode representar uma descida na cadeia de valor e na capacidade de gerar riqueza.»
Autocaravanas para todos
Não, não é preciso esperar pela herança da tia rica para conseguir uma casa em cima do mar. E os suspiros pelo euromilhões também são escusados: por um lado porque há um cientista que garante ser mais fácil cair-nos um raio em cima da cabeça do que acertarmos nos cinco números e nas duas estrelas, e por outro porque não é preciso tanta massa para se ter uma vista de sonho diferente todos os dias.
Ricardo Martins tem 35 anos e é o criador da empresa West Coast Campers: autocaravanas low cost que permitem viajar e dormir em paisagens de sonho sem precisar de esperar por legados de tias abastadas ou jogos da fortuna.
A ideia nasceu numa viagem que Ricardo e a mulher fizeram pela Nova Zelândia de autocaravana. «Achei que Portugal, um país com um sol fantástico e com uma costa maravilhosa precisava de um conceito destes. Viajar, dormir com vista sobre o mar e no dia seguinte tornar a seguir viagem e despertar com uma vista completamente diferente. Tudo por um preço acessível.»
A isto juntou-se outra coincidência cósmica: a empresa onde Ricardo trabalhou 14 anos como delegado de propaganda médica iniciou o processo de despedimentos. Ele pôs o braço no ar e, de seguida, candidatou-se na Segurança Social à criação do próprio emprego. O seu projeto foi aceite e assim nasceu a West Coast Campers, em 2011.
Estas caravanas não têm luxos nem rococós. «São carrinhas comerciais que comprámos e adaptámos. Lá dentro foi tudo pensado por nós. É tudo muito prático. A homologação das carrinhas não foi fácil, foi preciso tratar de tudo com várias instituições, com engenheiros, foi preciso muito projecto, muita assinatura. Mas com persistência e boa vontade tudo se consegue.»
As carrinhas parecem saídas de um filme de James Bond: o banco da frente volta-se para trás, há uma tábua que sai como que por magia do chão, e assim em menos de nada fica montada uma mesa de refeições no meio da carrinha. Mais dois ou três giros e há camas prontas a deitar quatro pessoas. Duas ou três voltas depois já nem parece uma autocaravana para parecer uma carrinha vulgar novamente. É como um Lego que se constrói e transforma à vontade do freguês.
A empresa começou com seis carrinhas, agora a frota já aumentou para dez. No início a homologação também só permitia transportar três pessoas, embora pudessem dormir quatro. Agora já conseguiram mais esse extra: já podem viajar quatro e dormir quatro.
Também por fora, as West Coast Campers são diferentes das demais: «Lançámos um concurso para que estudantes das escolas de design nos enviassem propostas de desenho para as carrinhas. Os vencedores ganhavam um fim-de-semana. Recebemos propostas muito engraçadas e assim decorámos as caravanas. Agora topa-se ao longe que vem lá uma West Coast Campers.»
Os clientes desta empresa low cost são quase todos turistas da Europa do Norte: «Oitenta por cento dos nossos clientes são estrangeiros. Muitos da Alemanha, Inglaterra, Holanda. Os portugueses vão aderindo mas devagarinho. Ainda estão habituados àquele conceito de autocaravana grande, com casas de banho, aquecimentos, televisões. Mas depois quando percebem que a caravana é só para dormir, porque depois quando chegamos aos sítios queremos é estar na praia, queremos é ver museus, queremos é fazer coisas... aí aderem à ideia. Experimentam um fim-de-semana, depois levam a caravana por mais quatro dias... e rendem-se.»
E não é difícil. Afinal, poder viajar sem destino e acordar com o barulho das ondas não tem de ser só para alguns.
West Coast Campers: autocaravanas low cost: Um dia em época reduzida: 65 euros; Um dia em época alta: 110 euros. www.westcoastcampers.com.ptRua Hermínio Monteiro, 1B, Parque das Conchas - Alta de Lisboa. Tel.: 939460887
Ginásio sem o peso da conta
Sobe uma perna e desce a outra, torna a subir e a descer e pelas contas de quem conta já lá vão mais de cem degraus subidos e descidos com uma pressa sobrenatural. Pingas de suor testemunham o esforço e os músculos das pernas, bem torneados, revelam que muitos outros degraus são subidos e descidos regularmente.
