Um mundo pleno de interrogações
Os mercados laborais de Portugal, Espanha e França estão instáveis e os políticos, uns por pressão dos sindicatos, outros a mando dos chamados grandes empregadores, querem alterar as leis do trabalho.
A ideia, em teoria, parece excelente. Porém, o pior é como levá-la à prática, sem ter de suportar constantes greves e aguerridas manifestações de rua como, por exemplo, as que se verificam em França no preciso momento em que me encontro a escrever este artigo. No nosso caso, onde também existe pressão dos sindicatos e onde os grandes empregadores também dão ordens aos políticos, a ambição de alterar as leis do trabalho é, todavia, menor.
Assim, no que nos diz respeito, propõe-se a bem dizer o controlo dos empregadores, desmaterializando o contrato de trabalho, passando a existir, no seu lugar, um "contrato digital" que será registado na plataforma da Segurança Social. Dito de outro modo, os deveres dos empregadores quanto ao pagamento das contribuições a que eles estão obrigados passarão a ser objeto de vigilância eletrónica.
Tirando este aspeto mais particular que nos distingue dos outros dois países acima referidos, a nova legislação laboral pretende ainda reduzir a duração e as renovações dos contratos a termo certo e incerto, introduzir limites ao número de renovações do contrato de trabalho temporário, eliminar a norma que permite a contratação a termo para postos de trabalho permanentes de jovens à procura do primeiro emprego e, por último, criar uma nova taxa adicional anual, entre 1% e 2%, a aplicar às empresas com excessivos contratos a prazo, a qual se destinará a ser paga à Segurança Social.
O mercado de trabalho tem vindo a mudar radicalmente, tornando desse modo difícil, senão mesmo impossível, encontrar um cargo profissional para toda a vida. A mundialização da economia, as novas tecnologias e, agora, a imigração massiva a que atualmente se assiste na Europa mudaram a própria natureza do trabalho, tanto ao nível da oferta como ao nível da procura.
Cada vez mais, ao longo da vida, as pessoas vão ter de exercer trabalhos diferentes (e não uma profissão), e terão, talvez num futuro não muito distante, de trabalhar mais de forma independente (autoemprego), individualizando as relações laborais.
Ao jeito dos contratos da Ryanair, celebrados através de brokers (intermediários) ou por intermédio de sociedades sediadas fora de Portugal em contrato de autoemprego (self-employment), sem qualquer tipo de vínculo laboral com as empresas, é aquilo que espera as novas gerações.
A Segurança Social que o pós-guerra universalizou na Europa será gerida individualmente pelo trabalhador, libertando desse encargo a empresa. Passará a ser uma espécie de seguro social. A flexibilidade laboral será o novo código genético das futuras relações de trabalho. Trabalhar-se-á mais a tempo parcial para compatibilizar a flexibilidade do empregador com a vontade dos trabalhadores em conciliar outras atividades vitais, tais como a maternidade ou a paternidade, estudar ou simplesmente trabalhar para vários empregadores.
Acredite-se ou não, postos de trabalho para a vida, contratos de trabalho localizados e taxas ou contribuições sobre o trabalho a pagar ou a cobrar pelas empresas empregadoras têm o fim anunciado, e bem mais cedo do que muitos pensam. Só não se sabe é quando. Temos pela frente, sem dúvida, um mundo pleno de interrogações.
Sócio Partner da Dantas Rodrigues & Associados