Joana Cardoso tem 28 anos e um corpo que parece esculpido. «Parece, não! É esculpido todos os dias!», garante apontando para o rabo rijo em forma de coração. «Não dispenso o ginásio e venho todos os dias. Antes de haver aqui no Porto um ginásio low cost não podia. Sou desta geração desgraçada que ganha pouco e não podia dar-me ao luxo de pagar 60 ou 70 euros por mês para ficar em forma. Claro que podia pôr-me a correr na rua, que não tem custos. Mas um ginásio dá outra motivação!»
Sara Amorim, 32 anos, é diretora do Fitness Hut da Trindade, que abriu em Abril de 2012 (no Porto), e sabe que a motivação de um clube que não exige contrato de um ano, que não tem mensalidades e, sobretudo, onde não se deixa o couro e o cabelo (e não apenas banhas), é tudo. Mas também sabe que o conceito low cost gera, por vezes, algumas desconfianças. É low cost porquê? Só dispõe de máquinas de musculação do tempo da Segunda Guerra Mundial? Uma pessoa levanta uma barra e os pesos caem-lhe em cima? Cheira a bafio lá dentro e a falta de higiene propicia o crescimento de cogumelos aos cantos? Os professores não sabem distinguir um abdominal de um bíceps?
A diretora do clube ri-se mas apressa-se a contradizer essa imagem, muito suportada na ideia mil vezes difundida de que o barato sai caro: «Temos equipamentos topo de gama, uma higiene irrepreensível, professores com um currículo muito bom. Os nossos preços baixos têm que ver com o facto de não termos piscina nem a parte de spa que alguns clubes têm. O que sabemos é que a maioria dos sócios dos clubes acaba por não usar a piscina. Por isso, optámos por não ter piscina, que tem um custo mensal elevadíssimo. Também não temos serviço de toalhas, nem gel de banho ou secador. Abdicamos desses detalhes para nos focarmos no essencial, que é o fitness.»
As máquinas são as mais modernas, as aulas de grupo têm os professores mais qualificados. Há Body Combat, Body Balance, Body Pump, CXWORX, e outras aulas demoníacas para abater calorias. Há personal trainers que fazem questão de dar uma ajuda mais próxima e, no fundo, há tudo o que é habitual num clube. Só que por um preço muito mais apelativo: «Aqui paga-se à quinzena. Mas não obrigamos ninguém a ficar. Se quiserem sair e depois voltar... tudo bem.»
Tudo bem... é como quem diz. Porque o sucesso deste conceito está a ser de tal ordem que as inscrições, neste momento, estão fechadas. Sara Amorim, que além de diretora do clube é também professora de várias aulas (é uma das formadoras credenciadas da Manz, uma conhecida marca de artigos de desporto), garante que a adesão do público portuense a este conceito superou todas as expetativas: «Estamos numa fase de one out, one in. Ou seja, se um sócio sai, entra outro. Creio que o facto de termos lista de espera diz tudo. Até mesmo algumas pessoas bastante sedentárias estão a vir até nós porque se sentem atraídas pelo preço e pelas condições que cá encontram.»
Não foi o caso de Joana Cardoso, que de sedentária tem muito pouco. Sempre fez desporto mas há cerca de dois anos que estava a fazer muito menos do que gostaria: «Com a crise e com o meu pequeno ordenado tive de me deixar de ginásios. Andava a correr na rua mas não era a mesma coisa. Arranjava desculpas, agora está a chover, agora está muito calor... mal abriu este vim a voar. Não quero outra coisa!» E, olhando-se para o seu traseiro, compreende-se muito bem porquê.
Fitness Hut: ginásio low cost: 5,50 euros por semana (só musculação e cardio); 8,80 euros por semana (ginásio e aulas de grupo). Fitness Hut: Centro Comercial Trindade, Rua dos Heróis e Mártires d'Angola, Porto. trindade@fitnesshut.pt
Uma mala por uma noite
Tudo começou com a sua paixão por carteiras. Lia Monteiro, 48 anos, pode até gostar de vestidos, pode até gostar de sapatos, mas aquilo por que se perde são as carteiras. Grandes, médias, pequenas. Mochilas, sacos, pochettes, clutches. E se nunca foi esquisita por feitios também nunca se fez cara para as cores. No seu roupeiro há carteiras para todos os gostos.
Depois, foi o filme Sexo e a Cidade que fez o resto: «Havia uma cena em que uma das personagens alugava uma carteira e eu achei uma ideia absolutamente fantástica: para quê estar a comprar uma carteira que em média pode custar mil, dois mil ou cinco mil euros, se podemos alugar por dias a 20, 30, ou 60 euros? Ninguém sabe que estamos a alugar e tem ainda outra particularidade: nós, mulheres, fartamo-nos facilmente das carteiras. Ao fim de quatro ou cinco dias a verdade é que já comprávamos uma nova com facilidade.»
Daí até convencer mais duas sócias foi questão de pouco tempo. E em Maio de 2010 nasceu a Glamorous, uma empresa que funciona online e que aluga carteiras de marca: Loewe, Christian Dior, Louis Vuitton, Jimmy Choo, Prada, entre outras. Algumas podem ser levadas durante três dias por 25 euros ou 175 euros um mês inteirinho. Para outras o preço é de 55 euros se levar três dias, e 195 euros se andar com ela durante um mês.
O negócio correu tão bem que algumas clientes começaram a perguntar se não lhes quereriam comprar objectos de marca, em bom estado, para que os vendessem no site, em segunda mão. E assim, a Glamorous passou também a vender carteiras, sapatos, lenços, relógios, porta-moedas, tudo de marcas de topo, a preços muito acessíveis: «Uma carteira que lhe custaria nova 1200 euros pode ser comprada na Glamorous por 300! E só temos coisas boas, em excelente estado. No site pode ver se o produto é «a estrear», «impecável», «novo» ou «bom estado». Digamos que uma carteira que está em bom estado nota-se que já foi usada mas continua com tudo no sítio, sem defeitos, sem peças estragadas. Temos várias fotos dos objetos à venda, para que não restem dúvidas.»
Outra das ideias subjacentes a este negócio foi a alergia que as três sócias têm a tudo o que é falso, a tudo o que é imitação. Lia Monteiro esclarece: «Toda a gente sabe o que é que as imitações têm por detrás: trabalho infantil, trabalho em condições sub-humanas... somos completamente contra e a maneira de combater este crime é justamente não comprar falso. E, se não se puder comprar, então que se alugue! Por isso, o nome da empresa é: Glamorous - Be Ware of Imitation (Cuidado com as imitações).»
O sucesso do aluguer e da compra tem superado todas as expetativas. No caso do aluguer, as sócias têm de continuar a investir, para comprar novos modelos por estação: «Claro que cada marca tem um número incalculável de novos modelos e não podemos adquirir todos. Mas vamos crescendo. Optámos pelos mais clássicos, para atingir mais público. Porque se vamos para os mais excêntricos, se escolhemos só Jimmy Choo por exemplo, nem toda a gente gosta.»
No que toca ao outlet, há sempre quem queira ver-se livre daquela carteira que já não usa, daqueles sapatos que comprou num dia em que uma fúria consumista se apoderou de si. E, por outro lado, há sempre quem queira comprar. «Tem sido avassalador! É giro porque há muitos homens a comprar, para oferecer. Ainda bem. Combatemos as imitações e tudo o que elas implicam, e estamos a fazer chegar as boas marcas a mais mãos.»
www.glamorous.pt- Glamorous: malas de marca low cost; Carteira Louis Vuitton: 25 euros por três dias
Estética e elegância sem preço
É um daqueles casos em que as pessoas mais ficam receosas. Estética low cost? Isso quer dizer o quê? Que os vernizes são tão manhosos que começam a lascar mal se sai da porta para fora? Que as unhas de gel partem como batatas fritas? Que se apanham fungos e doenças quejandas mal uma incauta criatura se deita na marquesa?
Nada de mais falso, pelo menos no que toca a este centro de estética em particular. A Del Esthétique, nascida em Fevereiro deste ano no Parque das Nações, tem até mais cuidados do que é habitual, em estéticas de bairro sem o carimbo low cost. Os recipientes para pôr os pés de molho são forrados com um plástico descartável, os utensílios de arranjar unhas são cuidadosamente esterilizados depois de cada utilização, as funcionárias usam batas brancas, luvas e máscaras, tudo tem um aspeto limpo e cuidado, as marquesas são forradas com papel novo a cada nova cliente e, quando se entra, até têm pétalas por cima, para que não haja dúvidas de que há asseio no ar.
Del Goval tem 29 anos, nasceu em Minas Gerais, Brasil, e chegou a Portugal em 2004. Começou logo a trabalhar como manicura, foi babysitter, continuou a ser manicura, no Jean Louis David, no York Cabeleireiro e, por último, no centro de estética Beleza na Hora, no Parque das Nações, em Lisboa. «Foi em Outubro de 2011 que me mudei para o Beleza na Hora. Em Dezembro as sócias zangaram-se uma com a outra e ameaçaram fechar o espaço. Eu, que tinha trazido duas amigas para trabalharem lá, fiquei em pânico com a perspectiva de ficarem desempregadas por minha causa. E então, posta assim entre a espada e a parede, decidi ficar eu a tomar conta da empresa. Não era algo que imaginasse para mim, pelo menos para já, mas calhou.»
Del mudou-lhe o nome para Del Estéthique e arrendou uma loja umas portas mais à frente, porque o espaço era mais apetecível e o preço era melhor. Tratou da decoração, do logótipo, dos cartões, de tudo. As amigas Elisangela e Elisa continuaram a ter trabalho, graças à coragem e determinação de Del.
Neste centro de estética é possível sair belo da cabeça aos pés. Há as clássicas manicure e pedicure, há gelinho e gel, depilação feminina e masculina, limpeza de pele, drenagem linfática, massagem de relaxamento e anticelulítica, massagem pernas cansadas e com pedras quentes, esfoliação, hidratação, permanente de pestanas, e mais uns detalhes para tratar do corpo e da alma. Tudo a preços muito competitivos. «E os produtos são fantásticos. Para a limpeza de pele e hidratação usamos cremes Gernetic, que dispensam apresentações. Não poupamos na qualidade. Somos low cost porque acreditamos que preços baixos podem trazer mais gente. E é o que tem acontecido.»
Sofia Branco, 39 anos, garante que já frequentou muitos gabinetes de estética mas nenhum como este: «Elas são muito atenciosas, é tudo muito limpo e o trabalho sai sempre bem feito. As massagens são perfeitas, a depilação custa-me muito menos aqui do que noutros sítios onde já fui, não sei se é pela cera que usam ou se é da técnica que aplicam ou, até, se será só da simpatia delas, que atenua a dor.»
Del Goval fica derretida com os elogios, agradece a Deus pela ajuda, e nem acredita que tudo possa estar a correr tão bem. Garante que vai dar sempre o seu melhor e que não há nada que pague a satisfação dos clientes que, em quase todos os casos, acabam por se transformar em bons amigos.
Del Esthétique: gabinete de estética low cost - Massagem de relaxamento: 15 euros. Alameda dos Oceanos, Lote 3.15 - Loja 03F - Expo Sul - Lisboa. Tel.: 918874888/ 969856193
Almoços ao domicílio
Almoçar por menos de quatro euros nos dias que correm? Sem ser uma bucha desenxabida ou uma maçã farinhenta? É verdade, é possível. Carlos Caneiras, 31 anos, é um dos criadores d'A Marmita, empresa que surgiu em abril deste ano. «A Marmita nasceu de um projeto que já tínhamos, chamado Rotina Perfeita, em que fazemos limpezas em casas particulares, e entregamos pequenos-almoços e jantares ao domicílio. Foi nas entregas dos jantares que percebemos que os nossos clientes pediam mais marmitas, para levarem para o almoço no emprego, no dia seguinte. Foi então que começámos a pensar se faria sentido levar o almoço ao local de trabalho.»
E assim, dos mesmos criadores da Rotina Perfeita, nascida em 2009, surgiu então A Marmita. «Tem sido a cereja no topo do bolo. Em três meses, já tem 1200 clientes, tem mais de seiscentas pessoas à espera de se tornarem clientes, estamos a servir mais de trezentas refeições por dia.»
Um sucesso. A ideia é, na verdade, irritantemente simples. Daquelas que lastimamos não ter tido primeiro. Os interessados inscrevem-se no site, ficam com um número de cliente e a partir desse momento podem pedir quando quiserem: «Não há obrigatoriedade nenhuma. O cliente pede a refeição quando necessitar. Tem é de pedir até às 20h30 do dia anterior, para conseguirmos ter tudo preparado para entregar entre as 10h00 e as 13h00 do dia seguinte. No máximo à uma da tarde garantimos que o cliente tem o almoço no seu emprego. Por 3,99 euros, com guarnição incluída. O pagamento é feito mensalmente e não é cobrado qualquer valor pela deslocação.»
Há muita variedade gastronómica e a garantia de que é comida caseirinha e feita com desvelo. Há arroz de pato, polvo à lagareiro, bifinhos com molho de pêssego, feijoada de polvo com camarão, panadinhos de pescada recheados com espinafres e arroz de cenoura, só para dar alguns exemplos de fazer crescer água na boca. «Também temos saladas, que no Verão estão a sair muito bem, por 3,49 euros. As pessoas podem fazer a sua própria salada, em que podem incluir seis ingredientes.»
O êxito desta ideia é diretamente proporcional ao agravamento da crise. Quanto mais aperta a segunda, mais adesão tem a primeira. «As pessoas não querem deixar de almoçar e a verdade é que poupam dinheiro, n'A Marmita. Se forem a um restaurante, mesmo que seja um barato, é sempre imprevisível. Podem gastar seis euros, sete euros, noutro dia podem gastar nove ou dez. Connosco gastam 3,99 euros e vão muito bem servidas. Aliás, muitas pessoas dizem que sobrou para o jantar!»
Se este ramo do negócio corre bem, a Rotina Perfeita, espécie de casa-mãe d'A Marmita, também não corre pior: «Entregamos à volta de oitocentos pequenos-almoços diários. Temos de ter acesso ao prédio, ou por chave ou por código, e entre as duas e as sete da manhã deixamos o pequeno-almoço pendurado no puxador da porta. Pode ser pão, leite, fiambre, queijo... o que o cliente preferir. Tudo low cost, também.»
Marmita - Almoço: 3,99 euros. www.amarmita.com
Uma casa barata
E se pudesse ter uma casa tipo cápsula onde só fosse dormir e pouco mais, por um preço imbatível? E se pudesse levar a casa às costas, no caso de um dia querer mudar de bairro, de cidade, de país? Ana Luísa Soares e Filipe Magalhães, dois arquitetos do Porto, tiveram a ideia de uma casa cápsula, de seis metros quadrados, que fosse implantada num terreno ou estrutura de prédio, de modo a que o feliz proprietário pudesse usufruir da vista em redor e ter cá fora o espaço que lhe falta dentro.
Inspirada em muitas ideias parecidas que já proliferam por esse mundo fora, desde os anos de 1960, esta casa chama-se Polikatoikea (porque funde a legislação grega dos solos, Polikatikia, e a filosofia da marca sueca IKEA) e valeu aos seus autores o primeiro prémio no Re'Build Open Ideas Competition, um concurso de ideias para jovens que se realizou em setembro de 2011, no Porto. O objetivo dos dois arquitetos, de 23 e 25 anos, foi mostrar que viver na baixa do Porto está, ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos, ao alcance de todos: «A cidade está a crescer muito para a periferia e todos os dias perde vida, no centro. O nosso projeto visa justamente densificar ao máximo a cidade durante a noite e durante o dia. A casa Polikatoikea serve apenas para dormir porque a ideia é que as pessoas vivam e aproveitem a cidade.»
Claro que esta cápsula não pretende albergar um casal e muito menos uma família. Foi desenhada a pensar num habitante único, tipicamente um estudante que passe a maior parte do dia na universidade e a conviver com os amigos, e que só vá a casa dormir: «E para dormir tanto faz que sejam seis metros quadrados como duzentos.»
A cápsula low cost destaca-se pela ergonomia e é dividida em dois espaços: um quarto e uma casa de banho. O quarto tem uma cama e um móvel para arrumação, com frigorífico, fogão, secretária, guarda-roupa e despensa. A casa de banho resume-se a uma sanita, chuveiro e lavatório (que serve também de lava louça). Acaraterística fundamental é mesmo a optimização. Todos os centímetros são aproveitados.
Mal a notícia deste prémio saiu para os media, os dois arquitetos receberam e-mails de todos os cantos do mundo. Houve quem quisesse fazer uma encomenda, quem pedisse outro tipo de madeira no interior, houve pedidos dos mais variados tipos. Mas apesar de terem agradado ao júri, Ana Luísa e Filipe ainda não encontraram quem queira arriscar e desenvolver o projeto.
Por isso, se está a ler este texto e já estava a pensar em comprar uma Polikatoikea para si, vai ter de esperar que algum investidor se chegue à frente primeiro. Se, por outro lado, o leitor tem muito dinheiro e não sabe o que lhe fazer, tem aqui uma bela oportunidade de investir.
Casa Polikatoikea: casa low cost: casa de 6 m2: 999 euros